sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Amantes Eternos: Paixão, Vampiros e Decadência do Mundo

Amantes Eternos (Only Lovers Left Alive, Alemanha-Reino Unido, 2013) do diretor Jim Jarsmusch é um filme de vampiros muito original. Você não verá aqui qualquer excesso, mas sim suavidade e um trato bastante inteligente sem cair no pedantismo: nada de vampiros adolescentes ou um thriller de ação que beira, quando não ultrapassa, o pastelão. Adam e Eve são vampiros muito antigos com uma relação amorosa igualmente imemorável, mas estão distantes agora: enquanto ele vive como um astro do rock recluso na decadente Detroit contemporânea,  ela se esconde em Tanger, no Marrocos. A partir da tensão amorosa entre os dois, nesse mundo em chamas da crise mundial, as coisas acontecem, sem que a palavra "vampiro" sequer seja mencionada.

Ele é depressivo, ama música -- e, por motivos óbvios, produz suas obras no anonimato, a qual é distribuída granças a um agente humano -- enquanto ela flana com estilo no mundo árabe, onde nutre uma amizade com um vampiro ancião chamado Marlowe -- sim, o próprio. São cultíssimos e têm bom gosto: o acúmulo dos séculos, naturalmente, lhes fez bem. Eles não saem por aí tomando o sangue de ninguém, mas conseguem sangue limpo e descontaminado junto a bons esquemas de fornecimento. Se você nunca viu vampiros assim, por outro lado, a questão é como isso poderia ser diferente se eles realmente existissem?

Por conta do agudo quadro depressivo de Adam, que pensa em se destruir, Eve vai ao seu encontro em Detroit, mas as coisas se complicam quando a irmã dela, Ava, resolve dar as caras sem ser convidada depois de muito tempo sem vê-los. E Ava é um retrato da nossa pós-modernidade: decadente, insaciável e inconsequente -- ela tira o sossego que Adam tinha em Detroit, ou no que restou da cidade. A partir daí película tem sua virada, sem nunca perder a elegância, o ritmo pausado e suave.

O vampiro, como se sabe, é uma forma mitológica que alude a alguma classe social, alguma etnia, algo indesejado que acaba retratado como tal. A imagem do vampiro é sempre um caleidoscópio, cujo resultado simbólico nem sempre é justo. Aqui, ele representa uma certa aristocracia ontológica em extinção: a qual, apesar dos ganhos causados pela civilização, ainda vive de sangue porque é de sua natureza, muito embora tenha desenvolvido, seja por ética ou pelas contingências, novos meios para sua extração -- e é, por outro lado, guardiã de uma cultura destruída pela massificação. Enfim, os nossos vampiros não são só terríveis bebedores de sangue, mas também, e sobretudo, os mecenas e até artistas ocultos da humanidade -- com quem nutrem uma relação de amor e ódio.

Se o nosso mundo é tragédia pura, Detroit falida e abandonada é segura para um vampiro justamente pelos motivos errados, o vampiro representa uma decadência com elegância. Adam é a pura depressão romântica, mas Eva é esperança: Detroit se reerguerá porque, afinal, lá existe água e, talvez, não haja porque ter tanto pessimismo com os "zumbis" -- isto é, os humanos, mas acima do humano, menos do que humano: a massa. Não há porque ser romântico.

Essa decadência elegante do nosso tempo, uma certa expressão pessimista e ao mesmo tempo leve da crise mundial, tem sido recorrente no cinema atual. Filmes como um Castelo na Itália ou a Grande Beleza suscitam isso de alguma maneira, mas com uma resolução pessimista. Em Amantes Eternos, para além do bem e do mal, os vampiros não perdem sua sede da sangue, talvez até percam as amarras civilizatórias conforme as contingências da vida, mas eles não terminam na mera contemplação ao fim da história ou em alguma busca pela redenção.

Nenhum comentário:

Postar um comentário