sábado, 6 de novembro de 2010

O Novo Congresso Nacional

Para além da fragmentariedade e do esvaziamento habituais do nosso sistema eleitoral, as eleições legislativas deste ano produziram pelo menos três fenômenos interessantes: O aumento da bancada governista, o aumento da bancada evangélica e a mais profunda mudança de perfil da história do nosso Senado. Trocando em miúdos, a Presidenta eleita terá a maioria confortável que Lula não teve, questões de direitos civis devem ser tratadas com mais mal-vontade ainda - sim, o terrorismo da campanha serrista teve ainda o mérito de produzir um aumento sem muita qualidade da base governista, favorecendo os pequenos partidos evangélicos pró-Lula -, mas teremos um Senado bem melhor do que o anterior - talvez o melhor da nossa história...

Sobre o primeiro ponto, ainda que não haja uma correspondência exata entre os partidos e os parlamentares, 310 dos 513 deputados federais eleitos são de partidos que participaram da coligação que elegeu Dilma Rousseff - enquanto apenas 136 são de partidos que estiveram na coligação de Serra, ainda que se ressalve o fato de que nessa conta entra o PTB de Roberto Jefferson, que teve uma participação controversa do início ao fim dessa campanha, sem ele, estaríamos falando de apenas 115 deputados.  Tirando os 15 deputados verdes - que não têm posição clara nessa história toda - e os 3 do PSOL - que farão oposição ao Governo pela esquerda -, vemos algo entre 70 e 49 deputados de partidos (a variável aqui diz respeito ao PTB) que não integraram nenhuma coligação presidencial (ou nenhuma relevante) e representam o que há de mais fisiológico na política nacional, tendendo a votar com o governo em troca de emendas parlamentares. No Senado, o PMDB fez 16 cadeiras e se manteve com 20 na dianteira da casa; o PT fez 11 senadores e terá 13 no total, são as duas maiores bancadas daquela Casa. No total, são 2 senadores do PSOL, 49 senadores governistas, 20 da oposição e 10 de outros partidos (na verdade, as bancadas do PP e do PTB) que deve se dividir.

Em outras palavras, o governo conseguirá passar tudo aquilo que ele entende por correto no âmbito da gestão formal do Estado, mas certamente esbarrará em limitações no que toca reforma agrária - que só sai de acordo a demanda atual caso a Presidência chame para si a responsabilidade do jogo - ou questões de direitos civis. Grosso modo, as igrejas evangélicas têm se organizado cada vez mais partidariamente e foi também com a aliança desses então micropartidos que Lula em 2002; uma figura como Crivella, debaixo do guarda-chuva do Governo Lula, apoiou medidas de desenvolvimento econômico e de incorporação de direitos sociais ao passo que se manteve - naturalmente - numa posição conservadora aos direitos individuais, em suma, tudo leva a crer que o combate a fome e a miséria deve continuar avançando ao passo que temas como casamento gay e descriminalização do aborto devem ficar mais distantes.

O crescimento de PR, PRB e PSC nessas eleições são, em grande parte, fruto da propaganda desastrada de Serra, que ao tentar desconstruir a figura pessoal de Dilma e do PT por meio de uma retórica fundamentalista, pode ter tirado votos também do PT no legislativo, mas não tirou da base lulista, em outras palavras, Serra provavelmente colaborou para o aumento da base situacionista - às custas até mesmo de seu partido, cuja base parlamentar diminuiu, apesar de ter chegado ao segundo turno da eleição presidencial - fortalecendo os partidos evangélicos; Dilma assim terá uma base parlamentar grande, mas heterogênea, que acompanhará a pauta do Governo - que dita, na prática, o ritmo do Legislativo  -no âmbito social, mas tenderá a vetar pautas no âmbito individual. O desempenho petista, muito embora tenha lhe valido o primeiro lugar na Câmara, foi bem abaixo do que se esperava, em parte pelo clima das eleições, em parte por falhas na campanha mesmo e em outra parte pela falta de palanques fortes nas disputas para governador. Eu me surpreendi também com a perda de deputados por parte do PSDB, esperava a estabilidade da bancada em torno dos 65 cadeiras anteriores, mas a perda de quase 20% delas foi espantoso - o mesmo não se pode dizer do DEM, cuja decadência já é favas contadas eleição a eleição.

