segunda-feira, 5 de março de 2012

São Paulo, a Birita e as Proibições

Bons tempos de Jânio, pelo menos a farsa tinha graça
Enquanto as negociações seguem a todo vapor para a montagem dos palanques municipais pelo estado bandeirante - sobretudo em sua mui cobiçada capital -, eis que desponta na opinião pública um projeto de lei do luminar legislativo Campos Machado (PTB) que visa, dentre outras coisas, proibir a venda de bebidas alcoólicas (bem como seu porte) em locais públicos. 

Para além do caráter farsesco e diversionista - como é próprio desses templos das banalidades chamados assembleias legislativas -, o referido projeto ainda traz a carga proibicionista, recalcada e mal-humorada que tem dado a tônica na política paulista nos últimos tempos. É como um retorno a Jânio, só que sem auto-ironia e carregado de politicamente correto - em suma, é possível rir do projeto, mas não por conta dele.

O ethos disso não é propriamente um direitismo claudicante, mas um desgosto pela liberdade que não é incomum também à esquerda do espectro - e se de um lado ele tira o  gosto pelo punitivismo, do outro ele tira uma recém-adquirida obsessão pelas denotações, pelos termos, pelos gestos e não por seus significados (enfim, isso que aconteceu com parte significativa da esquerda brasileira quando ela começou a papagaiar o liberalismo americano).  

E esse politicamente correto vai bem além de implicações moralistas, ele se aprofunda e curva a política ao judicialismo e à overdose jurídica, nos legando um cenário no qual os tribunais passam, gradativamente, a ocupar a centralidade que cabe à praça pública na medida em que todas as demandas passam a ser traduzidas no binarismo da linguagem jurídica - e aí as coisas saem do campo da potência e da vontade e caem no vazio da lei, onde tudo se torna relações de servidões mútuas e totais, mediadas pelos juízos da razão.

Machado, candidato a vice-prefeito da capital na chapa de Alckmin em 2008 e deputado estadual longevo com seu curral eleitoral seguro, certamente nada tem a ver com os desvarios da esquerda, mas ele se serve disso. Um estado mais recalcado e triste certamente interessa ao seu projeto, seja no que toca aos seus efeitos práticos ou na distração pública que coisas como isso produz.

No fim, resta uma massa disforme que passa batida nessa geleia geral da nossa política de hoje, onde para o nosso bem, daqui a pouco, estaremos comendo sopa de alface sem sal, tudo em nome de um jogo de espelhos que certamente visa ao mascaramento de coisas bem mais sérias - ou parafraseando Zizek numa anedota, se em alguns lugares as coisas são sérias, mas ainda não catastróficas, por aqui, elas são catastróficas, mas certamente não são sérias.






8 comentários:

  1. Hugo, não sei como está o meu pensamento no espectro político nem que nome dá-se a ele, sei é que meu entendimento atual é de que o Estado deve prover um mínimo de dignidade às pessoas (os tais direitos sociais) com qualidade e deve ele se abster de influenciar as escolhas e liberdades do cidadão salvo no estrito cumprimento daquela providência.
    Esta lei então soa-me estapafúrdia e realmente põe em causa a finalidade da casa legislativa estadual. Numa mudança de nosso federalismo, com mais algumas competências para os estados-membros e um melhor aproveitamento destas e das já existentes pela AL seria o caminho, mas isto utopicamente falando.
    Concluo com a citação que já havia postado lá no facebook pois o mestre vale à pena:
    "Muita mutreta pra levar a situação/Que a gente vai levando de teimoso e de pirraça/E a gente vai tomando e também sem a cachaça/Ninguém segura esse rojão"

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  2. Eu também ia mais ou menos por aí, Nunão, mas hoje não acredito que nem o Estado ou o Direito possam fazer tanto mais do que resolverem os problemas que eles próprios criam - só temo certas saídas (neo?)liberais que pretendem eliminar o Estado cosmeticamente e colocar algo igual (ou pior) em seu lugar (como no politicamente correto, no qual se briga tanto por denotações quando o problema sempre foi o significado, por isso fico com meu autonomismo mesmo).

    Essa lei é uma desgraça, se vamos proibir, pelo menos proibamos com humor, vedemos as rinhas de galo ou, na dúvida, nem proibamos nada mas premiemos o Che Guevara - o problema é juntar diversionismo com falta de humor, aí eu não tenho paciência mesmo. E a citação, como já te disse, é perfeita nesse caso.

    abração

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  3. Não obstante é preciso sim restringir a venda de bebida alcóolica e reduzir seu consumo - a bem inclusive de quem não consome. Mas há formas mais inteligentes, democráticas e de esquerda de fazer isso. Exemplo: controle canino da propaganda e da possibilidade de patrocínio a eventos culturais - se fez com cigarro e foi excelente!.

    Mas controlar a mídia, quem quer né?

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    1. Eu não sei, Lucas, acho que informar a nocividade de certas substâncias - como já fazemos com alimentos - é importante, proibir venda não. Eu preciso ter autonomia mesmo para consumir aquilo que me faz mal. Agora, proibir comércio e cercear a liberdade de andar com bebida por aí é puro moralismo - até porque os problemas ditos causados pelo alcool são, no máximo, catalisados por ele, basta ver como problemas com coisas como comida estão postos por aí (sim, compulsão alimentar é um dos males do século).

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    2. não falei em proibir venda, mas regular propaganda (sequer é impedi-la). A nocividade do alcool afeta muito mais quem não usa (no caso de bebida e direção). Lembrando sempre que cachaça é só o gatilho: a arma mesmo é o automóvel.

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    3. Sim, a arma mesmo é o automóvel, precisaríamos abrir mão de muita coisa para que ele deixasse de matar tanto - eu que sou não motorista convicto em uma cidade motorizada. Seja uma proibição relativa - ao comércio para adultos e circulação com a marvada por aí - ou absoluta, eu sou contra.

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  4. Outro exemplo marcante, agora nos limites de [outra] província: o Estado de Minas faz companha disfarçada e a prefeitura e polícia apoiam a caça na internet festas organizadas na rua por "vagabundos e putas" [esses são os termos de um dos comentários de leitores do jornal também conhecido informalmente como Estrago de Minas]. O jornal decora a matéria com foto de uma mulher de shortinho dançando funk [suponho, pode ser que ela estivesse imitando um lutador de sumô] na frente de um carro. Taí: http://www.em.com.br/app/noticia/gerais/2012/03/07/interna_gerais,281923/bloco-pos-carnaval-nao-podera-sair-no-mangabeiras.shtml

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