sábado, 18 de julho de 2009

Ciro e Aécio

Como não canso de falar, 2010 insiste em começar mais cedo. A mais recente agitação em relação à sucessão presidencial é o jogo dissuasório de Ciro e Aécio contra Serra. Ele revela tanto a instabilidade da base aliada do Governo quanto a verdadeira guerra que corrói as entranhas do PSDB. Basicamente, Ciro fez os seus habituais ataques contra Serra, só que ao lado do governador mineiro que nem se moveu para repreendê-lo, o que despertou a ira de Serra.

Tudo isso não passa de um joguinho entre esses três políticos que sonham, desde pequeninhos, em serem presidentes. Isso revela tanto o tipo de cultura política fragmentária e pessoalista que o presidencialismo legado por 88 criou no Brasil ao mesmo tempo em que revela o esgotamento político brasileiro. Não vá pensando aqui que Ciro é melhor do que Serra, no máximo, podemos dizer que a estratégia que Ciro escolheu em 2002, depois de sua segunda derrota consecutiva para a presidência, foi menos danosa para o país. Enquanto Serra se prestou além da representação da ala da burguegia favorecida com as privatizações e o financismo nos anos 90 - o que é comum no PSDB - também representar um grupelho ainda mais à direita do espectro, Ciro aderiu de última hora ao lulismo seja por via ministerial ou depois na base de apoio parlamentar do Governo.

Ciro, aliás, merece um parágrafo especial. É uma figura rara. Começou a política na ARENA, migrou depois para o PMDB, participou da dissidência pmedebista que deu no PSDB - que no nordeste foi puxada por Tasso Jeiressati - e foi por causa disso que integrava o Governo nos primórdios do período FHC. Aí é que começa sua rusga com Serra, porque foi o atual governador paulista que o bloqueou - de maneira irreversível e decisiva - no interior do partido com seus metódos raramente heterodoxos. Ciro adere ao PPS de Roberto Freire, perde duas eleições para a presidência na legenda, adere ao Governo Lula no começo e com o racha de Freire com o Governo, vai parar no PSB de Arraes (!). Convenhamos ter surgido na ARENA e ido parar no PSB é uma bela e considerável viagem. O que Ciro tem nas mãos depois de oito anos de fidelidade canina a Lula é, no máximo, um histriônico plano para ser tática dois do Governo nas eleições paulistas do ano que vem.

Do outro lado, temos Aécio Neves, neto de Tancredo, deputado, presidente da câmara nos idos tempos de FHC e governador mineiro já no seu segundo mandato. É a encarnação do centrismo, se Serra escolheu fazer o seu caminho político pela direita - o que foi possível com a morte de Covas - e Ciro se tornou um centro-esquerdista novo, ele fez o seu caminho ali, pelo meio. Agora trava um briga de foice com Serra no interior do partido, o que expõe tanto a fragilidade quanto a artificialidade do PSDB enquanto agremiação, despertando a ira de uma burguesia paulista já fechada com Serra. Aécio faz um jogo dúbio, será que romperia com o partido e provocaria uma hecatombe eleitoral em Minas? E agora, essa aliança com Ciro? Sobre a segunda pergunta, há que se ponderar que é uma bela cutucada de Ciro, ameaçar sair como candidato só se Serra for o candidato - o que favoreceria o PT -, jogando uma pressão em cima de seu desafeto ao mesmo tempo em que provoca Lula por mais espaço.

É uma luta pelo poder que revela o quanto a velha política ainda resiste. Depois de dois governos com pretensões modernizadoras, seja a tentativa elitista e mal-sucedida de um FHC em modernizar o país quanto os avanços moderados de um Lula, o que temos hoje é um Serra que rompeu com essa tradição e faz uma política de direita bem obstinada e provinciana, um Aécio com seu emcimadumurismo exala um bocado desse politiqueirismo da velha Minas Gerais e um Ciro fazendo às vezes do oligarca nordestino. Frente a isso, restam um PT com suas eternas lutas internas - e pendulares crises de consciência - e um nascente PSOL, ainda pequeno e muitas vezes vítima dos mesmos problemas petistas.

Atualização de 19/07 à 00:38 O Nassif escreveu um post interessante sobre os desdobramentos da candidatura Serra.

9 comentários:

  1. Hugo: como sempre, concordo e discordo. Que o Ciro tem agenda própria, concordo. Mas eu não o veria de forma tão negativa assim. Como v. disse, a fidelidade dele ao governo Lula foi canina. Desde a primeira candidatura dele a presidente, o discurso "ideológico" dele é o mesmo. Não é como o Serra que tem passado esquerdista, a mídia diz que é um tucano de esquerda, mas qualquer pessoa que tem um olho percebe que ele é destro. Também conta a seu favor o episódio das empresas aéreas, a espinafrada que ele deu na mídia - e ele estava correto, mas obviamente, o espaço em que a mídia se desmentiu foi menor do que quando o acusou.

