domingo, 26 de abril de 2009

Islândia e a Vitória da Esquerda

A Crise Econômica Mundial se mostra como o primeiro grande advento do processo de Globalização. Ela é, sobretudo, um grande ponto de convergência que decorre do processo de mundialização dos mercados capitalistas - uma consequência natural desse sistema de produção como já anteviu, muito antes de nós, Marx. O mundo, muito provavelmente, não acabará, no entanto, depois dela haverá um novo equilíbrio no globo.

Como eu tenho batido na tecla literal e insistentemente, ela operará mudanças mais profundas em especial, no continente europeu. Isso não é pouco. A Europa do pós-Muro de Berlim é um continente onde velhas barreiras e muros políticos desabam a cada dia, mas, paradoxalmente, é um lugar onde velhas certezas - e a velha segurança - misteriosamente acabaram; a social-democracia com a qual sonhavam os jovens que botaram o bolchevismo abaixo no leste europeu é disfuncional e inoperante em relações às demandas do mundo em globalização. A situação do leste após o fim do socialismo era caótica, depois se reverteu, implicou em avanços e agora as coisas voltam a ficar tensas.

A pequena Islândia, no alto de seus 300 mil habitantes, é um caso sui generis (como esse blog abordou em seus primórdios): Mais conservador dentre os países nórdicos, a ilha desfez o sistema social-democrático comum aos Estados dessa região nos anos 80 e ingressou numa viagem neoliberal como poucos; a experiência desregulamentatória fez com que o país, habitual líder do ranking de IDH nos últimos anos, fosse abalado de maneira decisiva por essa Crise. O governo de direita tombou e a Social-Democracia, depois de décadas, voltou ao poder num governo interino, ainda por cima com uma primeira-ministra assumidamente lésbica. Há poucas horas, a imprensa internacional anuncia a vitória da coalização entre social-democratas e verdes. A esquerda, praticamente varrida do poder na ilha, volta à baila de vez.

Seus desafios não serão pequenos; como eu coloquei, no atual momento, o consenso que guiou a esquerda europeia ocidental por muito tempo está em xeque. Na Islândia, ele fracassou já nos anos 80 e é daí que surgiu o espaço para o projeto neoliberal de Daniel Oddson. O país, por outro lado, está novamente falido depois de uns vinte anos de prosperidade ilusória que se assentou sobre a base movediça de um sistema financeiro desregulamentado - ao menos, pelo Estado. Seja como for, a coalizão liderada por Johanna Sigurdardottir teve mais da metade dos votos e terá o desafio de elaborar novas saídas. A importância em números é pequena. Ainda assim, a simbologia da vitória é enorme: Uma coalizão de esquerda liderada por uma lésbica assumida em meio a uma Europa em crise que se vê às voltas com o fantasma da intolerância e do ódio. Aguardemos.

7 comentários:

  1. Hugo,

    A vitória da esquerda na Islândia não deixa de ser importante, mas essa não parece ser a tendência no restante da Europa. O que você acha? Haverá um renascimento da esquerda no continente por causa da crise?

    De manhã eu li no Estadão de hoje um artigo sobre a esquerda européia, no qual ela é apresentada como "sem rumo" e desarticulada. Mesmo na França, a crescente impopularidade de Sarkosy e da direita que ele representa não se reverte em pontos para a Esquerda que, segundo o mesmo artigo, briga entre si.

    Esse parece ser o mal da Esquerda no mundo inteiro. Hoje, a Direita tenta se eximir de responsabilidade pela crise, mas não consegue, nem vai conseguir, pois foram os seus fundamentos econômicos que levaram a ela, mas a esquerda tampouco consegue capitalizar isso a seu favor. Aqui no Brasil um presidente de esquerda adotou princípios neoliberiais na sua política econômica e agora tenta correr atrás do prejuízo, e não vai dar pra culpar a direita pela marolinha ter se transformado, não num tsuname ainda, mas numa ressaca das braba.

    Recentemente li outra matéria sobre uma entrevista de Eric Robsbawn no qual ele diz que tanto o Socialismo quanto o Capitalismo fracassaram. Não li a entrevista, apenas o que alguém _ não me lembro quem _ escreveu sobre ela, mas se é assim, o que é que vem agora?

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  2. Hugo, confesso que da Islândia só conheço a Bjork e o Sigur Rós, mas faço votos que o processo ocorrido lá se repita (e não como farsa)em outros páises do continente.

    Eduardo, o especialista em política internacional é o Hugo, e ele certamente vai responder à sua pergunta com propriedade. Portanto, não me leve a mal; não lhe conheço pessoalmente mas não resisto a uma provocação irõnica, para dar risada: você tinha alguma esperança que o Estadão dissesse que a esquerda está no rumo certo?

    Um abraço,
    Maurício.

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  3. Tudo bem, Maurício. Não tem problema nenhum, (risos).

    Citei o artigo porque me lembrei dele quando li este post. O Estadão é um jornal assumidamente conservador, voltado aos interesses da classe empresárial. Não faz segredo disso, basta ler seus editoriais, por isso mesmo gosto dele. Tanto que fui assinante por oito anos e ainda hoje é o único jornal que compro, ainda que esporadicamente.

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  4. Bom, pelo menos o Estadão assume o conservadorismo, ao contrário da Folha, que tenta posar de liberal...enquanto vai ladeira abaixo.

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  5. Muito boa tarde, Maurício e Eduardo,

    Respondendo a pergunta do Edu, é uma questão bastante complexa, mas eu vejo a vitória de uma coalização de esquerda em um país tão conservador quanto a Islândia não como o início de um efeito dominó, mas sim como a expressão de que há o esvaziamento do discurso da direita, especialmente, no que toca porque o messianismo neoliberal tornou-se impraticável.

    A Europa, claro, é muito grande. Em lugares como Portugal, os partidos de esquerda dominam, juntos, quase dois terços do Parlamento e assim como no Reino Unido - e diferentemente da Islândia - partidos esquerdistas colaboraram para a construção dessa ordem que está a ruir.

    Então, vejo dois fenômenos, em alguns casos a esquerda não consegue ainda capitalizar eleitores enquanto em outros, como eu coloquei no post, a esquerda simplesmente tem de reinventar sua estratégia para responder as atuais demandas. No entanto, no cômputo geral, é um péssimo momento para a direita tradicional. Se a esquerda do continente conseguirá chegar ao poder na maior dele é outra conversa, se saberão, como na América Latina, aproveitar a chance é mais quinhentos.

    Quanto a análise do Hobsbawm achei ela bem fraca; se por um lado ele limita o socialismo à experiência leninista/bolshevista, por outro, ele constata o óbvio ululante de que o capitalismo fracassou - o que não é novidade nenhuma para a maior parte das pessoas que vivem nesse sistema econômica ao longo da história.

    Segundo, no que toca os jornalões de São Paulo, não podemos dizer que o Estadão é hipócrita, ele nunca escondeu mesmo a que veio, mas o motivo pelo qual ele veio, definitivamente, não é bom - ou pelo menos não me serve. A Folha, pelo seu lado, sempre foi isso daí mesmo, só que veladamente, não via quem não queria, mas ela despirocou feio de um tempo para cá. Enfim, são dois modelos falidos.

    abraços coletivos.

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  6. Hugo,

    realmente a Folha de S.Paulo sempre foi um jornal conservador que se aproveitou do momento "Diretas Já" para ganhar leitores à esquerda. Mas a máscara caiu faz tempo... Abraços.

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