Haitiano a espera de doação de alimentos em Porto Príncipe -- Carlos Barria/ reuters |
Uma das principais notícias deste início de 2012 é a entrada massificada de imigrantes haitianos pelo extremo norte do Brasil. Frise-se que não bastassem todas as desgraças que já aconteceram ao longo de sua história, a última convulsão política levou à ocupação de seu território por forças de paz da ONU - lideradas pelo Brasil, inclusive - o que foi sucedido por furacões, um enorme terremoto que varreu seu território e, ainda, uma epidemia de cólera - isso tudo, junto aos problemas da operação das Nações Unidas e a sua própria problemática interna, deixa o Haiti em uma situação profundamente vulnerável. A partir daí, o movimento migratório se estabelece como forma de resistência fundamental.
E a emigração, não resta dúvida, é um dos modos mais potentes de resistência dos pobres e dos oprimidos que, pela fuga, frustram determinada autoridade soberana. Trata-se de um dos processos de luta mais interessantes do nosso tempo como bem observam Negri e Hardt. É por meio desse movimento nomádico, para os Estados Unidos, Canadá, Caribe e outras partes das Américas que a multidão haitiana tem conseguido sobreviver: as remessas de recursos dos imigrantes haitianos para os seus é o que tem evitado uma hecatombe maior ainda, constituindo-se em uma forma móvel de driblar a burocracia sedentária e ineficiente que é o presente Estado haitiano, uma amálgama de militares das nações unidas, ONG's estrangeiras e o restolho da política local.
Pois bem, o crescimento relativamente grande do Brasil nos últimos anos, a baixa taxa de desemprego local e o crescimento da renda do trabalho acabaram por tornar o nosso país um óbvio receptáculo de trabalhadores imigrantes. Daí, a tornar-se outro destino óbvio de haitianos, era questão de tempo, o que veio a se potencializar este ano. Eis que o Estado brasileiro se pega numa situação na qual não se via há tempos e não sabe como agir. Políticos da oposição como o candidato a vice na chapa de José Serra, Índio da Costa, surge com um discurso xenófobo à moda dos demagogos americanos, enquanto no governo ninguém sabe o que fazer com as filas imensas de haitianos a espera de um visto, o que termina com a decisão de permitir a entrada limitada deles, um meio-termo patético, convenhamos.
O Brasil não tem razão alguma para bloquear ou dificultar a entrada de imigrantes no nosso território. É bisonho que se condicione a entrada sobretudo de haitianos, inclusive porque temos uma particular responsabilidade sobre aquela gente, na medida em que estamos a ocupar seu país - mais até do que isso, é estranha a qualquer plataforma libertária e democrática a segregação, o deixar morrer, no relento do outro lado da fronteira ou criar algum tipo de fila de espera kafkiana na fronteira. Apesar da tentativa de dourar a pílula vista na nota conjunta assinada pelos titulares das pastas da Justiça e das Relações Exteriores, José Eduardo Cardozo e Antonio Patriota, sabemos bem do que isso se trata.
Com isso, reproduzimos algo que é bastante antigo no Ocidente: a forma de dominação mais elementar baseada na atribuição de identidade fundada no binarismo estrangeiro-cidadão (nacional), que vincula o vivente incluído a um código de normas, submetido a um soberano e apreciado pelo seu juízo, enquanto o excluído resta condenado ao relento - além disso servir para ameaçar os salvos com a possibilidade sempre presente de exílio. Esse estranho arcaísmo, fundado na servidão do vivente à coletividade e, depois, à soberania - com ou sem Rei, o que a rigor pouco importa - contrasta com o presente Império global, no qual as fronteiras tornam-se linhas tênues, dissolvendo gradualmente o binarismo dentro/fora, embora isso ressurja como reaparição do poder disciplinar, via biopoder, nas ocasiões em que os mecanismos sutis de controle fracassam, com o intuito de capturar a vida que se insurge por meio da fuga.
Imigrantes alteram substancialmente a vida das comunidades que adentram. Surgem com vontade de produzir, trazem consigo novos saberes e a possibilidade sempre bem-vinda de hibridização. O vento da liberdade é transformador como bem sabe o nosso próprio país - além de tantos exemplos históricos como os Estados Unidos e a Europa. A superstição recorrente do imigrante que o acompanha, de ladrão de empregos e de oportunidades dos nacionais, é tão falha quanto perversa, uma vez que efetivamente eles produzem oportunidades para todos e, não se esqueçam, até poucos anos esse argumento era utilizado contra nossos próprios compatriotas, quando levas brasileiras precisavam ir embora como na época em que os aliados de Índio da Costa governavam este país, p.ex - fato que não isenta, entretanto, o atual governo de assumir uma postura digna no caso, inclusive porque não será assumindo a histeria conservadora que se irá impedir seu retorno ao governo, aliás.
O problema mesmo, meus caros, é que o Haiti é sempre o Outro.
Imigrantes alteram substancialmente a vida das comunidades que adentram. Surgem com vontade de produzir, trazem consigo novos saberes e a possibilidade sempre bem-vinda de hibridização. O vento da liberdade é transformador como bem sabe o nosso próprio país - além de tantos exemplos históricos como os Estados Unidos e a Europa. A superstição recorrente do imigrante que o acompanha, de ladrão de empregos e de oportunidades dos nacionais, é tão falha quanto perversa, uma vez que efetivamente eles produzem oportunidades para todos e, não se esqueçam, até poucos anos esse argumento era utilizado contra nossos próprios compatriotas, quando levas brasileiras precisavam ir embora como na época em que os aliados de Índio da Costa governavam este país, p.ex - fato que não isenta, entretanto, o atual governo de assumir uma postura digna no caso, inclusive porque não será assumindo a histeria conservadora que se irá impedir seu retorno ao governo, aliás.
O problema mesmo, meus caros, é que o Haiti é sempre o Outro.
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