Angelus Novus_ Paul Klee |
Levy Fidelix, o eterno candidato nanico do aerotrem, foi o destaque do debate entre presidenciáveis de ontem. Por si só, tal fato já seria grave. No entanto, a maneira como isso aconteceu tornou tudo mais acintoso: ao ser perguntado pela candidata do PSOL, Luciana Genro, sobre direitos para a comunidade LGBTT, ele teve em um surto de homofobia no qual equiparou homossexuais a pedófilos, atacou o casamento gay e falou que "nós" -- as pessoas de bem? -- deveriam ir pra cima "dessa minoria" -- isso tudo num país no qual os crimes de ódio contra homossexuais, travestis e transsexuais motivados simplesmente por sua orientação sexual, vestimenta ou identidade de gênero ocorrem, cada vez mais, aos montes.
Pior ainda, Luciana não respondeu à altura, tampouco os outros candidatos se importaram em usar de seu tempo para repreendê-lo. Passou batido -- mas não pelas redes sociais, nas quais a hashtag #LevyVoceENojento é, nesta manhã de segunda-feira, o assunto mais abordado no Brasil pelo Twitter, nem pela imprensa internacional, como o Guardian da Inglaterra não nos deixa mentir.
Enfim, no penúltimo debate antes da votação do primeiro turno, a pior eleição presidencial da (breve) história (quase) democrática brasileira encontrou seu momento emblemático. Não, não poderia ser pior, mas dificilmente seria mais ilustrativo. Não que as coisas tenham ficado ruins agora, ao contrário. 1989, por exemplo, foi nossa primeira e melhor eleição, dali em diante a situação só piorou. Mas essa piora talvez tenha a ver com a maneira como aquele eleição terminou.
Cheia de gigantes da política brasileira -- e muitos campeões da luta por liberdade e justiça social --, aquele pleito foi vencido pelo pior, mais despreparado só que mais bem financiado candidato, Fernando Collor. A história todos conhecem: dali em poucos anos, Collor foi destronado, mas o mal que ele representa jamais foi revertido. As reformas privatistas continuaram, aceleradas com mais competência por FHC e depois mitigadas com Lula e Dilma; as eleições, dali em diante, se tornaram caríssimos espetáculos de propaganda, norteados por debates superficiais e recuados.
FHC e Lula, embora tenham sido eleitos já nesse esquema, superavam em parte o processo pelo peso político de ambos. No pós-Lula, a crise ficou mais patente. A maneira como o debate não tem consistência, não é apresentado claramente e se mantém envergonhado nas entrelinhas é um espectro que envolve todos os principais candidatos. Os pretendentes folclóricos, hoje, se bandearam para jogar com frases vazias de extrema-direita. Os pequenos candidatos de esquerda, derrapam.
A distância registrada nos últimos anos entre o sistema político e as demandas é imenso. As convulsões de 2013 já deixaram isso bastante claro. Depois, se dizia: que protestem nas urnas. Mas como? As eleições, este breve momento -- o entretempo entre os mandos, onde o poder real é anomicamente mitigado --, se esvaem normalizados, esvaziados diante da irracionalidade fascista. Só havia uma saída: xingar Levy, dizer-lhe um simples "cala boca, idiota" (sim, Lucas, você tem razão). Nada aconteceu, contudo.
É fato que alguma reação vá acontecer agora, para além da indignação da rede. E é bom que ocorra. Mas do que isso se trata é outra coisa: essa perplexidade letárgica que, nesse caso, se manifestou na normalização da homofobia como "opinião" -- ainda que "folclórica" --, o que se estende para uma série de outras condutas. Sim, foi um "instante" que passou e deixou, pelo menos uma parte de nós, de queixo caído. Mas um instante, e nada mais, é o necessário para matar uma pessoa ou o mundo todo.
É a partir dessa naturalização (lenta, gradual...) do absurdo que se instaura o pior dos mundos. Devagar ocorre, mas quando elas vêm, chegam rápido como um aerotrem. É preciso, como Benjamin, aprender com o anjo da História: talvez de um jeito menos depressivo, mas sem deixar de ser trágico.
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