Rosa Luxemburgo,
judia da Polônia,
vanguarda dos operários alemães,
morta por ordem dos opressores.
Oprimidos,
enterrai vossas desavenças!
Bertold Brecht, Epitáfio de Rosa Luxemburgo
Rózà, espetáculo teatral em cartaz na Casa de Povo, narra a história da revolucionária polonesa Rosa Luxemburgo. O título da peça é assim mesmo, com a grafia original do nome dela, o que desperta um efeito exótico como a música de fundo, em ídiche, do teaser da peça: uma Rosa primeira, uma arqui-Rosa que, no entanto, não é uma Rosa velha, mas uma Rosa atemporal. O ex-ótico é sempre isso, aquilo nos salta ao olhar (usual) e nos faz ver as coisas de um jeito diferente.
Eu nunca tinha me dado conta da grafia original do nome dela, mas isso desperta a atenção para uma coisa óbvia (e o óbvio é sempre revolucionário, embora nem sempre seja evidente): a Rózà mulher, judia, comunista e polonesa, todo esse seu magnífico -- e privilegiado -- estar-em-minoria não é apenas um adereço, um detalhe biográfico, mas sim o próprio fundamento da Rózà revolucionária.
Isso ajuda explicar porque Rózà não apenas esteve na esquerda revolucionária, mas também esteve à esquerda. E a sua atualidade, em um momento de tamanha agitação, que suscita, dentre outras coisas, também o pré-guerras, é instantânea. Como se portar diante das manifestações que, enfim, chegaram ao Brasil? Da emergência da questão feminina? De uma escolha necessária de lados face ao racha do blocos de poder mundial? Não é que isso não seja novidade, mas é que não há como não sê-lo, seja em qual época for.
Rózà, assim como os bolsheviks, colocou a questão da Revolução novamente na ordem do dia da esquerda mundial -- quando os social-democratas já ensaiavam uma grande aliança com o Poder -- mas ela, mais do que eles, pensou a questão do pós-Revolução -- e só conseguiu fazê-lo pela sua condição de pensadora, e militante, maldita no sentido que dizemos que Marx foi maldito. Daí o fato dela ser uma personagem histórica formidável. E é essa noção que essa obra transmite bem.
Tudo na peça transcorre com três Rosas confinadas em um quadrado forrado por plásticos brancos dentro do qual também ficam os espectadores. Elas se intercalam momento a momento, se reunindo apenas quando formam uma banda -- uma banda --, protagonizando uma sucessão de experiência sensoriais: imagens projetadas nas paredes, música, a leitura das cartas -- as várias etapas e momento da vida, Rózà jovem e furiosa, Rózà presa, Rózà solta para depois ser morta.
Uma vida em meio às massas que foi, a rigor, uma vida solitária -- quando não, na própria solitária. Sons e silêncios, épica e dramática, multidões e solidões giram em uma peça que assume o ponto de vista do feminino, do comum, do perseguido -- e que opção mais feliz do que escolher como palco justo da Casa do Povo, fundada por tantos judeus fugidos e estabelecidos no agitado centro de São Paulo.
Pelo menos duas sacadas merecem atenção no texto: a referência às manifestações atuais e à prisão das Pussy Riot na Rússia de Putin -- justo a mesma Rússia que, hoje, força a esquerda a cair na mesma falácia de "escolher um dos lados". Isso tudo passado na mesma Alemanha na qual o consenso ainda persevera entre as forças políticas, sobretudo no que toca à "austeridade" -- o nome bonito que deram à política de crise, equivalente macroeconômica à política de guerra (civil ou não) daqueles tempos.
Rózà, pois, é mais atual impossível, sobretudo quando pensada nos termos de uma Rózà-minoria. E as atrizes seguram bem a peça com carinho e afetuosidade, sobretudo no final -- envolto por uma carga dramática densa e potente: Rózà morre e a prisão se desfaz, as paredes são destruídas, mas ela ressurge, literal e metalinguisticamente...nas ruas...
