É um bom debate, mas eu discordo do João. A Crise de 29 se deveu entre outras coisas a um aumento considerável da produtividade industrial americana, desacompanhada de um crescimento salarial e de um desenvolvimento do mercado creditício - tanto em condições de crédito quanto no acesso a ele - capazes de suportar tal fenômeno. Também devemos poderar o fato que a Europa foi destruída no pós-Guerra e não teve ajuda americana para se reconstruir, logo seus mercado interno, que poderia absorver a produção americana, estava completamente anêmico - ao passo que Japão e URSS se desenvolviam com modelos fechados.
Não deu outra: A deflação explodiu nos EUA, pois a oferta era muito maior do que a procura, os preços caiam e junto com eles os empregos iam embora num círculos vicioso - mais do que isso, todo o sistema ocidental, já tributário da jovem potência americana, acabou sentindo os efeitos da Crise. Naquele momento não havia outra política possível nos EUA senão cortar juros - e para tanto, Roosevelt bateu de frente com o sistema financeiro - e gerar déficitis públicos derramando a grana na economia - em suma, ali o desarrocho fiscal e monetário eram fundamentais porque a economia estava artificialmente congelada.
Essa crise atual, por sua vez, é bem diferente. Ela diz respeito aos efeitos adeversos a uma mundialização economica assentada sobre uma superpotência e sua respectiva moeda nacional - assumida enquanto moeda hegemônica -, o que era insustentável a longo prazo, mas acabou explodindo nos anos Bush por conta da forma como ele e os republicanos detonaram as contas públicas, o que, junto com o déficit comercial, criaram um déficit em conta corrente insustentável mesmo para os EUA, pois essas medidas acertavam bem no centro de equilíbrio do Dólar, justamente a grande arma americana em assusntos econômicos.
A sobrevivência do Capitalismo contemporâneo passa pela construção de mecanismos globais de governança econômica e, quem sabe, de uma moeda global. No entanto, enquanto essa complexa construção não é elaborada - e um dos entraves para isso é, justamente, a política muito pouco empenhada do Governo Obama nesse sentido -, o mundo depende sim de ajustes econômicos nos EUA - e os próprios americanos dependem disso.
O fato é que dentre as economias desenvolvidas do globo, os EUA tem uma das menores cargas tributárias, com algo em torno de 27% do PIB - contra uma média de 38% na Europa. Por outro lado, a população americana é profundamente contrária a aumentos de impostos e se mostra mais insatisfeita com os impostos que paga do que os Europeus. O Allan Patrick fez um post interessante sobre as possíveis causas disso: O Governo Americano gasta 55,3% do PIB em gastos militares e em juros da dívida pública (sendo que tais juros crescem devido com a dívida agravada pelos gastos militares).
Em suma, objetivamente, mais da metade dos impostos arrecadados nos EUA vão para oligopólio bélico e para o financeiro. Tirando algo que se perca pelo caminho, então temos um descalabro, quase nada retorna para o contribuinte e, pior, o Estado, mesmo tendo uma tamanho relativamente pequeno, opera como um elemento concentrador de renda agudo, tirando dos trabalhadores e dando para o grande capital bélico e financeiro - numa inversão tão feroz que passa desapercebida pelo próprio Índice de Gini.
Economia não é um jogo de custos, mas sim de custo-benefício, nesse sentido, a eficiência do imposto pago pelo contribuinte americano é muito mais baixa do que o do seu congenêre europeu. Assim, ele acaba mirando a sua insatisfação no Estado e se torna arredio a qualquer política de ampliação dele - pelos motivos errados, o que implica até mesmo numa oposição mesmo a planos como o da universalização da saúde pública. Hoje, o capitalismo americano depende de um aumento do Estado e um corte de gastos sim, mas caso o sistema politico local não seja capaz de cortar onde ele deve , ou seja, no descarado subsídio dado ao setor bélico, ocorrerá um desastre sem precedentes devido a capitulação do sistema a um setor-parasita.
O capitalismo americano - e global - pode simplesmente implodir. Isso não é nada bom: Devemos trabalhar pela superação dialética dos sistemas economicamente exploradores, esperar pelo colapso já previamente inscrito em sua dinâmica. Portanto, o catastrofismo alimentado por certos setores da esquerda é simplesmente assustador, improdutivo e anacrônico. Tomemos como exemplo o fim da ignomoniosa planificação centralista da Cortina de Ferro, ocorrida não por sua superação, mas sim pelo seu colapso e temos uma bela imagem dos riscos que estamos correndo.