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  2. Alexandre,

    Como eu frisei no post, obviamente, a estratégia que ele seguiu nos últimos oito anos foi menos danosa para o país: Ele se fixou na centro-esquerda pára-petista e tocou o barco adiante. Serra, por sua vez, se apegou ao direitismo provinciano de certos setores da burguesia paulista e tem ido num caminho onde se tudo que ele pretende der certo, significa que tudo vai dar errado. Ainda assim, eu não deixaria de ter sérias ressalvas em relação a Ciro: Não lhe falta um passado esquerdista, lhe sobra um passado arenista.

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  3. Primeiro, uma boutade: a grande jogada de mestre do Aécio até agora foi levar o Serra pra assistir à final da Libertadores. Pespegou muito mais nele - do que em si próprio - a pecha de pé-frio, como se constata agora por toda a parte...

    Agora falando sério. Eu tenho sérias dúvidas se Ciro Gomes tem chances eleitorais em São Paulo:

    Primeiro, pelo preconceito arraigado contra políticos de outros estados, ainda mais do Nordeste (Erundina não serve de contraexemplo, pois foi eleita para a prefeitura - e não para o governo do estado -e em 1989 não havia a disseminação do ideário neocon como ora se observa nem a maledetta tradição de peessedebistas no Palácio dos Bandeirantes).

    Segundo, porque a trajetória rocambolesca à inverossimilhança de Ciro que você descreve, somada às suas origens neocoronelistas (como afilhado político de Tasso), dificilmente o tornarão confiável aos setores de centroesquerda essenciais para uma sua vitória no estado.

    Terceiro, porque, embora reconheça que possa me enganar redondamente, não creio que Ciro venha a vencer, no curto prazo, nenhuma eleição majoritária - a não ser no Ceará natal - devido ao seu destempero verbal, no qual tem acabado sempre por reincidir. Trata-se de defeito imperdoável em políticos que almejam altas posições no Executivo. O contraexemplo irretocável é "Lulinha Paz e Amor".


    Enquanto isso, o mineirinho calado e centrista vai agido em silêncio. Como comentei no blog do Nassif tempos atrás, a presunção de que a história não se repete se não como farsa reforça, ao invés de enfraquecer, o augúrio de que já vimos esse filme antes...

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  4. Hugo, há vários meses venho dizendo a mesma coisa: Serra não será candidato à Presidente, pois sabe que perderá de Dilma, que terá um decisivo apoio de Lula.

    Serra será candidato à reeleição ao governo do estado, pois se não o fizer, o PSDB correrá o risco de ficar fora do governo dos 3 maiores orçamentos públicos nacionais, que são os do Governo Federal, Governo do Estado de SP e o da Prefeitura de SP.

    Explicando melhor: Serra perde para Dilma e o PSDB continua fora do Governo Federal.

    Daí, Kassab, do DEM, sai candidato ao governo de SP (ele está doido para sair candidato) e se elege, desbancando o PSDB.

    E quem é a vice de Kassab? Alda, do PMDB, que é cupincha de Quércia. Daí, Quércia comandará a prefeitura da capital paulista.

    E o PSDB ficará com o que? com nada... Yeda é um desastre no RS e Hélio Costa, do PMDB, é o favorito para o governo do estado de MG, que ainda poderá ter um forte candidato petista.

    No RJ, aposto na reeleição de Sérgio Cabral, do PMDB 'lulista' e que terá o apoio de Lula.

    Assim, até para garantir que o PSDB não se enfraqueça demais, Serra não terá outra opção a não ser garantir o controle do governo do estado de SP para os tucanos.

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  5. Maurício,

    É por isso que eu me referi ao plano de lançar Ciro aqui em São Paulo como histriônico. Alguns setores do PT, numa leitura bem míope, defendem a candidatura de Ciro como forma de dividir os votos do futuro candidato tucano e assim poder garantir a viabilidade da candidatura petista. Besteira. O PT pode vencer sem isso, vir com essa desculpa de que São Paulo é irremediavelmente conservador e você precisa de um plano B é simplesmente querer tirar das próprias costas os erros nas últimas campanhas majoritárias que aconteceram no estado - e nem se comprova historicamente se formos ver a vitória de Suplicy para o Senado em 2006, por exemplo.

    Esse esquema se assentaria na ideia de que Ciro teria a chance dele e isso poderia resultar nas seguintes hipóteses: a) Isso poderia dar muito certo para o PT, tirando votos do PSDB e viabilizando a candidatura do partido b) Se a candidatura do PT não emplacasse, você teria a possibilidade de ter alguém confiável disputando contra o PSDB.

