terça-feira, 21 de abril de 2009

Lula, a Realpolitik e o Maranhão

Como foi amplamente noticiado, o TSE cassou o mandato do governador do Maranhão, Jackson Lago, inimigo político de José Sarney - nosso ilustrissímo ex-presidente, literato reconhecido e atual chefe do legislativo. O ocorrido se dá na esteira das cassações e possibilidade de cassações de governadores por esse nobre Tribunal. Esse episódio - assim como o de Cássio Cunha Lima na Paraíba - revela as fragilidades e incongruências da nossa legislação eleitoral que, ironia das ironias, remonta ao tempos da Ditadura Militar.

Simultaneamente, ele suscita o sentido vago de certos dispositivos constitucionais como aquele fala sobre a realização de novas eleições em caso de vacância - pois é, a vagueza do sentido da vacância . O TSE resolveu entender que cassação não gera vacância, resolveu anular a votação de Lago no primeiro turno - e não no segundo - e no fim das contas uma enorme coincidência acabou acontecendo: Roseana Sarney, filha de José Sarney, segunda colocada na última eleição para o governo do estado do Maranhão, foi empossada. Se você quiser entender melhor os detalhes jurídicos do acontecido, clique aqui e leia a maravilhosa caixa de comentários do blog do Idelber sobre o ocorrido.

Jackson Lago, no fim das contas, sempre foi um incomôdo ponto fora da curva desde que se elegeu. Derrotou não apenas a força dos Sarney no estado como também o próprio Lula na medida em que ele apoiou Roseana. A pergunta que não quer calar é qual seria o motivo de um homem de esquerda apoiar os oligarcas de um estado, mesmo havendo um candidato de esquerda capaz de vencer? Simples, porque o Maranhão pouco importa nessa estratégia, o que importa é o Senado onde o apoio de Sarney seria fundamental. O detalhe é que esse estado, governado há tanto tempo por esses mesmos oligarcas ostenta indicadores de qualidade de vida dentre os piores da Federação - na verdade, melhores apenas que os de Alagoas. Apoiar esses oligarcas significa sacrificar esse estado como um peão num jogo de xadrez.

Nas palavras de Henry Kinssinger, realpolitik é uma política de relações exteriores baseada em cálculos de poder e no interesse nacional. Isso poderia ser transposto para o plano interno como uma política baseada em cálculos de poder com foco na conquista da hegemonia política para a realização de um determinado projeto. Seria, na melhor das hipóteses, como trair a Ética para depois salva-la ou, como preferem alguns, se mover por uma ética de ação e não por uma ética de consciência - como diria Weber. Esse humilde blogger que vos escreve, no entanto, duvida da validade disso no longo prazo, política não se limita à Ética, mas também não prescinde dela, não há duas éticas e há limites bem claros no jogo de alianças.

Os julgamentos do TSE têm uma natureza bem discricionária dada a imprecisão da nossa legislação. O que aconteceu com Lago esconde muitos interesses invisíveis, porém evidentes. Por ora, a atuação desse excelso pretório eliminou uma figura incômoda para o jogo do poder, mas no longo prazo abriu uma caixa da pandora onde eleições podem começar a ser decididas no tapetão e não mais nas urnas. Isso entra no âmbito do recente - e voraz - avanço do Judiciário em nosso país como também gera um perigoso precedente que pode ser usado contra o próprio PT daqui há pouco menos de dois anos. A Democracia saiu derrotada.

13 comentários:

  1. "Política não se limita a Ética, mas também não prescinde dela" - disse tudo. Essa frase deveria ser lida pelos políticos brasileiros todos - de esquerda e de direita - a cada manhã.