Sobre o Senado, em um primeiro lugar, temos muito a comemorar e isso diz respeito a quem saiu de lá. Mais do que uma casa de oligarcas que pouco ou nada colaborou para o desenvolvimento do país, a nossa Câmara Alta tornou-se nos últimos anos um reduto de figuras folclóricas, grotescas e ciosas por aparecer na mídia a qualquer custo, geralmente batendo no Governo Lula. Enquanto figuras como Heráclito Fortes, Mão Santa, Arthur Virgílio, Sérgio Guerra e quetais (todos derrotados, menos o último que estrategicamente se candidatou a deputado) se utilizavam dos holofotes de maneira bisonha, outros como Eduardo Azeredo articulavam nas sombras coisas como o AI-5 digital (Azeredo acabou não sendo indicado ao Senado, em seu lugar entre Aécio Neves...). Outros, como um Romeu Tuma (falecido recentemente não sem antes ser derrotado nas urnas) apoiava taticamente um Governo que não representava sua forma de ver o mundo. Bons nomes continuam por lá, como Paulo Paim do PT-RS - que conseguiu a reeleição -, enquanto Gleisi Hoffmann foi a primeira senadora eleita do Paraná, Marta Suplicy, ex-prefeita de São Paulo e ícone na luta pelos direitos civis venceu em São Paulo, enquanto no Nordeste, praticamente todos os estados elegeram senadores de esquerda ou progressistas - exceto pela reeleição do inefável Agripino Maia. No Norte do país, a eleição de Vanessa Grazziotin sobre Artur Virgílio foi, sem dúvida, o fato mais relevante.


Por fim, elas por elas, o resultado das eleições foi positivo, ainda que estejamos bem longe de resolver a problemática do funcionamento do Legislativo e do vício de sua relação com o Executivo. A Reforma Política que se avizinha pode melhorar o sistema eleitoral, mas pouco importa se não houver, antes de mais nada, uma reforma do sistema político-partidário, obrigando que o princípio democrático seja cumprido internamente, exigindo prévias e processos de escolha de candidatos de forma transparente. O Senado segue sendo, em si, um problema, embora materialmente ele tenha dado um considerável salto de qualidade - em um país onde os municípios são considerados entes federados, é equívoco supor que precise existir uma Câmara Alta com representantes dos estados e do Distrito Federal, o que além de ser um má justificativa, também só produz mais burocracia no Processo Legislativo. Dilma terá uma relativa tranquilidade para governar, mas olhemos para os limites disso.










3 comentários:

  1. Oi Hugo!
    O aumento constante das bancadas religiosas é um fato desde bastante tempo atrás. Da mesma forma que as bancadas ruralistas, que se agrupam em torno do DEM - mas não são restritos a este partido -, o agrupamento dos parlamentares em torno de temas supra-partidários é uma realidade no processo legislativo brasileiro e, na minha opinião, não necessariamente um defeito visto que esses interesses são explícitos nas campanhas eleitorais e abarcam também temas caros prá sociedade progressista, como o ambientalismo.

    Ao contrário, o looby Daniel Dantas é um looby feito nas sombras, e é, com certeza, motivo para comemoração a não-reeleição de todos aqueles senadores que citastes.

    Concordo contigo que a reforma política é o melhor caminho para favorecer a ascensão dos melhores nomes dentro dos partidos, e não aqueles com padrinhos mais generosos. Agora, ninguém propõe contra si mesmo. Como os parlamentares eleitos poderiam fazê-lo?