Hugo, meu caro: concordo com o post por um ponto de vista, mas discordo por outro. De fato, pensando na estrutura do capitalismo, v. tem razão. Como tem razão em apontar as diferenças entre as duas crises, bem como em criticar o catastrofismo. Mas não sei se assinaria embaixo algumas coisas: 1) os EUA não tem como voltar atrás no modelo de capitalismo vídeo-financeiro que adotaram: é uma sociedade de consumo, não mais de produção; portanto, são reféns dos bancos e da moeda; 2) a máquina de guerra estadunidense também não é exatamente um setor parasita: de certo modo, ela é, como apontou o Paulo Arantes (e como discutimos no meu blog tempos atrás), o verdadeiro "lastro" do dólar; 3) o anti-estatalismo dos norte-americanos não deriva da falta de um Estado de bem estar social à moda européia: está inscrito na história do país (talvez lá seja o único lugar do mundo onde haja anarquistas de direita). Um abraço
ResponderExcluirAlexandre,
ResponderExcluirEu penso que, tecnicamente, ainda existem medidas que podem sim representar uma saída americana para a questão - a própria elite americana bem o sabe -, mas o problema deles é político: Como sair disso sem afetar os oligopólios em questão? É mais ou menos como o Brasil dos anos 80 e a questão inflacionária, havia uma série de saídas técnicas possíveis, mas a questão política prolongou a situação - e ela só se resolveu de um modo bisonho, com a classe trabalhadora arcando com quase todo o ônus. Eu não seria definitivo como você a respeito da situação, mas eu não estou nem um pouco otimista quanto as possibilidades do sistema político daquele país conseguir projetar uma saída - seja ela qual for.
Eu discordo do Arantes nesse ponto. O lastro do Dólar é, no fim das contas, a gigantesca produção americana conjugada com sua teia comercial pelo mundo - o que o torna o centro desse sistema global -; a máquina de guerra local é um elemento garantidor disso, mas está sujeita às limitações econômicas e assim pode se tornar o catalisador da implosão do sistema americano. No momento, eu creio que Obama deveria estar trabalhando seriamente no aprimoramento radical do sistema multilateral, mas se em parte os democratas não compreendem a situação, em outra medida eles estão limitados por esses interesses - que, estão enraizados dentro do próprio partido.
Sobre a questão do Estado de bem estar social e os EUA, eu creio que há sim uma desconfiança cultural gerada tanto pelo liberalismo dos calvinistas quanto pela desconfiança dos puritanos em relação ao Estado, mas por que isso nunca foi superado? Eu creio que em grande medida porque as pessoas, na falta de um Estado para prover isso, usaram da grande produção econômica do país para projetarem saídas privadas - ou mesmo comunitárias - para a falta de serviços básicos, mas o crescimento do Estado durante o século 20º de fato veio desacompanhado do devido retorno para o cidadão o que colaborou fortemente para a manutenção dessa concepção - mas isso é mais complexo do que parece, o mesmo cidadão que reclama dos impostos é aquele que apóia a guerra, o que levanta um debate mais interessante ainda: A questão da alienação da sociedade americana, suas origens e consequências histórico-politicas.
um abraço
Salve Hugo,
ResponderExcluirFico feliz que o post lá no Blog tenha suscitado debate por aqui também. Vamos lá então ;-)
Antes de mais nada, o post está ótimo. Você levanta uma série de discussões -- a carga tributária baixa nos EUA comparativamente a outros países (ricos ou pobres); o tamanho do Estado e seu status na sociedade etc. -- que, isoladas, dão grandes discussões.
Nossa discordância, no entanto, refere-se às relações entre a crise de 1929 e a atual e quanto ao que deve ser feito agora.
O governo americano gasta muito. E não é de hoje. São duas as principais razões dessa política: 1) São a nação hegemônica do mundo capitalista (que, desde 1991, significa 99% do planeta); 2) São os emissores do dólar, o que, em diferentes períodos, significa serem donos do ativo de reserva mundial.