    Seu texto me fez lembrar de um artigo, escrito por Roberto Pompeu de Toledo (cuja coluna é a única coisa que se salva naquele panfleto de direita chamado Veja, que de ordinário me recuso a ler), intitulado "O oligarca perfeito", em que disseca com brilho a figura de Sarney, mostrando como ele leva ao paradoxo a estratégia do "homem cordial" para simular(ao menos para os ingênuos) uma boa imagem pública e manter-se no centro do poder, não só do segundo estado mais pobre da Federação mas do jogo político nacional - e isso desde fins dos anos 60, passando pela ditadura, governos de direita, Lula. É triste...

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  2. No caso de Cunha Lima, até dinheiro choveu em João Pessoa. Não dá para comparar.

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  3. Maurício,

    Muito obrigado pelo elogio e pelo complemento, não li o artigo do Pompeu, mas pelo que você colocou, faz sentido, é desse jeito mesmo que o Sarney vai se esgueirando e sobrevivendo na política brasileira, aconteça o que acontecer. Será que ele chegará a experimentar o que é perder o poder? Tenho minhas dúvidas. Pobres de nós brasileiros e, especialmente, tristes dos maranhenses - e dos amapaenses também.

    abraços.

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  4. Patrick,

    No primeiro parágrafo, eu fiz uma comparação entre o que se deu com Lago e com Cunha Lima no que toca a maneira como se deu o processo - de não ter havido novas eleições, o segundo colocado ter sido empossado etc -, mas não entrei no mérito de culpa ou inocência de nenhum dos dois. Só nos parágrafos seguintes eu o fiz, mas apenas no que diz respeito a Lago.

    abraços.

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  5. Hugo, Maurício e Patrick,

    Por mais que eu desconheça a veracidade das acusações contra Jackson Lago, não acredito que a campanha de Roseane Sarney tenha sido mais limpa ou digna. No Maranhão _ e não só lá _ parece que o jogo político tem cartas marcadas e ainda assim, se o resultado for outro, questiona-se o jogo do vencedor e entregam-se as fichas para quem de fato deveria ganhar.

    O pior de tudo é ter que reconhecer que o jogo politico nacional conta com poucos jogadores. Nossa democracia aind está muito longe de contar com a participação ativa da maioria da população.

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  6. De fato,Eduardo, temos uma democracia formal ainda não muito consistente, mas a democracia material, isto é, a democracia de fato e não apenas de direito ainda está em um estágio embrionário - para ser elogioso.

    Ao meu ver, isso se deve em grande parte ao impacto que os anos da ditadura significaram para o desenvolvimento intelectual e cultural do país; a normalidade institucional foi interrompida por mais de vinte anos ao mesmo tempo em que a vida intelectual do país foi esterilizada justamente no momento de seu auge.

    Não acho que se o golpe de 64 não tivesse acontecido a situação político-institucional brasileira funcionaria às mil maravilhas nos anos 60 ou 70 - se o golpe aconteceu, é porque já havia algo fora do lugar, algo doente -, mas muito provavelmente teríamos um década de 80 mais proveitosa. Figuras como Sarney, por exemplo, dificilmente teriam tomado a proporção que tomaram.

    No caso Lago, mesmo partindo do pressuposto de que ele tenha praticado irregularidades durante a campanha, o correto seria a realização de novas eleições. O entendimento do TSE de que cassação não gera vacância - e,logo, não gera novas eleições - não é sustentável do ponto de vista lógico, é perigoso institucionalmente, mas não chega a ser inválido à luz de nosso direito positivo dada a natureza pouco palpável de nosso direito eleitoral. Se eu chego ao ponto de dizer que o nosso direito positivo admite um solução ilógica e perigosa institucionalmente, sim, meu caro, significa que as coisas não vão bem - como prova a minha última postagem.

    abraços

    PS: No entanto, os estudantes de direito, agora que os Jogos Jurídicos terminaram em Araraquara, certamente hão de refletir e pensar em soluções para isso - perdoe-me o humor negro, mas não podia perder a piada.

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  7. Hugo,

    O Golpe de 64 certamente representou um atraso na consolidação da nossa Democracia. Também acredito que o engajamento político da população seria maior, caso não tivesse uma interrupção de mais de duas décadas.

