O ano de 1988 matizou o tradicional autoritarismo brasileiro. Se a participação popular não se tornou plena como o esperado, ao menos com eleições a cada dois anos, com as disputas municipais intercaladas com as gerais (nacionais/estaduais) traziam um suspiro: agora, trinta depois, o que espera do momento em que vivemos?
Isso não é só sobre "Lula condenado", mas de uma lógica na qual a política deve estar debaixo do que diz o "mercado" e, mais precisamente, da oligarquia dominante do país. Nenhuma razão real maior do que o "porque o mercado quis" aparece, embora discurso e memes sejam produzidos. Discute-se abertamente a retirada de candidatos, ou como se fecha as portas para a ou b e como se elegerá o candidato "do centro" -- que, a bem da verdade, é o candidato da direita espiritualmente alinhado a isso que está aí nas ruas.
A depuração eleitoral pouco tem a ver com a democracia, mas com o alinhamento com os interesses mais elementares das grandes corporações econômicas, em escala nacional e internacional.
Vejamos bem, as pessoas comuns jamais se enganaram por completo, mas sabiam que em alguma medida, aquele brecha lhes permitia influir um pouco nas assimétricas relações de poder do país -- para muito além do ceticismo ou do encantamento absoluto dos intelectuais --, mas o que se desenha aqui é muito complicado.
E é justamente essa esperança nas urnas, mesmo em um momento conturbado como este, que faz com que as ações políticas, em um país com nervos à flor da pele, seja postergados em intenções de voto -- que não agradam aos novos donos do poder, o que não se restringe à liderança de Lula, mas a impopularidade crônica e profunda dos candidatos que apoiam o estado de coisas.
Ironicamente, essa esperança resguardada não se materializa em grandes mobilizações espontâneas, nem muito menos grandes eventos organizados, pois os grandes sindicatos ou movimentos preferem, no máximo, fazer paralisações programadas e com duração certa. E em dados momentos, nem parece o caso de desconfiar de conluio, porque a falta de luta é causa do definhamento sobretudo dos sindicatos.
Esse messianismo eleitoral, de tão comportado, se torna terrivelmente perigoso no momento atual, no qual uma espécie de hobbesianismo de mercado toma conta do Brasil pós-2016: uma declaração pública de que eleições podem atrapalhar a economia, o que seria um escândalo inadmissível há dez anos no Brasil. Essa racionalidade mágica dos economistas de mercado sobre as paixões da plebe, que nem sabe o seu próprio bem -- em argumentos infantilistas que lembram a colonização -- é sim uma forma de hobbesianismo, embora o projeto em si seja caótico.
É como se o Leviatã de Hobbes tomasse vida e resolvesse realizar o estado de natureza que -- e como -- o pensador inglês imaginava. A desagregação do país, com aumento dos problemas sociais, pestidades variadas (até de febre amarela) e a violência ao estilo mexicano já estão postas, mas isso não é falta do avanço do projeto que está agora no poder, mas consequências imediatas de sua breve hegemonia.
A grande cereja do bolo na opinião de FHC, como repete o comandante do exército general Villas-Bôas, e outros políticos do establishment, seria o "Macron brasileiro", isto é, qualquer figura anódina ideologicamente e com um aparato capaz de convencer o povo brasileiro a suportar o arrocho eternamente, tudo em nome de uma razão maior. Mas esse campo não tem consenso nem votos. Até o Macron real vive às turras com sua queda de popularidade. Gerir medidas não democráticas sob uma aparência democrática tem limites.
É a partir dessa constatação que República fica a perigo: enquanto a plebe espera poder, realmente, exprimir seu modesto poderio político, hoje mais do que nunca, as elites, absolutamente hegemônicas esperam não mudar nada. É essa aceleração que veremos até o final do ano, com as eleições, ou antes, sobretudo se Temer cometer a estultice de por em votação a derrocada da previdência social, amplamente rejeitada entre a população.
Na Rússia, o mito da bondade quase divina do Czar só se desfez em 1905, quando uma multidão de apoiadores marchou até o Palácio de Inverno para clamar por melhores condições de vida -- e foi recebida à bala pela guarda imperial, era o Domingo Sangrento. Até então, as massas acreditavam que os conselheiros do Czar o enganavam ou lhe omitiam a realidade do povo russo, mas ao mesmo tempo jamais haviam tentando falar diretamente com ele, coisa que só aconteceu mediante a extrema necessidade.
No Brasil, o enigma da democracia com freio de mão puxado pode vir à tona, justamente em outubro, quando as massas vão apostar todas as suas fichas. Até aqui, o povo sempre se resignou numa cidadania quase circunscrita ao voto quadrienal, justamente por isso, espera que suas preces sejam atendidas mais do que nunca, seja pela obediência, seja pela necessidade de anos duros como estes. Essa desconexão entre expectativas, da massa e do mercado divorciado da democracia, pode produzir uma enorme fricção entre o segundo semestre deste ano e o começo do ano que vem.