    Abraços.

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  2. Esqueci de dizer que acho a sociedade brasileira bem progressista e, havendo pressão da sociedade nas ruas na defesa de direitos individuais, como casamento gay por exemplo, há muitas chances de quebrar a resistência dos loobies religiosos.

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  3. Adriano,

    Antes de mais nada, creio que a Reforma Política não nascerá de uma vontade difusa da sociedade. É evidente que existe uma percepção quase que generalizada de que algo está errado no nosso sistema, mas o que e como é bastante incerto. É preciso uma vontade organizada, um discurso claro e racional e, infelizmente, dependemos bastante (mas não unicamente) dos partidos nesse exato momento, é o nosso sistema - e não é pensar que alguém vá ter de ir necessariamente contra os seus interesses para aprovar um Reforma Política decente, mas sim que os partidos e parlamentares abram mão de interesses pessoais privados que não deveriam existir.

    Aí, entramos em um problema maior e mais complexo. Reformas são mudanças no modo de funcionar de um sistema promovidas por...ele mesmo. Supor que é possível uma determinada reforma é o mesmo que dizer que existe, em estado latente nesse sistema, a capacidade de operar de outra maneira no momento em que ele mesmo reconhecer a existência de certa demanda. Pode ser até que o sistema não seja capaz de reconhecer certas demandas - não, o sistema político jamais conseguirá reconhecer todas as demandas, mas sua vida dependerá de ser capaz de reconhecer a maior parte delas e ser capaz de responder satisfatoriamente a maior parte do que reconhece.

    Claro, não somos escravos dos partidos e das instituições. Creio que não só podemos como é nosso dever nos organizarmos enquanto sociedade para pressionarmos o Governo do Estado. A construção de uma vontade organizada não-partidária é uma forma de furar certas limitações institucionais - o que não deixa de ser sistêmico também, só que na esfera jurídica, afinal, a nossa Constituição entende que a representação é apenas suplemento àquilo que não pode ser realizado por via da participação.

    Um dos pontos que tornava - e ainda torna, de certa forma - o PT num partido diferenciado, era aquele seu ímpeto de interagir com a sociedade civil organizada. Isso foi perdido nos últimos anos quando o partido, ocupando a Presidência da República, via-se pressionado por todos os lados para provar se era mesmo capaz de governar. Na medida em que isso está superado, é interessante pautar por fora - e por dentro - do partido de uma retomada dessa interação nessa zona entre o institucional e o não-institucional, em suma, sem desprezar de modo algum as instituições, fazer o PT voltar a se aproximar da sociedade. Um aprofundamento do institucionalismo pelas bandas do partido da estrela é a única coisa que pode trazer a direita de volta ao poder daqui a quatro anos e o PT tem de perceber isso.

    Sobre a questão dos direitos civis dos gays, concordo em gênero, número e grau contigo. Hoje em dia, o elemento que mais colabora para o avanço lento - para não dizer paralisação - dessa luta é o recuo dos setores que estão de acordo com o reconhecimento desses direitos - ou seja, todo mundo que tem consciência da questão, menos os grupos religiosos. Isso é uma coisa que pode se deve ser construída por nós todos. O que eu quis dizer no meu post é que essa configuração do Congresso dificulta o avanço dessa luta apenas por meios institucionais - o que dificulta sim a luta de um modo geral.

    A vantagem da direita religiosa atual é que ela, em certa medida, tem um caráter popular, logo, ela encampa parte relevante do projeto de desenvolvimento social encabeçado e projetado pelo PT. Isso tem pouco a ver com o fato dos evangélicos serem "pobres", mas pelo próprio modo de funcionamento das Igrejas neopentecostais e seu interesse quanto ao modo de funcionamento do nosso capitalismo. Existe, claro, um outro lado desses partidos religiosos que é mais preocupante do que se pensa.

    abraços

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