    É tanta miopia que percebe-se que há mais em jogo; é fato que hoje o melhor nome petista para disputar o Governo do estado é o deputado federal José Eduardo Cardoso, membro de uma corrente chamada Mensagem ao Partido e, por incrível que pareça, tem gente na Articulação - a corrente hegemônica do PT - que confiaria mais em Ciro do que nele. Por outro lado, alguns nomes no PT entendem que apoiar Ciro em São Paulo seria uma forma de impedir uma candidatura dele para a presidência. Outros realmente acreditam na tese do conservadorismo crônico do São Paulo.

    O problema é que para Ciro, paulista de Pindamonhangaba criado no Ceará, isso é um risco enorme. Ciro foi fiel ao Governo para participar das conquistas do período lulista ou quem sabe angariar algum apoio maior justamente em 2010. Se não tiver o seu quinhão, ele pula do barco e eu duvido muito que ele vá se arriscar em São Paulo. Enfim, ele se tornou um espécie de pêndulo que está se usando do seu capital político para se firmar no pós-Lula e está apostando alto.

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  6. Marcos,

    Pode ser, mas talvez isso nem ocorra para Serra pelo fato dele estar deslumbrado com o apoio dos oligopólios da vida ou simplesmente porque para ele a Presidência da República é uma obsessão tão grande que valha a pena correr todos os riscos possíveis.

    Por outro lado, existe a pressão interna do próprio PSDB. Estamos falando de um partido que pelo que prega e como age não tem nem poderia ter penetração nos movimentos sociais. Portanto, ele precisa estar ocupando o poder nas instituições para continuar existindo.

    Acho que 2010 começou tão cedo justamente por isso: Há um misto de ambição desenfreada dos tucanos conjugada com a intuição de que o esquema que mantém o partido vivo depende do que vier a ocorrer nas próximas eleições gerais, em especial, para a Presidência - somado, claro, ao desespero de alguns setores econômicos parasitários que querem e precisam do tucanismo de volta para sobreviverem. Eles vão correr os riscos necessários e desnecessários porque o que está em jogo é a sua sobrevivência.

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  7. Hugo,

    Passei apenas para informá-lo que, instado a escolher 4 blogs, concedi ao O Descurvo o prêmio Blog de Ouro.

    Quando tiver um tempo, siga o link http://cinemaeoutrasartes.blogspot.com/2009/07/premio-blog-de-ouro.html para conhecer as regras e os procedimentos e decidir se aceita ou não a premiação.

    Um abraço,
    Maurício.

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  8. O PT precisa definir se quer manter as alianças históricas ou, em nome da governabilidade e de olho no tempo de TV, vai priorizar a aliança com o PMBD de Sarney e o PTB de Collor. Neste caso, não resta outro caminho para os antigos aliados seguirem em frente com Aécio e Ciro.Com dois candidatos bons de palanque, contrapondo com a ministra Dilma, o sonho petista de perpetuar-se no poder dificilmente se tornará realidade.
    Sou do Espírito Santo onde o candidato a governador, com maiores chances de vitória, é o Senador Casagrande do PSB, aliado histórico do PT. No entanto, o PT de olho na eleição de 2014, já declarou apoio a candidatura do atual vice governador, do PMDB, e pertencente a uma oligarquia local.Por isso, defendo, se nos querem apenas como coadjuvantes, vamos buscar outras parcerias onde também poderemos ser protagonistas.

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  9. Albino,

    Interessante essa sua colocação. O PT praticamente acabou no Rio de Janeiro por conta de uma dessas. Creio que uma questão que deve ser debatida com afinco na esquerda é a sua relação com as instituições - a esquerda sempre conviveu mal com elas; no caso em tela, isso se materializa no fato de que governo petista, desnecessariamente, virou refém político de alguns chefetes dessa verdadeira confederação de caciques que é o PMDB.

    Muitas vezes, a questão da institucionalidade na esquerda se apresenta por meio de uma falsa dicotomia entre ruptura violenta ou institucionalismo total e cego - também presente na questão soviética. Creio que a questão, levando em consideração a supremacia do ideal democrático, passa pelo meio disso, por uma saída que privilegie a democracia material, via maior interligação orgânica com os movimentos sociais pela via do diálogo - e não da cooptação - sem perder de vista a política institucional e, inclusive, usando o desenvolvimento da democracia em sentido material como forma de se contrapor aos defeitos formais do nosso sistema.

    Ao estar junto do povo, interligado de fato via conselhos populares, você esvazia o ilusório poder que emana das salas fechadas. O velho e conservador Tancredo venceu no colégio eleitoral porque disputou a eleição indireta como se direta fosse, lembrando aos nossos egrégios parlamentares que pesa sobre as suas nobres cabeças a espada de Dâmocles. Acho que em pouco momentos, o PT lembrou isso para Sarney, por exemplo.

    abraços

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