Assim, se deram ao luxo de gastar mais que as receitas tributárias lhes permitiriam simplesmente porque, como gostam de dizer os economistas, o "resto do mundo estava disposto a financia-los". Mas não apenas isso: o resto do mundo financia os EUA simplesmente porque são os EUA quem emitem os dólares e, com eles, os treasuries -- os títulos mais seguros do mundo.
A sinuca dos EUA hoje, by the way, reside exatamente aí. Os treasuries nada rendem (uma vez que os juros básicos, que balizam o rendimento dos títulos públicos, estão entre zero e 0,25% a quase dois anos)e, até mesmo por isso, o dólar se desvaloriza. A desvalorização do dólar é boa para os EUA, neste primeiro momento, porque encarece os importados (o que cria inflação e acelera os agentes estagnados na crise deflacionária) e impulsiona as exportações. Esse jogo diminui o rombo comercial também.
A questão é que há uma data de validade para isso. Primeiro porque os principais financiadores do consumismo exacerbado americano do passado -- os chineses, japoneses, árabes e, mais recentemente, o Brasil -- não ficam satisfeitos com o rendimento ridículo dos treasuries e, mesmo antes da crise, já maquinavam portas de saídas (os fundos soberanos são exatamente isso, além, é claro, do fator político implícito na compra de companhias estrangeiro).
Segundo que os tradicionais exportadores aos americanos não ficam felizes com um dólar fraco. Isso se combina ao desejo de todos os donos de reservas denominadas em dólares para que o dólar volte a se valorizar. Isso ocorrerá quando (e se) os Estados Unidos saírem dessa crise ou quando o Fed subir as taxas de juros básicas, tornando os treasuries mais atraentes.
O Estado gastador, no entanto, era uma coisa até 2008. Esse jogo das finanças mundiais, com fundos de hedge operando junto à fundos soberanos e mega investidores institucionais -- o modelo denominado de "vídeo-financeiro" pelo Alexandre Nodari -- está louquinho para voltar.
Só que a crise fez ressurgir um debate morto há pelo menos 3 décadas: a economia real, os modelos de negócios, as demandas das diferentes classes, o papel do Estado como interventor e a soberania nacional na política, economia, nas artes e cultura.
Aí, num momento em que os agentes privados não investem -- ao contrário, continuam retraídos e com disposição à demitir -- e as famílias hiperendividadas não encontram as mesmas facilidades obscenas que antes nos bancos e cartões de crédito, é o Estado quem tem mantido o parco status quo de um caos social de proporções trágicas.
A situação é essa: é o Estado quem está salvando o capitalismo do capitalismo. (Sim, isso é um clichêzão, mas não tem como fugir).
Controlar gastos para deixar o orçamento "equilibrado" neste momento é desatar os nós, ainda que frágeis, que seguram a detonação de uma bomba que teria efeitos políticos e sociais trágicos para o capitalismo como conhecemos hoje.
Aí está a relação com o pós-1929. À época, não havia controle do Estado sobre as operações na Bolsa. Empresas fictícias eram criadas aos montes, lançavam ações em NY e aumentavam seu "capital" em 200% ou 300% em meses. Não havia qualquer regulação e o Fed não era o único emissor de moeda autorizado. Pelo contrário: quem emitia moeda eram os grandes bancos (J.P. Morgan à frente).
ResponderExcluirOs governos americanos e ingleses eram controladas por gente como Montagu Norman e Philip Snowden e os líderes -- tanto os republicanos, nos EUA, quanto a lástima que foram os trabalhistas eleitos em 30, na Inglaterra -- não estavam minimamente preparados para contornar a situação.
Daí que o auge dos movimentos trabalhistas, sindicalistas, comunistas e anarquistas nas duas nações símbolos do capitalismo (tradicional e financeiro) se deu nos anos 30. Foi a década de agitação para todos os movimentos contestadores (também à direita, diga-se) no mundo inteiro. Como ressaltei no post, as artes não ficaram de fora: cinema, teatro, literatura, música, tudo refletia a miséria e descontentamento porque passavam as pessoas.
E o Estado nada fazia. Cortava gastos públicos, diminuia a amplitude do seguro-desemprego e enxugava agências. Tudo para deixar o orçamento "equilibrado".
Essa não deveria ser a missão dos políticos de hoje, como não era dos despreparados que comandaram o imediato pós-1929.
