quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Sucessão Paulistana: Kassab

Implosão fracassada do "prédio condenado"
Neste início de ano, Gilberto Kassab, atual prefeito paulistano, deu nota dez "com louvor" à sua própria administração. Contextualize isso com a fracassada e tragicômica implosão do antigo prédio do Moinho - situado na favela homônima, vítima do incêndio e de um histórico de descaso e perseguições - junto com a revelação de que ele não cumpriu 73% das metas de governo e temos, por tabela, um enredo digno de realismo fantástico: São Paulo, maior município do país e coração de uma das maiores regiões metropolitanas do planeta, está entregue, vítima de um desgoverno no sentido em que dizemos que um carro está desgovernado.

O que é São Paulo no começo de 2012? Uma cidade inacreditavelmente poluída - com grandes rios mortos e putrefatos como o Pinheiros e o Tietê ou o bom e velho horizonte púrpura -, com ruas paralisadas por um sem número de carros mesmo em horários e locais improváveis, com o preço de imóveis e de aluguéis batendo nas estrelas - movidos pela ditadura das imobiliárias -, higienização urbana a todo vapor - por conta da qual sem-tetos e favelas não têm vez -, desaparecimento de bairros boêmios - cada vez mais quadrados, limpinhos, previsíveis - e a demagogia policialesca - como vemos pela nomeação massiva de policiais militares para comandar as subprefeituras.  A questão em São Paulo não é política, é biopolítica porque é sobre a vida que estamos falando e é ela quem está interditada. 

É nesse cenário que será disputada a sucessão da Prefeitura. Kassab não tem forças eleitorais para indicar sucessor, mas suas articulações de bastidores são fundamentais. Sim, porque isso Kassab fez intensamente ao longo do último ano: aproximou-se da base governista, deu uma finta nos adversários enquanto parecia blefar com a história do novo partido e flertava com o PMDB de Temer, criou o PSD debaixo da asa de Serra - mas com ele como gerente de uma astúcia que não passa - apesar de sua magnitude de quarta força partidária - da amarração de pontas soltas dos esquemas vários de uma direita desnorteada pela falta de poder.

Com a crise do PSDB - que não obstante ao fato de estar rachado em três nacionalmente, resta dividido em dois no estado de São Paulo, entre os grupos de Alckmin e Serra -, Kassab torna-se peça central do jogo. Ele tem seu velho aliado - e em dado período, mentor - Guilherme Afif como vice-governador e possível candidato a prefeito pelo PSD e o apoio de Serra, que prefere não disputar o pleito - pela maneira como isso o afasta da disputa presidencial de 2014 e mesmo pelos riscos de perder. Alckmin, que quase destruiu sua carreira pelo passo errado ao seu candidatar a prefeito em 2008, continua apostando alto em um terreno que conhece pouco e é ele quem está bancando as prévias partidárias entre nomes com pouca densidade eleitoral.

Serra não quer, para variar, correr riscos. Ele construiu uma chapa trampolim em 2004, venceu e ficou um ano no poder, deixando três anos de mandato para Kassab - que se reelegeu em cima das fragilidades do não paulistano Alckmin e do desgaste de Marta Suplicy. Kassab não governou e Serra sabe disso, não quer se expor, tendo de se explicar. Ele prefere que o PSD lance seu candidato para fortalecer sua legenda - uma vez que não tem chances, mas também não tem responsabilidade de vencer - e que o PSDB não lance ninguém para não se expor numa provável derrota porque lhe faltam nomes viáveis - e sobre o último aspecto, é provável que ele tenha razão: Bruno Covas, Andrea Matarazzo, José Aníbal e  Ricardo Trípoli estão longe de ser a figura pessoal que um partido como o PSDB, sem grande militância e pouca base, precisa ter.

Alckmin, que é adversário de Kassab, quer se bancar como a liderança partidária que não é nem nunca foi, tarefa que demanda livrar-se da pecha de quem só foi resgatado em 2010 porque era o único nome forte para bater o PT para governador. Ele quer assumir os riscos de bancar e entrada do time do PSDB em jogo, com nome próprio. Para isso, ele não tem nem o apoio de Aécio Neves, de quem não deixa de ser adversário, mas está próximo no momento para neutralizar Serra: ventila-se que o senador mineiro apoia uma aliança do PSDB com Gabriel Chalita (PMDB) - amigo fraternal de Alckmin que, no entanto, jamais seria apoiado por ele, tendo em vista a maneira que saiu do PSDB e os inimigos que acumulou lá dentro. 

Enquanto isso, Kassab leva a natural vantagem de ter pouco a perder e de conhecer suas próprias limitações, o que sempre potencializa sua influência - tão erradamente subestimada. Em uma conjuntura de erosão dos partidos - onde quase todos vão bancar um nome este ano, apenas para fortalecer o partido nacionalmente ou para cacifar alguma figura -, essa  engenharia  de conchavos e gambiarras ganha força, favorecendo seus grandes operadores. Uma Prefeitura disfuncional não atende propriamente a um projeto político conservador, mas abre espaço para pequenas (mas endinheiradas) formas de governança que funcionam bem nos destroços, sobretudo um esquema como o rentismo do setor imobiliário, peça chave da política municipal aqui e em toda parte - e que pesará nas próximas eleições municipais como o capital financeiro o faz em nível nacional.


P.S.: Segundo nos informa o deputado federal Paulo Teixeira, a audiência sobre os rumos da comunidade do Moinho na Secretaria de Habitação, passou para amanhã, às 15:30.

Nenhum comentário:

Postar um comentário