quarta-feira, 1 de julho de 2009

O Ressurgimento das Vivandeiras

Eu, na minha inocência, achava que elas já estavam mais mortas que a minha querida tataravó, mas eis que elas ressurgem nessa semana. Bastou um golpe, um único golpizinho, lá num pequeno e distante país da América Central para elas saírem da toca. São as vivandeiras, a classe mais repugnante da política nacional.

É muito fácil reconhecer uma delas; todas vibram quando acontece um golpe, todas buscam explicações lógicas para legitimar o golpe, ao serem questionadas, acusam o crítico de ser golpista e dizem que o golpe foi para proteger a Democracia (?!).

Elas enxergam o Brasil através da distante janela de seus belos apartamentinhos em Higienopólis ou na Barra, sempre movidas pelos nobres impulsos do seu baixo ventre; a política não deveria existir, bons eram os tempos em que todos estavam no seu devido lugar e ninguém reclamava - e se neguinho ousasse, ia pro tronco ver o que era bom.

Para elas, maravilhosos eram os anos 20 dos coronéis ou os anos 60 quando os militares botaram ordem na anarquia das duas décadas anteriores. O tempo em que vivemos não; é uma desgraça. Uma parte considerável de tudo que acontece - como pobres xexelentos com acesso à Internet, com bolsas em universidades de elite etc - é culpa do Lula, aquele presidente analfabeto. Bons tempos eram aqueles em que se podia chutar a porta e dizer em alto e bom som -protegidas por aqueles soldados altos, fortes e simpáticos - que a terra era quadrada.

Enquanto os segmentos progressistas da sociedade se veem às voltas com o desafio - e a necessidade - de efetivar e avançar a Democracia, lá estão elas, frustradas com o pouco que há e que lhes parece tanto.

Honduras acaba se tornando uma esperança. Uma Primavera de Praga ao avesso para pessoas avessas. Como seria bom fazer o mesmo aqui e ter Diogo Mainardi como Presidente, Reinaldo Azevedo como vice, Olavo de Carvalho como chefe de gabinete, Demétrio Magnoli na Integração Nacional, Marco Antônio Villa na Educação e, com uma forçadinha de barra, Bento XVI na Saúde.

Tristes trópicos, tão distópicos.

11 comentários:

  1. Falou e disse, Hugo, a cara-de-pau desse povo - e de grande parte da mídia, diga-se -em tentar justificar o golpe com o curiosissímo argumento de que convocar um plebiscito para alterar a constituição é golpe não é fácil. Gozado que ninguém pensava isso quando FHC prorrogou o mandato dele graças a métodos que são de conhecimento geral.

    Permita-me discordar só de um detalhe: nada de presidente. Teríamos que decretar a monarquia e empossar Reinaldo Azevedo como imperador - afinal, ele é alegremente saudado como "Tio Rei" pelo bando de debilóides que o seguem e, na falta de idéias próprias em seus cérebros de 2 neurônios, repetem suas idéias pela blogosfera como papagaios cibernéticos.

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  2. É verdade, Maurício...eu e essa minha mania comunista de ficar defendendo a República ;-)

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  3. Hugo,

    Essas pessoas "avessas" _ avessas a Democracia, a igualdade de oportunidades, ao fim dos privilégios _ têm motivos para comemorar, afinal, depois de verem frustradas algumas tentativas de golpe na Venezuela e na Bolívia, Honduras aparece como uma luz no fim do túnel.

    Não vai muito longe, há alguns anos, acho que em 2006,numa passeata do "Cansei" _ aquele movimento (im)popular repleto de celebridades e pessoas chics e influentes _ "manifestantes" pararam por alguns instantes em frente de um edifício das Forças Armadas (não tenho certeza, mas acho que foi no Ibirapuera)aos brados de "acorda milico".

    Nossa democracia parece sólida, mas eu não diria que já esteja consolidada, vai muito tempo para isso ainda. Não acredito que nada parecido com Honduras aconteça por aqui, mas me parece bastante possível em outras jovens democracias do continente o a se manterem a atual conjuntura mundial. Mas isso muda.

    No início dos anos 20 o avanço das democracias liberais, um modelo que parecia estar consolidado, era tido como irrefreável até que a Crise de 1929 derrubou, não apenas os índices econômicos, mas praticamente todas as democracias liberais do globo, a exceção dos EUA, Reino Unido e França. Alguns anos antes, quem previsse tal revés seria tachado de maluco.

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  4. Eduardo,

    Do ponto de vista da organização econômica não há mais um único Estado Liberal do mundo. Todos eles incorporaram uma série de mecanismos completamente estranhos ao Liberalismo como, por exemplo, os bancos centrais - como estávamos debatendo no seu Conversa de Bar dia desses.

    Ainda há, no que toca ao Direito, a predominância de uma concepção fundada no paradigma liberal - só que mais ao estilo da Europa continental. Ainda assim, constata-se uma tremenda influência do publicismo alemão e com seus enxertos social-democratas e até marxistas.