    É impossível prever como teria sido, mas algumas características culturais do brasileiro me dizem que talvez não fôssemos tão melhores. Dependeria do grupo político que tivesse mais vantagens no processo eleitoral e eu não apostaria muito na esquerda. O eleitor brasileiro sempre foi muito conservador. Será que isso mudaria?

    Por outro lado o processo de democratização, principalmente a partir de 1978, conseguiu envolver grande parte dos brasileiros, mesmo aqueles que viviam longe dos grandes centros urbanos. A própria Constituinte foi uma grande promotora do debate político. Sem dúvida isso foi um ganho. O problema é que este interesse perdeu força, não teve a continuidade que se esperava depois de tanta espera e mobilização. Ele não resistiu as crises econômicas, institucionais, a corrupção e a uma mídia que aliena.

    Até recentemente eu imaginava que vivíamos uma época de renascimento do interesse pela participação política, mas hoje eu já não sou tão otimista. Não gosto da expressão, mas as vezes concordo com José Murilo de Carvalho no seu livro sobre a Proclamação da República e penso que o povo continua assistindo a tudo bestializado.

    Ps: A coisa apertou aqui no trabalho _ Provas e atividades para corrigir, fechamento de notas... _ por isso estou meio afastado da internet. Mas continuo lendo.

    Abraços!

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  8. Eduardo,

    É verdade, o campo da história contrafactual é movediço por natureza, ainda assim, eu ouso em manter essa tese sobre a ditadura.

    Penso que independentemente dos grupos políticos que viessem a ocupar a presidência - e muito provavelmente eles seria conservadores tocando uma democracia liberal bem limitadinha - a violência seria bem menor do que foi sob a bota dos militares.

    A manutenção de liberdades mínimas possibilitaria um maior desenvolvimento intelectual dentro daquela conjuntura dos anos 50 que era francamente positiva. Isso faria muita diferença já ali pelos anos 80. Pense em todos os intelectuais que foram perseguidos pela ditadura tendo liberdade e um apoiozinho de nada para produzir. Faria muita diferença.

    Sobre a ideia do José Murilo, discordo dela, o povo assiste tudo passivamente porque é "pacificado", isto é, adestrado, condicionado e até eliminado quanto incomoda demais. As coisas não estão assim porque o povo é omisso, mas sim o povo é omisso porque as coisas sempre estiveram assim. O povo, no fim das contas, é elemento passivo, é ele que sofre a ação por parte de uma elite.

    Não vejo os brasileiros como um povo complacente. Nenhum povo o é por natureza. Tanto é verdade que as elites brasileiras sempre precisaram, a ferro e fogo, manter regimes de exceção para manter as pessoas sob controle ao longo de nossa história.

    abração

    PS: É falta de tempo é recíproca, por aqui semana de provas e tudo mais. Não sei como mas tá dando tempo de dar minhas escapadinhas e postar...

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  9. Hugo,

    Mas é exatamente isso que o Murilo de Carvalho quis dizer com "bestializado". Embora a palavra remeta a besta ou animal, por isso não gosto dela.

    Para ele, o povo assiste a parada militar alheio ao que está acontecendo. Ele não participou de nada, nem sabe o que esta acontecendo. Isso foi em 1889. E Hoje, no Maranhão?

    Não culpo o povo, pelo menos não de todo, mas também não o eximo de sua responsabilidade. Tive uma professora, da cadeira de História do Brasil, que dizia que a escola pública brasileira não é excludente. Por uma razão simples: Não se exclui quem já está fora. A educação pública no Brasil mantém a exclusão. Para isso ela foi criada e consegue ser muito eficiente no seu propósito. É uma visão muito pessimista, eu sei, mas concordo com ela. Embora a maioria dos professores que conheço trabalhe com o objetivo de formar cidadãos ativos, o que nem sempre conseguimos. E por uma limitação do sistema.

