quarta-feira, 3 de novembro de 2010

O Fantasma de FHC

Presidente do Brasil no longo período que compreende 1995 a 2002 e governante de fato durante do desgoverno de Itamar FrancoFernando Henrique Cardoso é uma das principais figuras da política nacional no último quarto do século 20º e nesse início de século 21º. Não resta dúvida que ele, junto com Luís Inácio Lula da Silva, foram os dois principais personagens do Brasil contemporâneo, produtores de grande parte de seus defeitos, contradições e virtudes - ainda que eles tenham colaborado em diferentes gradações para cada um desses itens. FHC deixou um legado de institucionalização dos direitos civis e de concretização da democracia enquanto realidade histórica (e não mais apenas jurídica) ao mesmo tempo em que nos legou o esvaziamento do próprio projeto contido na Constituição de 88 em nome de um suposto realismo político - cujo fim era substituir o Estado Varguista por um mercadismo moderado - mostrou-se um tremendo erro que minou suas possibilidades de se tornar o patriarca indiscutível do novo Brasil; a concatenação de erros vista em seu Governo levou desde a candidatura Serra em 2002 - que estava longe de ser sua primeira opção - e à vitória de Lula naquele pleito, o que ao contrário de se realizar enquanto fracasso, deu no projeto que governou o Brasil por oito anos e o fará por mais quatro. 


FHC, de príncipe dos sociólogos passou ao espectro incômodo que assombra o palanque dos seus correligionários a cada eleição. Não custa lembrar que o PT venceu três eleições não só expondo seu próprio projeto como apontando as falhas dos anos FHC - e, por motivos óbvios, as duas últimas eleições foram marcadas por essa comparação e foram amplamente favoráveis aos petistas. FHC sabe disso e sua vaidade - assim como a incapacidade fazer autocrítica dos tucanos - foram apenas aumentando a quantidade de erros cometidos - em suma, as desditas discursivas e práticas daquela agremiação. O resultado: A dantesca eleição presidencial de 2010. A recente entrevista dada por FHC à Folha é um exemplo disso: O discurso que fica pressuposto na fala tucana, mas que não pode ser dita - e ele traz à baila como uma criança birrenta - se caracteriza pelo anacronismo de suas premissas e por sua inviabilidade eleitoral - embora, num caso ou em outro, tais sombras sejam os invisíveis evidentes dos pretensos planos de governo de Alckmin e Serra -, o que se expõe seu ocaso intelectual e político assim como a crise de seu partido.


Entre falácias que relativizam as linhas que Serra ultrapassou na recente campanha, os pontos  em que demonstra certo ressentimento pela maneira como foi tratado - ou melhor, escondido - durante o processo, os ponto em que critica Lula pelos defeitos que também tem - piorados, afinal, o que são as infrações eleitorais que o atual mandatário cometeu se comparadas à Emenda da reeleição que beneficiou o próprio FHC? -, resta a exposição das crenças econômicas que o ex-Presidente guardou como dogmas, mas que à luz do sucesso do Governo Lula, da conjuntura mundial e de suas próprias desditas, são fantasmas absurdos. Um ponto, em especial, merece ser observado: Como a análise que FHC fez do Pré-Sal expõe o que Serra fugia da cruz a todo momento na campanha - mas era um consenso entre o tucanato - e como isso traz à baila muito da concepção de visão de mundo deles. Vamos lá:



Nesse campo, o seu governo quebrou o monopólio da Petrobras e implantou o modelo de concessão. A fórmula proposta por Lula, de partilha, para o pré-sal, que traz novos privilégios à Petrobrás, é melhor?
Não posso responder, porque não vi a discussão. Preocupa-me esse modelo porque força uma supercapitalização [da Petrobras] sem que se saiba bem qual será o modelo de venda desse petróleo. Essa forma de partilha proposta é uma estatização do risco. O risco quem corre é o Estado, ao contrário do modelo de concessão.
O que estamos fazendo é uma dívida. Isso obriga a sobrecapitalizar a Petrobras. Parece que não temos mais problemas de poupança no Brasil. Entramos numa ilusão tremenda nessa matéria. O Tesouro faz a dívida com o mercado e empresta para o BNDES ou para a Petrobras. É como se não precisássemos mais poupar. Mas a dívida está aí. Essa questão o PSDB não politizou.


"Risco", aqui, é a possibilidade de prejuízo, o que, em outras palavras, significa que existe possibilidade lucro; não correr riscos é não tentar obter rendimentos do Pré-Sal. Você pode - e até deve- auferir os riscos da atividade de extração de petróleo, poderia até mesmo se opor a isso por uma objeção ética-ecológica que não considera o petróleo como prioridade em um horizonte próximo - apesar desse raciocínio ter problemas pragmáticos -, mas aceitar o óleo negro como matriz energética das próximas décadas - como fazem os tucanos - e assim se esquivar da tarefa de socializar esses lucros, trata-se de um erro. É a privatização dos espaços públicos a qual se refere Negri, aqui, dos recursos energéticos públicos e da possibilidade de destinar esses recursos para, inclusive, poder subverter a própria lógica da energia suja. 


FHC de fato não vê o Mercado como uma esfera definitiva, mas ele ainda alimenta uma crença relevante nele - a gloriosa esfera de trocas de fluxos de valores econômicos - como elemento racionalizador e civilizador das relações humanas, como se o Mercado não fizesse outra coisa senão apenas articular os fluxos decorrentes ao sistema produtivo ao qual ele se refere, indispondo, portanto, da capacidade paranormal de ajusta-lo. Isso é mais simples do que parece, o Mercado, em um Capitalismo, articula também os resíduos negativos que o sistema causa: Da violência urbana produzida pelo desemprego, surge um nicho que envolve empresas privadas de segurança, seguros mercantis e quetais, tornando a criminalidade um bem necessário para a existência e funcionamento desse novo ramo. Se lembramos aqui da erosão da escola pública e sua relação com o mercado de escolas comerciais - ou mesmo da falência do SUS e sua relação com os famigerados planos de saúde -, a grande fratura na qual se assenta o pensamento de FHC vem à baila: O Mercado não é capaz de dirimir contradições reais, nunca será, o papel de Estado sustentador de um esquema mercadista só produz uma articulação de uma porta giratória entre Estado-Mercado que destrói a esfera pública - e consequentemente o próprio espaço privado -, inviablizando a construção de um espaço comunitário. A própria democracia politicamente desenhada é a democracia esvaziada logo mais. Trata-se de uma falácia que também ronda certas alas do PT, ainda que de maneira mais moderada, afinal, o projeto petista sabe, no fim das contas, da função do Estado - como instrumento da multiplicidade do coletivo que Lula entendeu tão bem - nessa conversa toda. FHC está preso em uma falácia absurda e junto ele leva um PSDB inepto - o povo brasileiro, no entanto, não aceitou ser também prisioneiro desse sonho (felizmente).


(imagem retirada daqui)

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