domingo, 12 de julho de 2009

A Crise Habitacional Paulistana

Ontem, eu fui a um debate no Fórum Centro Vivo cujo tema era a luta jurídica e os movimentos sociais, possibilidades e limitações. Estavam presentes um representante da Defensoria Pública, uma advogada que atua com movimentos sociais, representantes de movimentos sociais, estudantes e representantes da sociedade civil, enfim, um pessoal bacana ebem antenado no assunto. Apesar da questão espinhosa, tivemos um boa discussão na chuvosa tarde de sábado paulistana. A situação, claro, é dramática.

O centro de São Paulo é um região cuja problemática social é aguda e cortante; o número de moradores de rua é enorme, enquanto o tráfico, a violência e a favelização convivem juntas num cenário agravado por políticas públicas desastrosas da administração Kassab, seja pela chamada gentrificação ou pela repressão do Estado policialesco - o verdadeiro, aquele que faz o chicote estralar nas costas dos pobres e não tem nenhum ministro do Supremo para denunciar.

No debate sobre as diferenças entre o Stalinismo e o nazismo, alertei para um ponto: O Nazismo rompe com os parâmetros mínimos do Iluminismo porque, entre outras coisas, carece daquele pigmalionismo político, aquele ímpeto transformador presente mesmo nos movimentos mais extremistas do pós-aufklarüng. Se você não entre aqueles grupos pré-selecionados para entrar na Utopia, meus parabéns, você será varrido, não importa o que você faça ou deixe de fazer.

Longe de mim insinuar que o nobilíssimo prefeito de São Paulo é um nazista, mas a maneira assepticamente desumana com quem ele tem lidado com a questão do colapso habitacional no Centro e na cidade inteira - o "problema dos mendigos" no dialeto de alguns doutos paulistanos - me assusta particularmente - afinal, uma das características do Nazismo é, justamente, matar o faminto e não a fome dele.

A violência contra os pobres se confunde com a própria história do Brasil, mas na questão paulistana em específico veio a se intensificar na Ditadura. Aliás, foi Maluf nos seus tempos de Prefeito (1969-71) que começou a política de reformas habitacionais que apertavam o cerco contra a população pobre de várias áreas do município, empurrando-as - nem sempre de maneira amigável - para a periferia da cidade - verdade seja dita, mesmo as administrações de esquerda que passaram pela prefeitura da capital não foram competentes em abortar tal processo.

A periferia do município chegou ao seu limite e no começo dos anos 80 passou a crescer aquilo que se denomina por hiperperiferia, ou seja, as cidades-dormitório da Região Metropolitana, situadas a um raio de 35-50 Km do centro e onde a situação chega a ser pior, bem pior. Hoje, a possibilidade para continuar essa política se esgotou de vez; há uma tragédia econômica, social e ambiental na periferia/hiperperiferia ditada pelo trinômio pouca grana/pouco espaço/muita gente. Praticamente não há mais onde eles entulharem gente que é expulsa do centro.

Claro, isso não os tem impedido de continuar tal processo, principalmente porque 2014 é ano de Copa e como São Paulo é sede, o processo de gentrificação tende a ser radicalizado. Esse é só um ds efeitos do capitalismo kassabista - um monstrinho que junta um pouco do tecnicismo oco dos tucanos com um quê do autoritarismo malufista turbinados pela especulação imobiliária. A que ponto chegaremos?

Atualização de 13/07/09 às 00:07 ->: Deem uma olhada
no comentário do Aldo e também no post que o Professor José Carlos Vaz fez em seu blog, um belo complemento em relação a este humilde post, feito por quem entende do assunto.

15 comentários:

  1. Hugo,

    Muito bem dito e relatado.
    E a questão vai além da "gestão" A, B ou C. A "mentalidade" das pessoas, que tem contato com tal realidade, ainda mais a pequena-burguesia proprietária de comércios, lojas, ou condomínios, prédios, etc.

    De nossa parte, combater onde quer que estejamos (trabalho, escola, casa, etc) duramente qualquer possibilidade de aumento ou influência das idéias e propostas fascistas, ainda mais sobre uma população já mais que humilhada e desrespeitada como os moradores de rua.

    Até.

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  2. Cícero,

    Pois é, meu caro, a situação exige uma mobilização enorme e é extremamente complexa. Claro, algumas administrações municipais tornam as coisas piores - principalmente numa cidade como São Paulo, enorme e ao mesmo tempo pequeniníssima na medida em que as pessoas não ocupam os espaços público, dando uma margem de manobra enorme para o poder público.

    abração e apareça sempre.