É isso meu caro. Parabéns pelo post e pelo aniversário d'O Descurvo!
Um abraço
João,
ResponderExcluirLi seu belo comentário ontem, mas como eu cheguei em casa um pouco tarde não tive como continuar o diálogo, vou dividi-lo em duas partes:
Parte 1
Sobre a primeira questão, gastos píblicos e a questão da emissão do dólar, temos de ponderar uma coisa: A emissão da moeda hegemônica dá uma maior margem de manobra para os EUA - maior do que a margem do qualquer país do mundo -, mas isso não é infinito; a geração e o aprofundamento do déficit em conta corrente na administração Bush, por exemplo, excederam essa suportabilidade - em suma, foi o Mercado acendendo o sinal vermelho e dizendo: Há limites para isso!
Dentro dessa situação, o que pega é que não apenas as taxas de juros são mantidas artificialmente baixas - o que é garantido na prática pela alta procura de títulos americanos, mas só concretizado por ato político do Fed. tendo em vista a questão do mercado imobiliário e como isso o engessa para elevar a taxas de juros à níveis razoáveis - e, por outro lado, o fato de que os títulos são pagos também em dólar, o que gera um fenômeno curioso: Quanto maior o déficit, maior a necessidade de financiamento, mas dependendo do nível do déficit o próprio dólar (moeda a ser garantida por meio desse processo e, ao mesmo tempo, meio pelo qual serão remunerados os financiadores da dívida) começa a se abalar, o que compromete sua própria estabilidade; na prática, a desvalorização do dólar provocou prejuízos aos financiadores da dívida, notadamente China e países árabes, que, respectivamente, por mais que cresçam ou disponham de petróleo (em um momento que ele valia muito), não são capazes de absorver o choque caso ele seja muito alto.
Em suma, o equilíbrio da economia global, garantido pela Chimérica, depende do crescimento da China e do consumo americano, mas a questão é que enquanto o primeiro, por maior que seja, tem limites, o segundo não e é isso que está se materializando na atual crise: Ou os EUA mudam seu modelo de consumo ou terão de manter uma rigída disciplina fiscal para que a conta corrente não estoure e esse equilíbrio se desfaça como agora. Sem esse ajuste, o dólar fraco não ajuda muito porque isso tensiona a balança comercial americana que é dependente de energia importada - e mesmo que petróleo seja cotado em dólar, uma desvalorização da moeda americana provoca em contrapartida inflação no preço do ouro negro como já aconteceu.
O ponto é que esse "gasto" ao qual ao me refiro que é realizado pelo Estado americano - e que provoca esse déficit - é fundamentalmente gasto militar, o que, cada vez mais, distribui menos renda - além de gerar um produto que a bem da verdade não circula e só tem funcionalidade em tempos de guerra. Dado o cada vez maior emprego de tecnologia de ponta, o modo com esse subsídio escoa para a sociedade americana é muito pequeno.
Por outro lado, o próprio tamanho econômico do Estado americano é insuficiente para manter um subsistema capitalista daquele tamanho. Por isso, ajustes são necessários a priori, cortes de gastos - que devem ser militares - e um aumento de impostos sim para fortalecer as bases do próprio dólar. Só depois, seria necessária a realocação desses antigos gastos militares para outras áreas que tragam um retorno mais efetivo para as pessoas - o que não exclui de modo algum a alteração dos paradigmas de consumo americano, o que é a parte mais difícil da empleitada, mas é o que lhes resta.
Desse modo, não acho que o Governo Obama esteja errando nessa política, o ponto é que ele tem no que cortar - mas se cortar justo no que não pode, aí, a casa cai.
Parte 2,
ResponderExcluirNo que envolve a crise de 29 e a atual, temos pontos diferentes, elas eclodem em conjunturas diferentes por motivos igualmente diversos. Em 29, de fato, estávamos falando de um momento no qual o capitalismo americano, na contramão do que já acontecia pelo mundo, não passava pelo Estado, seja por conta da regulamentação, planejamento ou mesmo pela presença direta do Estado na economia por vias tributárias. Isso mudou, mesmo que nos EUA de hoje a carga tributária seja relativamente menor do que nos demais países de hoje, ela é muito maior do que naquela época assim como a presença do Estado regulando a economia e articulando políticas com iniciativa privada - olhe o processo que desembocou no Internet -, o que aponta para o fato de que não foi por falta de Estado que aconteceu essa crise, mas por uma digamos, deformação na execução da política econômica do Capitalismo de Estado americano mesmo - uma deformação possível em qualquer Capitalismo de Estado, diga-se.
um abraço
Grande Hugo,
ResponderExcluirComo sempre, é um prazer debater ideias e conceitos com alguém de tão alto nível. Li sua resposta, mas a correria da rotina não me deixa livre para comentar como gostaria.