    Concordo que não somos um povo complacente, mas vejo o brasileiro como um povo difícil de se mobilizar. As Diretas foi uma exceção, mas tivemos poucas exceções ao longo da nossa história. Tivemos muitos movimentos importantes, mas muito pouco no que se refere a movimentos de massa.

    A última greve de professores do estado de S. Paulo marcou uma das minhas grandes decepções quanto a isto. Menos da metade dos professores aderiram a greve, e a adesão foi diminuindo a cada dia, mesmo as reivindicações sendo unanimidade entre os professores. Mas o pior para mim foi a atuação do sindicato. Ouvi alguns discursos durante as manifestações que, confesso, me fizeram sentir vergonha de estar ali.

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  10. Eduardo,

    Acho que a grande diretiva de nossa época é que os instrumentos de controle do sistema se tornaram sofisticados e eficientes demais. Basta ver o que significou a eleição de Lula e como o sistema conseguiu absorver essa conjuntura nova. Antes se matava um intelectual em algum porão sujo, hoje se mata um intelectual impossibilitando um educação pública decente. Hoje, mais do que nunca, é complicado analisar o Brasil. No caso maranhense, o povo em si não chega a ficar parado, se elegeu Lago em 2008 e votou massivamente em Lula é porque estava desejoso de mudanças e agiu como poderia. No que toca a cassação do governador eleito, ocorre um cálculo de poder bem elementar por parte do povão, se até Lula nada fez por Lago - muito pelo contrário - e a oligarquia está de volta, ocorre um recuo. Tudo bem, se o povo tivesse uma noção maior do que ocorreu, talvez fizesse algo diferente, mas até que ponto é possível o povo do segundo estado mais pobre do país reagir contra a poderosa oligarquia local sem o apoio de ninguém mais? Creio que os maranhenses já ousaram demais para as circunstâncias.

    Sobre a situação dos professores em São Paulo, a única coisa que eu posso dizer como filho de ex-professores, é que isso nada mais é que a prova de que não é a educação pública que muda a política, mas sim a política que muda a educação pública. Isto é, a ideia de que é possível comer o sistema pelas beiradas educando as crianças é balela, antes de mais nada é preciso conseguir a hegemonia política para conseguir estabelecer um sistema educacional que permita a execução desse projeto. O PSDB provocou um retrocesso de décadas na educação pública paulista, mas o PT não consegue usar isso para emplacar um governador e enquanto os tucanos permanecerem no poder, é disso a pior.

    abraços

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  11. Carlos Alberto Bárbaro16 de maio de 2010 às 19:05

    Legal, Hugo,

    Nem sei se você vem mais aqui, mas como linkou lá no enepeteó, acho que vem, então é só pra saber que vim, li e gostei (descobrindo tardiamente que preguei para convertidos ao responder para você lá).

    Abraço,

    Bárbaro

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  12. Carlos Alberto Bárbaro16 de maio de 2010 às 19:07

    P.S.: Achei particularmente primorosa esta sua síntese: "Apoiar esses oligarcas significa sacrificar esse estado como um peão num jogo de xadrez."

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  13. Bárbaro,

    De fato, vim sim. O ponto é que o Maranhão foi o peão sacrificado no jogo lulista de reformar o Nordeste. Teria sido necessário? Eu acho que não. Minha tese tem bastante a ver com aquilo que eu coloquei no meu primeiro comentário lá no post do NPTO que deu origem a essa conversa: O PT falhou nesse sentido porque revelou o velho problema da esquerda com as instituições; ou é a negação da existência e da necessidade delas ou o institucionalismo total, muitas vezes marcado por uma (sur)real politik ratasqueira ou uma como a de Lula, mais ou menos sofisticada. Mas a sombra da deposição de Lago permanece, ponhamos nossas barbas de molho.

    um abraço e valeu pela visita!

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