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  3. o triste de tudo isto é que enquanto a populacao de baixa renda é forcada a morar na periferia, o centro de SP - area de maior infra-estrutura urbana - possui miliares de predios vazios. A questao da reforma urbana passa bem por ai... inclusive, ocorre uma grave violacao da constituicao federal na regiao do centro, pois se ignora a funcao social da propriedade em prol da especulacao imobiliaria.

    pros interessados em participar das discussoes e atuacoes do Forum Centro Vivo, o forum se reune todas as quintas-feiras, as 19h, no espaco Ay Carmela - Rua das Carmelitas, Numero 140.

    o forum centro vivo e um espaco que visa articular movimentos sociais, universidade e sociedade civil nas lutas contra a gentrificacao. o epaco é guiado pelo principio da horizontalidade, da decentralizacao e da democracia direta - estando sempre abertos para todos e todas!


    abracos
    aldo

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  4. Valeu pelos adendos, Aldo. Basicamente é essa a luta.

    abração e apareça sempre ;-)

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  5. Hugo,

    Além de todo esse problema estrutural que voc~e aponta com tanta propriedade, há ainda, no centro, o problema específico da "crackolândia", que vem sendo "administrado" de forma temerária pelos poderes públicos.

    A "estratégia", basicamente, é mudar os "noiados" de lugar. O resultado é que a "cracolândia" simplesmente se mudou da região da Estação da Luz (que está em reformas) para as imediações do cruzamento da Rio Branco com a Ipiranga.

    A respeito disso, um dia desses vi uma reportagem na TV que me deixou estarrecido: os administradores de prédios na região estão criando sistemas de "goteiras" artificiais para que as calçadas permaneçam sempre molhadas, de forma a impedir os viciados de as utilizarem.

    É fato que se trata de um problema de difícil solução, pois envolve não apenas uma questão sóciourbanística, mas de saúde pública também. Porém simplesmente mudá-los de uma região para outra de nada adianta...

    Aliás, eu descobri uma dessa administração Kassab que me deixou estarrecido. Ele simplesmente permitiu que não circulem mais as linhas de ônibus que servem meu bairro aos domingos e feriados. Nesses dias, se o cidadão que tem a má sina de cá habitar tiver que sair do bairro ele tem de andar 9 quareteirões de subida. Isso é que é choque de gestão!

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  6. Maurício,

    A situação da chamada Crackolândia, como o próprio nome sugere, é um dos problemas mais graves em São Paulo. O que se esconde por detrás daquilo é um joguinho sujo de enxugamento de gelo que, convenhamos, é um belo álibi para a presença constante do aparato policialesco - com fins que não são exatamente os da segurança pública, como já debatemos no seu blog.

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  7. Aliás, só complementando no que toca o assunto do transporte público, nesses últimos cinco anos, os avanços que a administração Marta conseguiu no transporte público - talvez a área em que ela tenha se saído melhor - regrediram de forma inacreditável.

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  8. Bom relato. Comentei no blog que você citou da importância do tema mais abrangente: O da manutenção da riqueza concentrada no país. É o interesse desta classe conservadora que motiva políticas excludentes para que seus interesses mantenham-se preservados.

    Coincidentemente escrevi sobre o tema ontem: http://laedevolta.com.br/blog/2009/07/12/a-inercia-brasileira-nao-vai-levar-o-pais-a-lugar-nenhum/

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  9. Eu ainda conseguirei participar de uma reunião!!! Ah eu consigo!

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  10. Pode parecer teoria de conspiração, mas o modelo de urbanização adotado em (quase) todas as grandes metrópoles desde os fins do século XIX é resultado de um 'acordo' (tão informal quanto mafioso, se me permitem o juízo de valor) entre o Estado, a indústria automobilística, bancos e imobiliárias.

    Afinal, todos estes atores ganharam (ganham), e muito, com isso.

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  11. Raphael,

    Pô cara, seria bacana que você colasse lá alguma vez.

    Luis Henrique,

    Sim, sim nos tempos do liberalismo clássico, o Estado formal era pequenininho, enquanto o Estado real, estava lá escondido, longe dos refletores tocando as coisas bem desse jeitinho mesmo. Isso arrefece um pouco em um dado momento do século 20º em alguns lugares quando o pessoal põe uma certa ordem na casa nos países centrais, surgem algumas preocupações sociais, mas depois as coisas tornam a piorar refletindo o momento econômico e político em que vivemos atualmente.

    O Brasil, idiossincrásico que só ele, deixa as cidades crescerem desordenadamente no século 20º graças à sua industrialização anômala e depois passa a tentar resolver os problemas, penalizando as vítimas - seja pela política anti-moradores de rua de São Paulo ou os muros cercando favelas no Rio, entre outros casos lastimáveis.

    abraços coletivos.