Eu nunca tinha me dado conta da grafia original do nome dela, mas isso desperta a atenção para uma coisa óbvia (e o óbvio é sempre revolucionário, embora nem sempre seja evidente): a Rózà mulher, judia, comunista e polonesa, todo esse seu magnífico -- e privilegiado -- estar-em-minoria não é apenas um adereço, um detalhe biográfico, mas sim o próprio fundamento da Rózà revolucionária.
Isso ajuda explicar porque Rózà não apenas esteve na esquerda revolucionária, mas também esteve à esquerda. E a sua atualidade, em um momento de tamanha agitação, que suscita, dentre outras coisas, também o pré-guerras, é instantânea. Como se portar diante das manifestações que, enfim, chegaram ao Brasil? Da emergência da questão feminina? De uma escolha necessária de lados face ao racha do blocos de poder mundial? Não é que isso não seja novidade, mas é que não há como não sê-lo, seja em qual época for.
Rózà, assim como os bolsheviks, colocou a questão da Revolução novamente na ordem do dia da esquerda mundial -- quando os social-democratas já ensaiavam uma grande aliança com o Poder -- mas ela, mais do que eles, pensou a questão do pós-Revolução -- e só conseguiu fazê-lo pela sua condição de pensadora, e militante, maldita no sentido que dizemos que Marx foi maldito. Daí o fato dela ser uma personagem histórica formidável. E é essa noção que essa obra transmite bem.
Tudo na peça transcorre com três Rosas confinadas em um quadrado forrado por plásticos brancos dentro do qual também ficam os espectadores. Elas se intercalam momento a momento, se reunindo apenas quando formam uma banda -- uma banda --, protagonizando uma sucessão de experiência sensoriais: imagens projetadas nas paredes, música, a leitura das cartas -- as várias etapas e momento da vida, Rózà jovem e furiosa, Rózà presa, Rózà solta para depois ser morta.
Uma vida em meio às massas que foi, a rigor, uma vida solitária -- quando não, na própria solitária. Sons e silêncios, épica e dramática, multidões e solidões giram em uma peça que assume o ponto de vista do feminino, do comum, do perseguido -- e que opção mais feliz do que escolher como palco justo da Casa do Povo, fundada por tantos judeus fugidos e estabelecidos no agitado centro de São Paulo.
Pelo menos duas sacadas merecem atenção no texto: a referência às manifestações atuais e à prisão das Pussy Riot na Rússia de Putin -- justo a mesma Rússia que, hoje, força a esquerda a cair na mesma falácia de "escolher um dos lados". Isso tudo passado na mesma Alemanha na qual o consenso ainda persevera entre as forças políticas, sobretudo no que toca à "austeridade" -- o nome bonito que deram à política de crise, equivalente macroeconômica à política de guerra (civil ou não) daqueles tempos.
Rózà, pois, é mais atual impossível, sobretudo quando pensada nos termos de uma Rózà-minoria. E as atrizes seguram bem a peça com carinho e afetuosidade, sobretudo no final -- envolto por uma carga dramática densa e potente: Rózà morre e a prisão se desfaz, as paredes são destruídas, mas ela ressurge, literal e metalinguisticamente...nas ruas...
Rózà, Brasil (2014), direção de Martha Kiss Perrone, Joana Levi; Dramaturgia: Martha Kiss Perrone e Roberto Taddei; Instalação Cenográfica: Renato Bolelli Rebouças; Criação Vídeo: Marília Scharlach, Olivia Niculicheff; Direção Musical: Edson Secco; Composição: Edson Secco, Ligiana Costa; Preparação Vocal: Ligiana Costa; elenco: Lowri Evans, Lúcia Bronstein e Martha Kiss Perrone. Casa do Povo, Rua Três Rio, 252, Bom Retiro, São Paulo-SP. Página da peça no Facebook.
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