Eleitores de Hollande comemoram sua vitória |
Sim, como previsto há meses, o socialista François Hollande conseguiu uma previsível vitória contra Nicolas Sarkozy, algo que estava claríssimo depois do 1º turno - sobretudo com linhas curiosas: Hollande venceria por pouco, mas dificilmente deixaria de vencer. Conforme previmos por aqui, embora as pesquisas apontassem para uma vitória em torno de 55%, o voto silencioso talvez favorecesse Sarkozy como de fato aconteceu, com o atual presidente francês perdendo apenas em torno 52 a 48.
A vitória apertada de Hollande, é claro, não é nenhuma novidade: Mitterrand, que a exemplo dele derrotou um gaulista pleiteante à reeleição (no caso dele, D'Estaing), também venceu por uma margem bastante parecida - e apesar de em ambos os casos os pleiteantes à reeleição derrotados tenham sido figuras egressas da ala mais liberal do gaulismo (ao contrário de Chirac), as semelhanças param por aí: a política externa de D'Estaing foi profundamente não-aliada aos EUA, com direito a flertes com a União Soviética (com quem sempre manteve boas relações), enquanto isso, Sarkozy foi o primeiro mandatário francês, desde o colaboracionismo, a abrir mão da autonomia em matéria de relações internacionais, se curvando aos EUA e à Alemanha.
E embora maus resultados econômicos tenham ajudado a derrubar D'Estaing e Sarkozy, é preciso entender a conotação diferente com a qual essas degradações foram percebidas, uma vez que há uma inegável transversalidade entre economia e política externa na Europa atual, o que trouxe o centro de gravidade da questão para o segundo campo: a União Europeia e a unidade monetária estão aí com todos os seus problemas e suas problemáticas.
Isso explica porque em uma eleição na qual a direita levou vantagem durante o 1º turno, mesmo assim, viu o candidato esquerdista vencer no 2º turno sem maiores dificuldades: Hollande foi eleito para confrontar o consenso de Bruxelas que cada vez mais se parece com a ditadura de Berlim; Sarkozy, visto como um covarde nesse sentido, não conseguiu capturar votos preciosos do seu próprio campo político. Fora a vitória a passadas largas de Chirac no 2º turno de 2002, quando uma aberração da natureza - isto é, alta abstenção e um número absurdo de candidatos - colocou Le Pen e não Jospin para disputar a segunda volta, e a de De Gaulle em 58 (talvez a sua vitória confortável em 64, ainda que no 2º turno).
A vitória sobre Sarkozy, no entanto, teve um peso moral muito forte que favorece Hollande e dá forças ao PS para, nas eleições legislativa de daqui a um mês, conseguir reverter a maioria gaulista na Assembleia Nacional. Caso assuma sua agenda, sobretudo no que toca ao enfrentamento do projeto europeu atual, ele atrairá para si, fatalmente, o apoio da base mesmo do oposicionista Front National ou até do enfraquecido gaulismo.
É perfeitamente natural que se faça referência ao efeito dança das cadeiras quando se analise as eleições francesas, mas é mais complexo do que isso: se onde era governado pela centro-direita passou para a centro-esquerda (e vice-versa), nos aproximamos de um momento culminante, porque cada espectro da política europeia está tendo suas oportunidades de pôr sua política em curso.
Até agora, as políticas de austeridade de Merkel, ressoadas pelos governos de Passos Coelho e Rajoy - respectivamente em Portugal e Espanha, que trocaram a centro-esquerda pela centro-direita - não tem surtido nem tendem a surtir qualquer efeito sobre a crise. A conveniência da centro-esquerda com esses mecanismos, inclusive, foi causa das quedas dos socialistas na península Ibérica - e também no Reino Unido. O projeto de Hollande, ao contrário, é um significativo não, por parte da social-democracia europeia, ao consenso, ainda que seja muito comportado.
Se a fórmula da austeridade faz a Europa caminhar para a falência do seu sistema político, o que, no momento, seria o mesmo que joga-la na mão da extrema-direita - olhem a nova Constituição húngara, p.ex. -, agora existem novos vetores: a pressão dos movimentos sociais que lotou as praças por toda a Europa e essa cisão na cúpula do poder são exemplos disso. No entanto, para que uma nova esquerda seja constituída, a esquerda que vai às ruas, precisa produzir novos espaços e formas de intervenção à altura de intervir no grande jogo político, enquanto a esquerda parlamentar precisa reconhecer esses atores e, uma vez no governo, intervir na questão do Euro que, está bem claro há algum tempo, é a pedra de toque dessa conversa toda.
O abalo produzido na dinâmica de funcionamento da União Europeia, no entanto, foi relevantíssimo, embora para o pior não acontecer, ainda precisemos de muito.
Hugo,
ResponderExcluirSó para não deixar passar em branco: diversos outros governos de centro-direita na Europa estão sendo "chamados na chincha" pelo seu eleitorado.
Ontem mesmo tivemos o exemplo da Grécia (que vai ter uma dificuldade enorme para formar um nonmo governo). Também ontem foram as eleições locais na Itália, com os partidos "anti-arrocho" levando vantagem.
Semana passada os partidos da coalizão que governa a Grã-Bretanha foram surrados pelos trabalhistas tam bém em eleições locais (Londres foi uma exceção).
E Madame Merkel vem colecionando derrotas em eleições regionais desde o ano passado. Ontem foi em Schleswig-Holstein, onde o CDU perdeu a maioria e deve deixar o governo.
Ou seja, deve vir mais rebuliço por aí...
Pois é, Luiz. Na Grécia, é bom ressaltar ainda que houve uma abstenção violentíssima, o que põe o sistema local mais em xeque ainda - e falo de algo quase em torno de 50% -, com uma votação grande para a esquerda radical - o Sryza, que superou o Pasok (o partido socialista tradicional) inclusive. No Reino Unido, possivelmente haverá troca de governo. Existe uma tendência interessante em curso.
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