Vou dividir meu comentário em dois porque não terei tempo de fazer tudo de uma vez.
Sobre o crash de 1929, a situação que tivemos, no imediato pós-crise de 2008, foi muito semelhante entre gente do sistema financeiro, congressistas e mesmo membros mais despreparados do governo.
Entre outubro de 29 e o período entre 30 e 31, mais ou menos, o consenso entre os economistas eram o da liquidação. Quer dizer, o Estado -- que não tinha poder de regulação ou sequer de emissão soberana de moeda, mas apenas de cobrar tributos e gastar em forma de remuneração de títulos e rolamento de dívidas -- nada deveria fazer com o sistema.
Centenas -- e mesmo milhares, entre 32 e 33 -- de bancos entravam em processo de falência anualmente. Mas, acreditavam os liquidacionistas, o processo deveria ocorrer como ocorrera em outras crises do capitalismo. A crença era de que a crise de 1823, o pânico de 1884, a escassez de 1890, a crise de 1893 e o pânico financeiro de 1907 (segundo elencaram os historiadores Barry Eichengreen e Michael Bordo), todos foram seguidos de maior expansão e riqueza.
Era riqueza que se concentrava, como depois perceberíamos com clareza. Mas, na época, pouco se sabia -- ou se fazia. Assim, em 1929, tudo o que o Estado deveria fazer era deixar os bancos serem liquidados que, à frente, nova expansão aconteceria.
Mais: esse pessoal até defendia ação do Estado, mas no sentido de aumentar a cobrança de impostos. Não à toa, o congresso americano aprovou aquela lástima que foi a Lei Smoot-Hawley, que fechava o país aumentando enormemente a taxação sobre o produto estrangeiro.
Segundo anotou o historiador Selwyn Parker, o raciocínio dos economistas seguia uma lógica mambembe: se o regime anterior de tarifas altas, conhecido como Fordney-McCumber, havia sido aplicado ao longo do boom que precedeu o crash, novas tarifas mais altas deveriam funcionar ainda melhor.
Esse mesmo raciocínio tem sido repetido nos últimos anos, como resposta à crise, isto é, deixe os bancos falirem -- o que seria o mesmo que desarticular os gastos públicos hoje -- e aumente impostos.
Isso não deu certo antes. Não tem como dar certo agora.
Preciso correr, Hugo, mas logo arranjo um tempinho para fechar o raciocínio sobre como as coisas estão sendo feitas hoje, 2010, e como deveriam ser feitas, na humilde opinião deste escriba ;-)
Abração!
Continuando, meu caro Hugo.
ResponderExcluirO déficit americano era enorme e irresponsável sobre qualquer ponto de vista até 2008. Esse déficit, hoje, não é alto. Mais que isso: ele é necessário e deve ser ampliado, se o interesse for salvar o capitalismo de si mesmo (um clichê que já tinha utilizado no post original hehe).
Isso porque a economia americana, altamente financeira, é muito dependente de crédito. Famílias, empresas, governo, todos os agentes operam hiperalavancados num sistema que, impulsionado pelos bônus sobre resultados no curto prazo, desenvolveu pacotes que uniam diferentes empréstimos, depois repassados ao mercado, que constituia carteiras de recebíveis altamente duvidosos.
Um modelo viciado, sem porta de saída, baseado no crédito irresponsável, no Estado leniente e no endividamento crônico.
A crise explodiu, escancarando o modelo -- daí a ele ser mudado em suas super e micro estruturas vai muita coisa também. Mas, seja como for, um fato novo surgiu.
Aí que está a questão: não é possível planejar saídas e operar o Estado e sua relação com a sociedade e iniciativa privada da mesma forma que se fazia antes da crise. Agora, as demandas são outras. Não se pode fazer como os economistas liquidacionistas do período 1873-1933 queriam, isto é, defendendo a falência dos bancos e empresas, o aumento de impostos e tendo um objetivo único: deixar o orçamento equilibrado.
