A Televisão é o meio de comunicação chave para entender a política e a sociedade de um era que está por terminar. Seu poder é imenso: Um aparelho que transmite sons e imagens em movimento simultaneamente, em forma de monólogo do transmissor para o receptor e que não demanda, curiosamente, ser instalado em praças públicas, mas pode - como deve - perfeitamente estar alocado confortavelmente nos lares das pessoas. O modo de comunicação que a Televisão executa não é novo, trata-se do que o Cinema faz, apenas com a pequena - e agudamente profunda - diferença de que ela, ao contrário das telas de cinema, pode ser colocada no mais íntimo espaço privado de convivência, longe das massas e das praças públicas.
A Ideologia caminha lado a lado com o conceito de imagem e, por óbvio, habita o campo da imaginação; ideias (na verdade, figuras elevadas ao expoente) articuladas discursivamete como forma de revelar o que interessa e esconder o que não importa para a execução de um projeto de poder - a televisão, por natureza, opera como uma máquina essencial para a difusão da ideologia, cortando fluxos de imagem que desaguam no ambiente familiar. E se a ideologia nasce sob os auspícios da Revolution, a Televisão ganha proeminência nas sociedades industriais tardias e nas sociedades pós-industriais; de Washington a Pequim, de Londres a Buenos Aires, a Televisão, o sistema de televisão, é edificado em ritmo alucinante.
O custo da Televisão faz com que, em tese, grande parte do mundo não se justificasse sua instalação. Nem por isso a segunda metade do século 20º deixa de ser marcado por um esforço brutal em expandir o sistema de televisão. A participação do Estado ou das grandes corporações está clara e é pressuposta nessa expansão. Com o Brasil não é diferente, surge um modelo que ao mesmo tempo em que está nas mãos do Estado, se dirige a famílias de oligarcas da comunicação social e que aqui, por sua vez, reproduzem um novo tipo de oligopólio e se articula na promoção dos interesses - não só comerciais, mas também políticos e sociais - das grandes corporações.
O pioneirismo de um Chateaubriand (foto) se dá num momento de incertezas, quase pré-histórico, da frágil experiência democrática que, mais tarde, saberíamos ter sido apenas um pequeno hiato entre o Estado Novo e a Ditadura Militar. O sistema brasileiro toma corpo com os cortes feitos pela Ditadura Militar que modela quem dá as cartas na mídia tradicional e determinará quem serão os encarregados pela difusão da notícia. Foi a modelagem definitiva de quem fazia parte do "time" - do aparato do oligopólio midiático - e quem teria o maior quinhão na exploração da jóia da coroa, notadamente, a TV.
Não resta a menor dúvida da importância de uma Rede Globo na construção de um Brasil que interessava à Ditadura. Aquele Brasil mostrado segundo o padrão Globo de qualidade para milhões e milhões de pessoas era, na verdade, a criação de um Brasil que interessava ao status quo ou, no máximo, ao acessos de lampedeuzianismo da elite. Pouco importa se a TV nas mãos está nas mãos do Estado, o oligopólio toma por impossível que a oposição, chegue, alguma dia ao poder; anos mais tarde, quando Hugo Chávez não renova contratos de concessão na Venezuela, a luz vermelha se acende no Brasil, durante anos alimentou-se um modelo todo concentrado na mão do Estado, mas não se supunha que um dia, os ocupantes do poder não seriam necessariamente seus aliados - e naquele momento, quem ocupa o poder no Brasil é o jovem governo petista.
A TV foi e continua sendo um meio que, do ponto de vista comercial, jamais representou grande coisa. As familias que se beneficiam das concessões estatais, na verdade, tinham nas mãos um instrumento que lhes garantia ganhar dinheiro por outros fins, o poder da informação, o da construção e da desconstrução de mitos, que lhes permitia certa proeminência e negócios promissores em outras áreas, desde que cumprissem o seu dever. O Brasil pré-Lula ainda é marcado pela proeminência de uma TV Globo, com o SBT, uma rede de entretenimento aparentemente inofensiva operando em um nicho de mercado e a Record, uma canal antigo, cuja concessão foi negada à Central Única dos Trabalhadores para ser dada a - aparentemente - inofensiva Igreja Universal do Reino de Deus - que, acabou por construir um modelo que visava ao topo da comunicação televisiva.
Por outro lado, canais de TV de famílias alinhadas como a Bandeirantes - que sobrevive até hoje numa posição minoritária - e a Manchete - da família Bloch - já falida, jamais conseguiram se afirmar nesse cenário. As TV's estatais nunca conseguiram fazer a tão sonhada passagem para um esquema público - mais ou menos como a BBC -, a TV Cultura de São Paulo, sucateada por quase duas décadas de governos tucanos e a TV Brasil - tratada em segundo plano pelo Governo Federal - são exemplos disso.
A derrota do candidato global, José Serra, em 2002, marca a ascenção, pela primeira vez na história, de um não-aliado da Globo ao Poder, muito pelo contrário, falamos do detestado Lula, que foi por ela prejudicado nas eleições de 1989. Ainda assim, o Ministério das Comunicações permanece sob controle de aliados da Globo, como demanda a realpolitk lulista e sua renovação de concessão é operada de modo mais suave do que pode ser supor; um evento, no entanto, se opera nas sombras e representa um golpe para uma Globo já em declínio de audiência: A Record ganha mais uma concessão de TV, nos moldes daquele que a Globo mantém a Globonews, o que é a gota d'água após ter perdido a disputa pelo direito de transmissão das Olimpíadas de 2012 para a própria Record.