    Essa paradigma liberal se manifesta, por exemplo, na alegoria do constitucionalismo e na compreensão da norma jurídica como fenômeno alheio às relações coletivas, quase abstrato.

    Não raro analisamos a situação jurídica de um país baseados no que está escritos em papéis e não no que acontece na prática, dentro do grupo e nos órgãos políticos - que são quem realmente produzem e aplicam as normas. Isso é um reflexo da ideia de sacralidade laica decorrente do legalismo napoleônico e que se reflete mesmo nos dias atuais.

    Na nossa América Latina, há uma tensão permanente que envolve a não realização sequer desse constitucionalismo Liberal pelas elites e as pesadas - e perenes - demandas sociais; na realidade, o que vemos são algumas instituições historicamente atrofiadas, alguma evolução lenta e uma profunda tensão dialética entre isso e as enormíssimas demandas populares, o que, como sabemos, é uma boa fábrica de se produzir rupturas.

    Em geral, esse padrão se repete pelo continente, mas com uma intensidade variável, ainda que já tenha sido pior. Em Honduras, o caso é mais grave que a média e o resultado é esse legítimo anacronismo que estamos vendo.

    Claro, como você bem colocou, trata-se mesmo de uma luz no fim do túnel para certos segmentos que se veem ameaçados com o tardio avanço da Democracia em boa parte do continente. Eis aí o risco. É o que estamos vendo no Brasil agora.

    abraços

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  5. Excelente Hugo.

    A referÊncia à Barra foi proposital ou sem intenções? NA Barra residem os novos ricos, Àqueles que saíram da Lama e que torcem o nariz se mais alguém consegue... São os pobres de espírito que enriqueceram só na matéria, a corja da corja.

    DE qualquer forma, engraçado falar no Cansei, movimento apoiado por "celebridades" e fazer um paralelo com o atual #forasarney, que acabou enganando muita gente (inclusive o pessoal do Movimento Saia às Ruas) e que era apoiado por sub-celebridades como Tico Santa Cruz (Quem?), Marcelo Tas (Telefônica e Viva PM na USP) e etc...

    Sucesso no Twitter, fracasso na "realidade".

    É bom notar que a Direita, as "celebridades" andam adotando um modus operandi curioso para manter seus privilégio e protestar contra desafetos...

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  6. Raphael,

    As referências tanto em relação à Higienopólis quanto à Barra foram, digamos, sutilmente intencionais ;-)

    Movimentos como o Cansei e o #forasarney tem suas raízes lá atrás na reação aos avanços do getulismo e se parecem em muitos aspectos: Tratam-se de tentativas das classes que perderam privilégios por conta do reformismo burguês reverterem o quadro, mas para tanto, precisam se desvencilhar do debate político e social frontal por meio da transferência de foco para um moralismo vazio.

    Obviamente, tais movimentos nada tem a ver com ética, mas com a boa e velha luta pela hegemonia. Eles ficam lá à cata de algum desvio - e na falta de um, criam um factóide mesmo - para justificar o seu posicionamento político e sua cruzada oposicionista.

    Eles se diferenciam na medida em que o #forasarney é apenas um meio para um desejoso, mas por ora difícil, #foralula - e, note, um #foralula, não pelos defeitos do atual mandatário, mas por suas virtudes. Enquanto isso, o Cansei já era algo mais amplo e finalístico; um movimento contra a política e um elogio a uma ideologia terrível que se esconde por detrás de uma certa neutralidade e despolitização - no fim das contas, a crítica à Política se confunde com a própria crítica à Democracia, haja vista que as duas surgem em paralelo e é a segunda o único elemento capaz de validar a primeira.

    O Golpe em Honduras é um raiozinho de trevas que anima os desejos mais macabros dessa direita anti-iluminista que ainda existe na América Latina e no nosso Brasil varonil.

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  7. Já dizia o Agildo Ribeiro: Viva o nosso Brasil Varonil... Puta que o pariu!

    Resume muita coisa!=)

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  8. Vivandeiras é um bom nome pra definir esse grupo...

    Mas não é só no Brasil não, vamos ser justos: isso tem no mundo todo!

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  9. Hugo,

    Precisei ficar "desligado" da internet nas últimas semanas _ culpa do trabalho, sempre ele!_ por isso volto a comentar, embora com bastante atraso.

    Em meu comentário anterior, quando falei em Democracia Liberal, não me referia ao liberalismo econômico, mas ao liberalismo político, multipartidário, onde os indivíduos teriam garantidas as liberdades de expressão e divulgação idéias, de associação a partidos ou grupos políticos de sua escolha e a votar de acordo com a sua consciência. Liberalismo político e liberalismo econômico andam juntos e se confundem, a crise de 29 pôs fim aos dois (com exceção dos EUA, Reino Unido e França, e talvez alguns outros poucos países) o que seria impensável apenas alguns anos antes.

