Stephen King, autor de umas boas dezenas de livros de terror e suspense, muitos deles reproduzidos com sucesso em outras mídias, como os clássicos O Iluminado, Carrie, Christine, Cemitério Maldito, À Espera de um Milagre, Na Hora da Zona Morta (Dead Zone, tanto no cinema quanto na TV) é um cara que tem o que dizer. Talvez seja um dos últimos ícones pop americanos a ter o que dizer. Seja na sua defesa da cobrança de tributos sobre os mais ricos (inclusive sobre ele mesmo) ou na sua crítica à venda desenfreada de armas de fogo em seu país. Mas o que interessa realmente é a sua obra e o que ela diz.
King, por dentro e contra, subverteu o típico romance de terror americano e tirou dele o seu melhor. Muitas de suas obras assustam mesmo. Agora, a novidade de King é ter, massiva e intensamente, brincado com o ponto de vista do paranoico: olhando a partir dele, de seus temores, ele apresenta um mundo no qual a ameaça e as contradições internas dão origem ao Mal -- que não vem "de fora", mas já está "dentro".
O Iluminado: papel icônico de Jack Nicholson |
A genealogia do terror americano aponta para um aspecto importante da fundação do país, a tradição da agressão vinda da ameaça externa, do outsider como o inimigo perpétuo: não só aquilo que é externo ao país, mas externo à comunidade, à vizinhança. Olhado do ponto de vista do forasteiro, da minoria, isso é pura paranoia, indiferença e intolerância, mas do ponto de vista da comunidade sob o regime do pavor que se protege, se imuniza se fechando é diferente: de fato, o inesperado, o diferente e a novidade dão medo, horror real e profundo que corrói a alma. King não assume o ponto de vista nem de um, nem de outro, mas subversivamente assume que o medo do paranoico pode ter explicação para, daí, o desconstruir.
Martin Sheen em Dead Zone |
O político conservador e oportunista em Dead Zone (foto), os alunos populares em Carrie ou, de maneira mais explícita impossível, o racismo e o sistema prisional americano em À Espera de Um Milagre -- imortalizada pelas atuações brilhantes de Michael Clark Duncan e Tom Hanks -- constituem em alguns exemplos dessa subversão. Do mesmo modo que em o Iluminado e em Cemitério Maldito (Pet Sematery) não é quem vem de fora que traz o Mal, mas sim que o Mal já está lá, incutido no ambiente doméstico e fechado, nas suas contradições convenientemente abafadas e escondidas.
Se a literatura de terror de King, até hoje, não caminhou para a vertigem fóbica segundo a qual tudo se passa à sombra de um terror(ismo) exterior, onipresente e transcendente -- a exemplo do que aconteceu com um Frank Miller, para ficar na cultura pop -- é justamente porque ele sabe que a causa do medo é interior e imanente: não há porque invocar ameaças externas, sendo que, a priori, as ameaças estão nas contradições internas, nossas e da nossa comunidade.
Se é de paixões tristes que se faz o poder, a incorporação delas e sua subversão talvez seja o melhor remédio. King nos faz sentir medo, mas seu medo nos desperta para um mal que está no lado no normal, do homem e das pessoas "de bem". Com o mundo global calcado cada vez mais na forma na (bio)política do terrorismo, sob a sombra da lógica da caça às bruxas -- tão comum nos EUA do século 17º, no marcatismo dos anos 50, na guerra ao terror e, também, no nosso e tão nosso culto ao punitivismo e na nossa cultura de linchamento --, as pequenas operas trágicas de King, no susto, nos fazem refletir que o problema não é o Outro.
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