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O impasse, no que toca às drogas, é claro: Proibições, sejam elas legais ou não, não neutralizam desejos, mas sim os desloca como nos ensina o velho Deleuze. Se existe um desejo por parte da sociedade, especialmente jovens, de consumi-las e - e isso é o que importa aqui - se no fim das contas disso resulta uma alta quantidade de viciados, a questão não se vincula de uma questão objetiva - apenas a natureza de tais substâncias -, mas também de uma questão subjetiva, por que tantos jovens estariam viciados em drogas? Porque desejam usa-las e desejam muito - e são os desejos que produzem nossas necessidades e não o contrário, pois se assim fosse, não teríamos como desejar o nosso próprio mal.
Não adianta surgir com argumentos racionalistas que apontam esse desejo como algo absurdo, posto que usar drogas não seria fruto da real necessidade humana, o que faria com que caíssemos num vazio no qual quem consome compulsivamente drogas é iludido, ignorante ou imoral - em suma, eu sugiro que abramos mão de Kant uma vez mais, camaradas. Deseja-se muito consumir certas substâncias porque vivemos numa sociedade cuja dinâmica impele grupos imensos de nossa sociedade a tanto, do mesmo modo que grandes quantidades de pessoas estão viciadas em comida, álcool, tabaco, internet e outras drogas perfeitamente lícitas.
Portanto, não é sequer o escapismo o cerne da questão, mas sim como o Capitalismo, em sua particular forma de nos disciplinar física, psicológica e socialmente, faz com que as pessoas construam válvulas de escape na qual externam, de forma violenta, seu desejo reprimido, o que por vezes equivale a um vício, a um comportamento compulsivo. Em alguns casos, chegamos à fuga da realidade, no qual o consumo de álcool, maconha, cocaína e outras substâncias mais, acabam se tornando objeto dessa compulsão. No caso das drogas ilícitas, isso move um mercado, ou melhor, um compartimento seu, que articula tais demandas. O Mercado depende da lei, mas pode funcionar a despeito dela. Surge o tráfico e ele abastece tais usuários, movimentando uma boa quantidade de recursos, envolvendo os aneis burocráticos e movimentando, vejam só, até o mercado de armas de forma residual à sua atividade principal.
Em um país como o Brasil, onde suas grandes cidades são a expressão perfeita e acabada, em termos urbanísticos mesmo, da enorme desigualdade social - que opera enquanto processo dinâmico - reinante, essa conjuntura chega a um estado alarmante. Num lugar como o Rio de Janeiro, cuja história e geografia colaboram para piorar a situação, a coisa pega fogo. As favelas ficam nos morros, o tráfico mantém o controle dessas regiões e o Mercado - sempre ele - articula uma nova situação, a demanda de segurança nessas comunidades é suprida pelo surgimento das milícias - na península itálica do início do século 19º foi o mesmo: Os soldados desgarrados do exército napoleônico roubavam, estupravam e matavam, até que homens de bem se organizaram e passaram a vender serviços de segurança privada, foram-se os soldados, e a futura Máfia passou a vender serviços de proteção...de si mesma.
Por outro lado, a erosão não só do controle do Estado como do próprio espaço público, por forças privadas completamente imprevisíveis, criam uma situação preocupante nas favelas, em relação a qual não se pode raciocinar com maniqueísmos vários. O fato é que o tráfico só é confrontável por meio de ações de inteligência no que toca a lavagem de dinheiro, ainda que ele só seria derrotado realmente no dia em que as drogas fossem liberadas mesmo, por, digamos, perda total do objeto.
A questão em tela, portanto, não pode ser vista como confronto ao tráfico, isso não passa de um álibi: Estamos diante de uma batalha pela retomada de certo espaço territorial perdido pelo Estado, em relação ao qual ele não prescinde por conta das Olimpíadas - não é, portanto, sequer criminalização da pobreza no combate ao tráfico, posto que não é combate ao tráfico, é luta pela hegemonia territorial pura e simples. Isso não necessariamente é ruim, mas evidentemente não é a solução do problema - nem o maior deles que envolvem essa questão -, assim como não é menos perigosa a maneira como o militarismo pode ser usado no imaginário das pessoas. De todo modo, que fique claro: o abismo aqui é muito maior e já foi aberto bem antes e diz respeito ao esgotamento social e psicológico que o nosso sistema econômico produz.
O tráfico de drogas e "crime organizados", na forma de milícias, é apenas a ponta do iceberg do problema do Rio, de todo país, mas neste momento mais evidente no Rio.Concordo com a sua colocação ao final, se a compreendi corretamente; acho que o problema lá é o conflito de formas de políticas, a estatal e a parestatal (não acho que seja a expressão correta, mas enfim).Há muito o estado do Rio, vem perdendo espaço e controle do território para as "organizações criminosas".E por sua vez,a sociedade civil, supõe que a interferência dos militares venha a melhorar a situação; a curto prazo e talvez; equivocadamente possa resolver, mas a médio e longo prazo a permanência dos militares suponho que venha a gerar problemas que vão desde a competência das polícias até de tensões com a própria sociedade civil.O problema do Rio é realmente uma coisa nebulosa, apenas com o efetivo interesse do Estado não e tão somente em se reprimir algumas práticas, mas o investimento maciço em políticas públicas poderão mudar este caos que lá se apresenta...E o principal repensar em segurança pública, sistema penitenciário, acesso a justiça e tantas outras coisas que cada dia se tornam mais indispensáveis.
ResponderExcluirBeijo!
Sim, Ma. e por aí. É uma luta pelo domínio territorial entre organizações que querem monopolizar a força nela - e confronto entre o estatal x paraestatal é cabível. Estamos debatendo quem vai exercer o mando e para que. Temos a transformação do Rio em cidade olímpica, sede do principal espetáculo esportivo global, o que demanda o próprio Estado repensar a sua política de controle e do que ele pode abrir mão ou não. Isso cria esse rebuliço. A questão das drogas paira, afinal, as relações de poder como são travadas naquelas comunidades decorrem, inevitavelmente, da existência dessa conjuntura descrita - e do aparato bélico do tráfico -, mas ela não é o que está em jogo realmente aqui e agora. É evidente que entre o Estado tal e qual ele é hoje - que pela dinâmica da luta de classes - é obrigado a abrir certos espaços e, entre ele e o tráfico, eu prefiro que o Estado assuma o controle, não que isso seja solução para nada, é uma questão tática mesmo.
ResponderExcluirbeijo