    O liberalismo econômico precisa mais do liberalismo político que este dele _ embora a economia chinesa esteja demonstrando que essa dependência pode ser muito relativa _ , por isso os grandes grupos econômicos investem tanto na (liberdade de) formação da opinião pública, pois assim garantem resultados políticos que, mesmo quando não são os desejáveis, pelo menos são previsíveis e podem ser administrados. O problema é quando o imprevisível acontece e a elite econômica se vê impotente e temerosa de perder a capacidade de controlar o processo político. É aí que acontecem os golpes de Estado, como o de Honduras.

    Numa democracia verdadeira, que tenha consolidada entre seus cidadãos a igualdade de condições para uma ampla participação política, os conflitos de interesses entre as classes dominantes e as subalternas podem ser equilibrados por instituições sólidas. Acho _ e apenas acho _ que este ainda não é o caso de nenhum país da América Latina, nem do Brasil.

    Antes de terminar _ e aproveitando um pouco dos seus conhecimentos jurídicos para fechar com uma pergunta _ quero comentar um artigo do sociólogo Jorge Zaverucha que acabo de ler e que me deixou curioso. Segundo ele, o artigo 142 da Constituição Federal de 1988 abre uma brecha para a tomada de poder pelos militares de forma constitucional. São os militares, segundo Zaverucha, "quem têm o poder constitucional de garantir a lei e a ordem e o funcionamento do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Ou seja, as Forças Armadas são baluartes da lei e da ordem definidas por elas mesmas, não importando a opinião do Presidente da República, do Parlamento ou do Judiciário. Portanto, cabe às Forças Armadas o poder soberano e constitucional de suspender a validade do ordenamento jurídico, colocando-se legalmente, fora da lei".

    É isso mesmo? Se for, que Democracia é essa?

    Abraço!

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  10. Edu,

    É uma pena, seus comentários realmente fazem falta por aqui. Vamos por partes:

    1. Eu tinha entendido a ideia, mas relendo o comentário, eu fiz um raciocínio um pouco tortuso em seguida, desculpe.

    Eu vejo o liberalismo político clássico como a superestrutura necessária para o liberalismo econômico clássico - andam juntos e o primeiro depende do segundo numa relação ciclíca onde o segundo dá início ao movimento, no entanto.

    Posto isso, por todas as atribulações ocorridas no século 19º, esse liberalismo clássico sofreu enxertos mil, fagocitando ideias socialistas, e se tornou outra coisa - e se não se tornasse, aconteceria o que Marx anteviu n'O Capital. Creio que os próprios elementos burgueses já antevissem os defeitos desse sistema, mas que vieram à tona de modo cabal e científico com Marx.

    De tal forma, o que surgiu dali em diante é o que eu definiria como Social-liberalismo. Mesmo aquela coisa idealística do parlamentarismo burguês e da democracia burguesa aos quais você se refere, foram desenvolvidas, mas já corriam seus riscos.

    Diante da Revolução Bolchevique e da Crise de 29, parte da classe burguesa se desesperou e caiu no última hora no histrionismo anti-iluminista do Fascismo - ou mesmo do Nazismo -, mas como uma forma maluca de salvar o presente atemporal do acumulação de capital. É a possibilidade da exceção à regra só que de maneira permanente tomada de maneira desesperada.

    Isso difere da exceção latino-americana porque aqui a elite luta para manter os privilégios que tem dentro do contexto de um capitalismo periférico, sendo que para esse capitalismo periférico há uma superestrutura periférica correspondente, amaparada por um oligarquismo que faz um uso de elementos liberais (uma democracia liberal estagnada) e fascistas (os contínuos golpes e o autoritarismo possível) de acordo com o momento sem ser nem fascista ou liberal na sua totalidade. É o passado eterno baseado na exceção perene que pode sofrer uma sobre-exceção.

    A China, por sua vez, dá pano pra manga. É um regime burocrático - na acepção da palavra - e que traz consigo uma mistura de elementos de organização e administração econômica ainda soviéticos, mas também algo de fascista. Um ornitorrinco alado, sem dúvida, mas com pouquíssima influência liberal.

    2. Bem, eu não faço essa leitura daquele artigo, pra falar a verdade, a leitura do Zaverucha é meio maluca. Veja bem:

    Art. 142. As Forças Armadas, constituídas pela Marinha, pelo Exército e pela Aeronáutica, são instituições nacionais permanentes e regulares, organizadas com base na hierarquia e na disciplina, sob a autoridade suprema do Presidente da República, e destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem.

    Se as Forças Armadas estão sob a chefia do Presidente da República e podem agir apenas dentro da Lei, então, não há brecha legal para tanto, elas não podem ser "baluartes da lei e da ordem definidas por elas mesmas", são baluartes da lei e da ordem definidas pela Constituição e limitadas por Ela.

    Claro, em Honduras a Constituição local em hipótese alguma autorizava o que foi feito com o Presidente Zelaya e o que aconteceu foi uma quebra da ordem instituída e definida na Constituição - diferentemente da Constituição do Weimar que previa a exceção em seu art. 48.

    O que eu advogo é que para além de uma ordenamento normativo formal, há uma ordenamento paralelo, uma espécie da Plano B que é funcional por conta da desigualdade entre os agentes políticos causada pelo funcionamento do Capitalismo. Esse é o x da questão.

    abraços

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