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  12. Hugo,
    é triste ver que as mesmas práticas se repetem sempre. No Rio os muros das favelas de hoje já existiam na década de 1940 com Parques Proletários, você deve saber. Eles foram construídos no meio da cidade e tinham uma série de imposições de "estado de sítio": toques de recolher,ronda noturna de seguranças, e uma fala diária com lições de moral. Claro que tudo isso tinha a bela "desculpa" da higienização da cidade, que é desmentida em uma rápida olhadinha nas descrições das instalações dos Parques: banheiros coletivos, ausência de rede de esgoto, de instalações sanitárias, etc. Era a mesma tática de matar o faminto. Deprimente.
    Um abraço,

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  13. Hugo,
    Na última reunião Pro-Conferência de Comunicação em Sampa (sentei ao lado do Valério, e me apresentei a ele como blogueira amiga sua) fiquei sabendo que a Confecom não é a única Conferência que esta rolando: há tambem uma sobre habitação e outra sobre educação (esta última com um timing ruim, pra acontecer na etapa final em 2010, ano de eleição, pode ir pro escambau).
    É preciso alertar as pessoas para a existência desta, ou destas conferências também, mas estou super-atrasada, nem consegui botar no ar um relatório no Liberdade sobre a reunião do dia 8. Habitação, assim como educação, são problemas sérios que a nossa cidade tem que enfrentar. Mesmo as politicas públicas de habitação, por anos e anos, só conseguiram atingir a classe média, em especial servidores públicos. Acho o fim da picada que vc tenha que ser servidor público para ser cidadão de 1a categoria, e isto ocorre em varias instâncias.

    Não sei como andam as politicas públicas atuais de habitação, mas o problema acaba explodindo em maiores taxas de violência, tráfico de drogas, marginalidade, além de amplificar a tendência nazi-fascista de classe-média que acha que a solução e botar fogo em morador de rua.
    Quanto á educação, uma amiga contou que - bom, o que eu filtrei e depois de juntar 2+2, e tudo... que o povo ambientalista que perdeu o ministerio do meio ambiente com a saída da Heloísa foi parar no MEC e quer materiais sem conteúdo, onde tem que ser repetido que o ser humano destrói a natureza. Sei sobre isso, pois esta amiga é física pos-doutorada, ela mais uma geóloga e outra pessoa foram chamados a preparar um material para colegial, e foram felizes da vida, fazer pesquisas, levantar dados, escreveram um material, e em reunião com o povo do MEC elas receberam a resposta que não queriam conteudo. Exatamente assim. E esse tipo de política burra vai determinar a falta de formação das gerações vindouras. Discutir o que, se não tem base pra discutir. Falar sobre o pre-sal não podia, tambem. Elas desistiram. Ainda precisarei de procurar ONGs de educação, o que valha, pra fazer, pelo menos, que o material que elas prepararam com tanto cuidado pelo menos esteja disponível pela internet.

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  14. onde escrevi cidade queria ter escrito sociedade

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  15. Flávia Cera,

    De fato, eu fiz referência à atual política carioca de murificação e passei batido a história dos Parques Proletários, invenção dos tempos Getulistas, epocazinha em que não eram poucos os que flertavam com o nazi-fascismo - até abertamente - no Brasil.

    Se pegarmos o Rio num período até um pouco anterior, ali pelo início do século 20º, com a população da cidade já inflada por conta do fim da escravidão, vamos encontrar aquelas políticas higienistas que na verdade tinham por finalidade a expulsão dos pobres do centro do Rio, o que deu nos primórdios da favelização - por exemplo, a famosa Revolta da Vacina, que tinha por detrás esse ímpeto varredor de gente.

    Os Parques Proletários nascem para abarcar uma parte do proletariado já inserido na realidade industrial e destinado a usar os métodos de controle fascistas. As favelas, pelo lado delas, abrigavam já a população mais marginalizada que certamente seria exterminada como germes se continuassem no centro - hoje elas cresceram tanto que surge a questão do cordão sanitário.

    Flávia,

    Realmente são tantas lutas e tantos problemas ao mesmo tempo´, é terrível. Sim, concordo quanto ao servidor público, ter alguns benefícios eu até concordo, mas privilégios como o pessoal da burocracia tem - principalmente aqueles que tem os famosos cargos de confiança - é absurdo e anti-republicano. Você pega, por exemplo, a questão da Educação Pública paulistana e encontra uma burocracia muito bem remunerada enquanto os professores, justo eles, estão nessa situação.

    A questão habitacional em São Paulo é gravíssima, creio que ande pior do que a Saúde e a Educação na medida em que não se cria praticamente nada e estaremos chegando num limite perigoso no médio prazo.

    saudações coletivas ;-)

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