No meio do caminho, longe das planilhas e dos text books, famílias perdem casas, mercados populares (e mesmo shoppings) são fechados etc. Na ponta, isso gera o caos social que vimos no turbilhão que foram os anos 30.
Os diferentes modelos econômicos colocados em prática naquela época certamente não agradaram o capitalismo, anteriormente hegemônico.
Se os policy makers norte-americanos querem salvar seu sistema, não é operando como os liquidacionistas querem, mas realizando práticas anticíclicas.
O Orçamento lançado pelo governo Obama não apresenta um rombo grande, tendo em vista os objetivos finais: 10,5% de déficit público, com 53% de dívida pública em relação ao PIB -- conta que deve saltar para 77% em 2020.
Isso é alto, mas não é, como vimos. (A frase soa confusa, mas a ideia é essa, quer dizer, é indiscutível que se trata de um endividamento enorme, que terá de encontrar financiadores fora das barreiras nacionais, mas, perante o espectro de aprofundamento da crise, não é uma dívida elevada).
Os gastos militares são altos. Mas o principal problema está em onde esse dinheiro é empregado. Do jeito como está, o Executivo direciona verbas (cerca de 5% do PIB) ao Pentágono, com algumas diretrizes básicas, que podem ou não ser seguidas pelos militares.
Mais que controlar os gastos aí, o principal está em mudar o direcionamento. Esse é o grande jogo, que funciona como símbolo do debate que será feito nesta década de 10: como se comportará os Estados Unidos num mundo que, definitivamente, deixa o modelo de hegemon único (vigente desde os anos 70-80) para trás.
O grande risco é o sino-centrismo. ;-)
Abraços
João,
ResponderExcluirProsseguindo a conversa, a tecla na qual eu estou batendo é o seguinte: O Governo Americano não gasta (em sentido lato) - proporcionalmente ao PIB - muito, mas como ele arrecada pouco, o déficit se torna gigantesco. Dentro desse "gasto", você tem o gasto em sentido estrito (por exemplo, o que é empregado no setor bélico) e o investimento - e eu coloco aí a quantia empregada em saúde e educação além de algum investimento direto no setor produtivo. Evidentemente, o Governo Americano mais gasta do que investe como prova o gráfico que o Patrick postou.
Portanto, levando em consideração esse baita déficit de 10,5% somado ao déficit na balança comerical, temos um cenário que não é sustentável - e não será a desvalorização do dólar que irá resolver isso, porque temos as consequências inflacionárias mais adiante.
O grande ponto que eu continuo insistindo é que o Estado está gastando mal o que arrecada e que cortar verbas que são estéreis - para mim gasto militar é sim estéril, basta pensar no retorno desse dinheiro sendo investido no setor produtivo e lembrar o quanto a desigualdade social aumentou nos EUA de Reagan para cá, justamente quando o Estado passou a investir mais pesadamente nas suas FFAA.
É esse corte que eu defendo - apesar de saber que se é tecnicamente muito fácil imaginar isso sendo concretizado, politicamente a coisa muda de figura. Ainda assim, nesse cenário utópico restariam problemas fiscais, o que tem de ser sim compensado com aumento dos impostos.
No fim, não é uma questão de corte ou não corte, mas sim cortar o que e como e de aumentar os impostos para quê e como - mas eliminando aquilo que é improdutivo e concetrando maiores gastos no que efetivamente pode trazer lucros, o sistema americano sobreviverá por mais um tempo, até ser atropelado pelo impacto do seu modelo de consumo; esse é o debate que eu vejo, muito para além de uma coisa de Estado mínimo vs. Estado grande, afinal, desde o New Deal, o Estado não diminuiu por lá não, apenas mudou de função ao longo do tempo para se adequar as demandas variáveis do seu capitalismo (a demanda constante não permitiu uma diminuição dele, agora, muito pelo contrário).
Essa ajuste macroecônico urge e creio que Obama já percebeu a questão, mas levando em consideração como os democratas estão se atrapalhando em tudo e a própria descaracterização do plano de universalização da saúde pública, pode ser que saía um monstrinho de um bom projeto, mas aí seria outra história.
Um abraço