Em um jogo no qual a benevolência do Estado é fundamental, uma Globo que já perdia sua parcela de audiência vai à guerra; A Globo não está, como não esteve, disposta a renegociar o seu estatuto, a despeito de seu progressivo encolhimento e, nas eleições de 2010, sua atuação é como de um Luís XVI da pós-modernidade, dada a maneira que entrou no front pró-Serrista, disposta a construir a trama mais pífia que fosse para atacar Dilma Rousseff, na campanha - e à Record coube tão somente a tarefa simples de desmontar sofismas, apontar contradições evidentes e assim herdar o espólio político das eleições; não a Record não precisou inventar que o balão de água que quase atingiu Dilma era, na verdade, coca-cola, do mesmo modo que a Globo transformou uma bolinha de papel num perigoso rolo de fita crepe, num acesso de ridículo e irracionalidade.
Ao passo em que o Plano Nacional de Banda Larga se desenha e a importância das redes colaborativas cresce, uma Globo que sabe o quanto seu poder se dilui na Internet - do mesmo modo que a Record - perde assim uma considerável força para negociar saídas que lhe deem a primazia dos bons negócios das últimas décadas de proeminência da TV. A célebre primeira entrevista da presidenta eleita Dilma Rousseff é para a Record, não para a Globo. Recado dado, os próximos anos serão turvos para a televisão dos irmãos Marinho. Do outro lado, o SBT de Silvio Santos, se esvai tardiamente com escândalos que permeiam todo o grupo, o que abre espaço para novas mudanças no mundo da televisão.
A democratização dos meios de comunicação, porém, permanece em aberto e os brasileiros continuam à mercê de alguns poucos canais de TV abertos, em torno dos quais se estrutura um jogo de poder político-partidário pesado que pode ter uma severa influência daqui a quatro anos.
Grande post Hugo!
ResponderExcluirVc sabe que eu discordo da justificativa da realpolitk lulista, mas tudo bem, não quero colocar isso em discussão.
Acho que um ponto que vc poderia ter destacado um pouco mais é que, talvez, depois desse pleito presidencial, a mídia televisiva de forma geral saiu bem abatida no critério de credibilidade.
Acho mesmo que algumas atitudes, principalmente da Globo, de tentar atacar de toda forma a Dilma fez com que as pessoas passassem a acreditar menos no que fala a TV.
É apenas um pensamento ainda mal elaborado meu, mas acho que nossa estrutura de comunicação (falo da TV, Rádio e Jornais) saem muito abatido dessa eleição nesse ponto da crença de verdade em suas notícias.
Nesse ponto creio que podemos ver um pequeno saldo positivo dessa campanha eleitoral, depois de tantos passos dados para traz em outras pautas.
Abraço
Ivan Sampaio
Ivan,
ResponderExcluirVeja, sobre a realpolitik lulista, meu posicionamento é de que ela está mais certa do que errada, o que não quer dizer que em tantos momentos ela se pretenda mais realista do que a realidade e pratique, nesses momentos, uma espécie de idealismo, uma, digamos, surrealpolitik. Poderia escrever mais sobre isso, mas me atenho aqui eu quesito da comunicação: Entregar as comunicações para gente de confiança da Globo e da grande mídia foi um erro, entregou-se um espaço e não se recebeu, ainda por cima, nada em troca em termos de governabilidade - ao contrário, a thcurma até transformou bolinha de papel em fita crepe.
Mas isso é muito diferente do que tínhamos há vinte anos atrás. O poder do discurso televisivo, os padrões postos pela própria estrutura de telenovelas e pelos telejornais eram lei, o que se enfraqueceu muito; houve um degeneração da credibilidade do discurso da Televisão e isso se operou tanto pelos absurdos dessa campanha quanto por alguns efeitos do Governo Lula: Houve uma ampliação extensiva da consciência política, o que se por um lado não era o desejado - e, digo mais, o possível -, por outro representou um avanço nos últimos anos que fizeram com que as pessoas não sucumbissem a ideais como a nocividade da participação do poder pública na administração da economia e nas crendices acerca de projetos de assistência social - por outro lado, as pessoas ainda são vulneráveis numa escala micro, sucumbindo a preconceitos e superstições, reproduzindo-as em escala eleitoral.
É preciso lembrar, inclusive, que o próprio PSDB nos anos 90 se estrutura num esquema que, apesar de manter o distanciamento clássico dos partidos brasileiros tradicionais em relação ao povo, faz, por meio de sua articulação com a mídia de massa, com que ele tenha uma voz para falar para o povo - sem que este tenha como lhe comunicar nada de volta -, o que lhe deu uma força eleitoral maior do que essa direita tradicional. Isso não é mais tão efetivo.
Para além disso, é preciso focar também nos aspectos objetivos da coisa, a existência da Internet, o crescimento das redes sociais e da mídia colaborativa enfraqueceu um bocado esse esquema. A Televisão ainda tem a primazia, mas a Televisão de hoje não é, nem poderia ser, a Televisão dos anos 80-90.
abração