São dois trens em alta velocidade vindo um em direção ao outro no mesmo trilho. A questão é que estamos observando atônitos, e até aqui ainda é possível evitar o desastre.
Isso não é só sobre "Lula condenado", mas de uma lógica na qual a política deve estar debaixo do que diz o "mercado" e, mais precisamente, da oligarquia dominante do país. Nenhuma razão real maior do que o "porque o mercado quis" aparece, embora discurso e memes sejam produzidos. Discute-se abertamente a retirada de candidatos, ou como se fecha as portas para a ou b e como se elegerá o candidato "do centro" -- que, a bem da verdade, é o candidato da direita espiritualmente alinhado a isso que está aí nas ruas.
A depuração eleitoral pouco tem a ver com a democracia, mas com o alinhamento com os interesses mais elementares das grandes corporações econômicas, em escala nacional e internacional.
Vejamos bem, as pessoas comuns jamais se enganaram por completo, mas sabiam que em alguma medida, aquele brecha lhes permitia influir um pouco nas assimétricas relações de poder do país -- para muito além do ceticismo ou do encantamento absoluto dos intelectuais --, mas o que se desenha aqui é muito complicado.
E é justamente essa esperança nas urnas, mesmo em um momento conturbado como este, que faz com que as ações políticas, em um país com nervos à flor da pele, seja postergados em intenções de voto -- que não agradam aos novos donos do poder, o que não se restringe à liderança de Lula, mas a impopularidade crônica e profunda dos candidatos que apoiam o estado de coisas.
Ironicamente, essa esperança resguardada não se materializa em grandes mobilizações espontâneas, nem muito menos grandes eventos organizados, pois os grandes sindicatos ou movimentos preferem, no máximo, fazer paralisações programadas e com duração certa. E em dados momentos, nem parece o caso de desconfiar de conluio, porque a falta de luta é causa do definhamento sobretudo dos sindicatos.
Esse messianismo eleitoral, de tão comportado, se torna terrivelmente perigoso no momento atual, no qual uma espécie de hobbesianismo de mercado toma conta do Brasil pós-2016: uma declaração pública de que eleições podem atrapalhar a economia, o que seria um escândalo inadmissível há dez anos no Brasil. Essa racionalidade mágica dos economistas de mercado sobre as paixões da plebe, que nem sabe o seu próprio bem -- em argumentos infantilistas que lembram a colonização -- é sim uma forma de hobbesianismo, embora o projeto em si seja caótico.
É como se o Leviatã de Hobbes tomasse vida e resolvesse realizar o estado de natureza que -- e como -- o pensador inglês imaginava. A desagregação do país, com aumento dos problemas sociais, pestidades variadas (até de febre amarela) e a violência ao estilo mexicano já estão postas, mas isso não é falta do avanço do projeto que está agora no poder, mas consequências imediatas de sua breve hegemonia.
A grande cereja do bolo na opinião de FHC, como repete o comandante do exército general Villas-Bôas, e outros políticos do establishment, seria o "Macron brasileiro", isto é, qualquer figura anódina ideologicamente e com um aparato capaz de convencer o povo brasileiro a suportar o arrocho eternamente, tudo em nome de uma razão maior. Mas esse campo não tem consenso nem votos. Até o Macron real vive às turras com sua queda de popularidade. Gerir medidas não democráticas sob uma aparência democrática tem limites.
É a partir dessa constatação que República fica a perigo: enquanto a plebe espera poder, realmente, exprimir seu modesto poderio político, hoje mais do que nunca, as elites, absolutamente hegemônicas esperam não mudar nada. É essa aceleração que veremos até o final do ano, com as eleições, ou antes, sobretudo se Temer cometer a estultice de por em votação a derrocada da previdência social, amplamente rejeitada entre a população.
Na Rússia, o mito da bondade quase divina do Czar só se desfez em 1905, quando uma multidão de apoiadores marchou até o Palácio de Inverno para clamar por melhores condições de vida -- e foi recebida à bala pela guarda imperial, era o Domingo Sangrento. Até então, as massas acreditavam que os conselheiros do Czar o enganavam ou lhe omitiam a realidade do povo russo, mas ao mesmo tempo jamais haviam tentando falar diretamente com ele, coisa que só aconteceu mediante a extrema necessidade.
No Brasil, o enigma da democracia com freio de mão puxado pode vir à tona, justamente em outubro, quando as massas vão apostar todas as suas fichas. Até aqui, o povo sempre se resignou numa cidadania quase circunscrita ao voto quadrienal, justamente por isso, espera que suas preces sejam atendidas mais do que nunca, seja pela obediência, seja pela necessidade de anos duros como estes. Essa desconexão entre expectativas, da massa e do mercado divorciado da democracia, pode produzir uma enorme fricção entre o segundo semestre deste ano e o começo do ano que vem.
São dois trens em alta velocidade vindo um em direção ao outro no mesmo trilho. A questão é que estamos observando atônitos, e até aqui ainda é possível evitar o desastre.