sexta-feira, 1 de junho de 2012

Gilmar Mendes, Lula e o Estado da Arte da Política Brasileira

Gilmar Mendes -- (Fábio Rodrigues)
O debate político brasileiro saiu da monotonia nos últimos dias com as declarações bombásticas de Gilmar Mendes: primeiro, ele acusou, sem provas e com um testemunho em sentido contrário, o ex-presidente Lula de lhe pressionar para adiar o julgamento do mensalão - sendo que Gilmar não é mais presidente daquele tribunal, não é relator ou revisor do processo e, sequer, foi indicado pelo ex-presidente, o que tornaria mais estranho ainda o fato de Lula se expôr dessa maneira com ele. 

Depois do rechaço vindo sobretudo da mídia digital, agora Gilmar diz que vai entrar com uma ação para que sejam cortadas verbas públicas para blogs que ataquem as "instituições" (ou seja, ele mesmo?). A posição reativa de de Mendes vem na esteira das denúncias que ele mesmo fez uso de aviões graça a ajuda do senador Demóstenes Torres, implicado no escândalo Cachoeira, fato que ele mesmo confirma e faz a conversa respingar em si.

Mendes fez um mau lance político - e foi um lance de política partidária bastante óbvio e frágil, no qual ele (novamente) criou uma crise institucional via STF, e, ainda, o colocou em rota de colisão, palavra contra palavra, com um popularíssimo ex-presidente que acabou de se recuperar de um câncer; Gilmar não tem prova alguma do que diz, pior ainda, tem o testemunho do ex-ministro Jobim, alguém insuspeito de esquerdismos e seu amigo, o que talvez o tenha feito recuar do que disse. 

Se é provável que petistas tenham interesse em adiar o dito julgamento, é fato que a oposição tem interesse em fazê-lo acontecer pouco antes ou durante as eleições municipais para explora-lo politicamente, portanto, não é papel de um ministro do STF acender a fogueira da partidarização que já é inerente ao caso - e que só o torna mais complicado. Quem acusa precisa provar o que diz, porque o dito pelo não dito, é fato que existem interesses para adiar e para antecipar o julgamento, logo, uma fala desavisada pode não ser nada inocente.

Aliás, a mesmíssima oposição que rufa, oportunamente, tambores moralistas neste caso é aquela pouco disposta a fazer uma reforma política e, mais ainda, pouquíssimo disposta em debater o legado e a problemática dos anos 90, quando estava no poder, seja em episódios como o das privatizações ou da emenda da reeleição. Fazer o jogo, indiretamente ou nem tanto, dessas pretensas vestais da moral não é nem de longe colaborar para nada aqui.

Pior ainda, sugerir que verbas públicas que financiam blogs sejam cortadas porque eles "atacam as instituições" como Gilmar sugeriu - isto é, tenham postado algo que lhe desagradou - é profundamente preocupante. Ora essa, se um órgão de mídia recebe dinheiro público é preocupante que ele não critique o Estado, mas não o contrário. Aliás, grande parte da mídia brasileira, seja a tradicional ou virtual, vive sim de dinheiro público. 

Experimentem pensar na possibilidade de corte das verbas de publicidade estatal para a mídia e ver quem sobreviveria. Debater a democratização do financiamento da mídia virtual e, p.ex., uma renda que garanta às pessoas, e não apenas a alguns, meios econômicos para se dedicar à difusão de informação, conhecimento e cultura via Internet é salutar, mas sugerir corte de verbas apenas de quem escreveu algo que você não gostou é puro oportunismo. 

Gilmar torna-se, assim, a voz rouca e cada vez mais isolada da oposição conservadora ao governo petista, algo incompatível com sua posição de ministro do Supremo e ainda acaba pesando contra a liberdade de expressão na rede, o que é profundamente problemático. Se a oposição depende disso para sobreviver, ela tem problemas visivelmente graves. Ainda mais com Lula ressurgindo no debate público unindo ao seu carisma a aprovação tremenda do seu governo e a sua recuperação fenomenal como se viu nos últimos dias.


8 comentários:

  1. Olá, Hugo!

    [...]mas sugerir corte de verbas apenas de quem escreveu algo que você não gostou é puro oportunismo. Oportunismo e uma inclinação ao autoritarismo.

    Não sei exatamente quais as motivações ou interesses de GM nesse papelão todo, mas em relação a Veja... é obvio que manchar a imagem de Lula pode comprometer parte dos votos que o ex-presidente agrega aos candidatos que ele apoia, especialmente se forem novatos na política como Fernando Haddad.

    A campanha já começou e talvez seja ainda mais sórdida que a de 2010. Haja estômago!

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    1. Sim, Eduardo: autoritarismo, inclusive, em um sentido clássico, isto é, a confusão entre auctoritas - competência para autorizar ou ratificar demandas, coisa que pertence ao STF - e potestas - o poder que cabe ao "povo" diretamente ou indiretamente via parlamento no nosso sistema.

      abraços

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  2. Gilmar caiu no ridículo com esse papo de acusar certos blogs de serem financiados pelo governo. Como vc bem salientou, o que seria da mídia conservadora, aka PIG, sem os anúncios do governo federal e das estatais? Será que êle considera ilegítimo também, o governo anunciar nesses órgãos?

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    1. Gilmar fez um mau movimento porque esqueceu desse detalhe: a mídia, mesmo aquela que lhe é mais favorável, vive de verbas públicas, nem o mais liberal dos jornalões ou semanários defende a própria privatização - e o critério que ele próprio fixa para o corte dessas verbas ("atacar as instituições") poderia ser utilizado pelo atual governo para ele fechar quem bem entendesse, o que torna tudo, ainda mais tragicômico.

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  3. Esse jogo de lama falsificada é uma tradição da política brasileira. Desde as cartas em que Arthur Bernardes "ofendia a honra do exército", passando pelo "Plano Cohen" saído de uma escrivaninha integralista e pela carta de um deputado peronista sobre uma tal "república sindicalista". Podemos rir hoje dessas falsificações do passado mas elas tiveram papel importante porque não foram denunciadas unanimemente pela imprensa, que muita vezes participou ativamente do êngodo.

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    1. É isso mesmo, Paulo, essa transversalidade entre ficção - quase um realismo fantástico - e política ganham, inclusive,uma conotação mais poderosa com o poder da novelização sobre o imaginário coletivo, embora a Internet até cumpra uma função (razoável) de neutralização das superstições.

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  4. É realmente lastimável que essas mentiras deslavadas continuem tendo curso. Hoje o blogueiro Miguel do Rosário destacou um trecho de um editorial do Globo que dizia assim:

    "Agora, na reta final para o agendamento do início do julgamento, há uma contaminação política indesejável do caso, devido à tentativa de interferência do ex-presidente Lula no processo, numa conversa com o ministro Gilmar Mendes, testemunhada por outro ex-presidente do STF, Nelson Jobim, reunião que jamais deveria ter acontecido."

    Quer dizer, a falta de escrúpulos com que esses editorialistas falseiam a verdade, omitindo no relato a negativa peremptória do Jobim de que a alegada tentativa de interferência tenha ocorrido, é simplesmente espantosa.

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    1. Enfim, para a nossa mídia não importa o que é, mas o que ela quer, e precisa, que seja.

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