FHC, de príncipe dos sociólogos passou ao espectro incômodo que assombra o palanque dos seus correligionários a cada eleição. Não custa lembrar que o PT venceu três eleições não só expondo seu próprio projeto como apontando as falhas dos anos FHC - e, por motivos óbvios, as duas últimas eleições foram marcadas por essa comparação e foram amplamente favoráveis aos petistas. FHC sabe disso e sua vaidade - assim como a incapacidade fazer autocrítica dos tucanos - foram apenas aumentando a quantidade de erros cometidos - em suma, as desditas discursivas e práticas daquela agremiação. O resultado: A dantesca eleição presidencial de 2010. A recente entrevista dada por FHC à Folha é um exemplo disso: O discurso que fica pressuposto na fala tucana, mas que não pode ser dita - e ele traz à baila como uma criança birrenta - se caracteriza pelo anacronismo de suas premissas e por sua inviabilidade eleitoral - embora, num caso ou em outro, tais sombras sejam os invisíveis evidentes dos pretensos planos de governo de Alckmin e Serra -, o que se expõe seu ocaso intelectual e político assim como a crise de seu partido.
Entre falácias que relativizam as linhas que Serra ultrapassou na recente campanha, os pontos em que demonstra certo ressentimento pela maneira como foi tratado - ou melhor, escondido - durante o processo, os ponto em que critica Lula pelos defeitos que também tem - piorados, afinal, o que são as infrações eleitorais que o atual mandatário cometeu se comparadas à Emenda da reeleição que beneficiou o próprio FHC? -, resta a exposição das crenças econômicas que o ex-Presidente guardou como dogmas, mas que à luz do sucesso do Governo Lula, da conjuntura mundial e de suas próprias desditas, são fantasmas absurdos. Um ponto, em especial, merece ser observado: Como a análise que FHC fez do Pré-Sal expõe o que Serra fugia da cruz a todo momento na campanha - mas era um consenso entre o tucanato - e como isso traz à baila muito da concepção de visão de mundo deles. Vamos lá:
Nesse campo, o seu governo quebrou o monopólio da Petrobras e implantou o modelo de concessão. A fórmula proposta por Lula, de partilha, para o pré-sal, que traz novos privilégios à Petrobrás, é melhor?
Não posso responder, porque não vi a discussão. Preocupa-me esse modelo porque força uma supercapitalização [da Petrobras] sem que se saiba bem qual será o modelo de venda desse petróleo. Essa forma de partilha proposta é uma estatização do risco. O risco quem corre é o Estado, ao contrário do modelo de concessão.
O que estamos fazendo é uma dívida. Isso obriga a sobrecapitalizar a Petrobras. Parece que não temos mais problemas de poupança no Brasil. Entramos numa ilusão tremenda nessa matéria. O Tesouro faz a dívida com o mercado e empresta para o BNDES ou para a Petrobras. É como se não precisássemos mais poupar. Mas a dívida está aí. Essa questão o PSDB não politizou.
"Risco", aqui, é a possibilidade de prejuízo, o que, em outras palavras, significa que existe possibilidade lucro; não correr riscos é não tentar obter rendimentos do Pré-Sal. Você pode - e até deve- auferir os riscos da atividade de extração de petróleo, poderia até mesmo se opor a isso por uma objeção ética-ecológica que não considera o petróleo como prioridade em um horizonte próximo - apesar desse raciocínio ter problemas pragmáticos -, mas aceitar o óleo negro como matriz energética das próximas décadas - como fazem os tucanos - e assim se esquivar da tarefa de socializar esses lucros, trata-se de um erro. É a privatização dos espaços públicos a qual se refere Negri, aqui, dos recursos energéticos públicos e da possibilidade de destinar esses recursos para, inclusive, poder subverter a própria lógica da energia suja.
FHC de fato não vê o Mercado como uma esfera definitiva, mas ele ainda alimenta uma crença relevante nele - a gloriosa esfera de trocas de fluxos de valores econômicos - como elemento racionalizador e civilizador das relações humanas, como se o Mercado não fizesse outra coisa senão apenas articular os fluxos decorrentes ao sistema produtivo ao qual ele se refere, indispondo, portanto, da capacidade paranormal de ajusta-lo. Isso é mais simples do que parece, o Mercado, em um Capitalismo, articula também os resíduos negativos que o sistema causa: Da violência urbana produzida pelo desemprego, surge um nicho que envolve empresas privadas de segurança, seguros mercantis e quetais, tornando a criminalidade um bem necessário para a existência e funcionamento desse novo ramo. Se lembramos aqui da erosão da escola pública e sua relação com o mercado de escolas comerciais - ou mesmo da falência do SUS e sua relação com os famigerados planos de saúde -, a grande fratura na qual se assenta o pensamento de FHC vem à baila: O Mercado não é capaz de dirimir contradições reais, nunca será, o papel de Estado sustentador de um esquema mercadista só produz uma articulação de uma porta giratória entre Estado-Mercado que destrói a esfera pública - e consequentemente o próprio espaço privado -, inviablizando a construção de um espaço comunitário. A própria democracia politicamente desenhada é a democracia esvaziada logo mais. Trata-se de uma falácia que também ronda certas alas do PT, ainda que de maneira mais moderada, afinal, o projeto petista sabe, no fim das contas, da função do Estado - como instrumento da multiplicidade do coletivo que Lula entendeu tão bem - nessa conversa toda. FHC está preso em uma falácia absurda e junto ele leva um PSDB inepto - o povo brasileiro, no entanto, não aceitou ser também prisioneiro desse sonho (felizmente).
(imagem retirada daqui)
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