quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

O Terror do Consenso

Todos nós temos, pelo menos, uma cena aterrorizante na memória. A minha não remete a uma guerra, um desastre natural, uma tragédia pessoal ou algo do tipo; a imagem que não sai da minha cabeça, por sua natureza horrenda, remete à cena final do processo de cassação da imunidade parlamentar do então deputado Antonio Negri na Itália dos anos 80 - tal mandato de deputado conquistado pelo filósofo italiano foi o que, aliás, lhe valeu a soltura do cárcere, onde se encontrava por conta da condenação (inacreditável) na qual fora apontado como "mandante moral" do assassinato  de Aldo Moro e, ainda, ser um dos líderes das brigadas vermelhas além de ter sido acusado de usar seu cargo de professor universitário para corromper os jovens (isso não lembra vocês de algo, não?). A votação transcorria tensa até a derrota de Negri, que saiu cabisbaixo do plenário com olhar mortificado, enquanto a turba ignara comemorava. Um gigante como Negri, de repente, estava de cabeça baixa, curvado pelos idiotas do consenso - e eu, que sou tão pequeno, tremo diante daquilo até hoje. Olhando para o Brasil atual, onde a contemporização é quase geral e grande parte dos jovens estão praticamente mortos por dentro - embora ainda caminhem por aí -, aquela cena ganha um significado especial, se ver cercado, ser curvado. Aquilo é o terror em pessoa para mim e é aquilo que parece se avizinhar na esquina logo adiante.

4 comentários:

  1. Salve, Hugo,

    A figura do consenso está cada vez mais adequada pra analisar o Brasil hoje. O Rio de Janeiro talvez tenha sido o protótipo desse consenso. Governos federal, estadual e municipal se concertaram à grande holding cultural-midiática (Globo), às empreiteiras, às imobiliárias, e formaram um blocão do "interesse público", embalado por zilhões de reais do PAC e do sistema financeiro, sob o slogan das olimpíadas e do futuro. Isso atropela os pobres: varridos pra baixo do tapete, removidos injustamente, excluídos da partilha, --- por mais que a urbanização e os investimentos do PAC tenham também o seu (importantíssimo) saldo social.

    Esse consenso surdo e autoritário parece em franca exportação à esfera nacional, através do governo Dilma. Suas primeiras manobras por assim dizer soviéticas contornam o dissenso e centralizam o poder. O discurso da eficiência é endeusado. Gestão é oposta à democracia, numa disjunção exclusiva: ou...ou. Várias políticas de esquerda são bloqueadas por argumentos tecnocráticos, os mesmos que haviam sido desprezados pelo governo Lula.

    A lógica soviética se realiza pela acumulação das fichas, pela luta de hegemonia, pela tentativa de criar um enorme mastodonte de poder, --- só que sem efetividade. Formal e abstrato, operante pela representação e não pela expressão constituinte.

    O abstrato substitui o concreto e o poder, a potência. Um governo de centro-esquerda aponta o nariz para o centro. O navio, que nunca deu cavalo-de-pau, interrompe o lento movimento em curva, do governo Lula.

    Tudo pelo consenso, pelo fim da revolta, do conflito, da perturbação da ordem.

    Por enquanto, tudo está calmo e vai mal nesse governo.

    Abraço,

    Bruno.

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  2. Bruno: Não tinha como responder esse teu comentário sem escrever o post seguinte que dialoga com o que você disse aqui e com o post lá no Quadrado dos Loucos, a conversa sobre essa grande contemporização da política nacional é, hoje, O DEBATE da política nacional.

    abraços

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  3. Escrevi isso há tempos:
    "Glória da ciência nacional"

    Já quase aprendendo
    a viver quase sem comer
    vieram a falecer,
    restando aqueles que,
    arma na mão, disposição na cabeça,
    deram seus quatorze passos
    até Ribeirão das Neves,
    não sem antes dar a César
    esse medo que dá forma
    a esse ajustamento duro,
    esse consenso asmático
    de quinhentos anos:
    essa violência bruta
    companheira nossa,
    diária, fiel,
    nossa identidade
    maior nacional.
    Pergunte à esfinge
    brasileira média
    se bandido bom
    é bandido morto:
    a cabeça enterrada
    na areia fresca da praia,
    fazendo as pazes,
    vivendo em guerra,
    querendo não ver
    as vidas moídas
    da cana ao duro açúcar
    que se dissolve e adoça
    o amargor do café ,
    ela devora a isca.

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