terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

A Posição do Brasil diante da Revolução Árabe

O Chanceler Patriota em Caracas/ Reuters
É certo que a cautela, em matéria de relações internacionais, é o seu princípio primeiro, mas isso não se confunde com omissão. A posição da diplomacia brasileira quanto à confusão no Mundo Árabe não é boa, ela é terrivelmente evasiva. Uma coisa é não interferir na política interna alheia, outra é silenciar diante do descalabro. É uma linha tênue, mas é preciso saber diferenciar as coisas. Não, antes que se diga, não há simetria alguma entre este momento com a questão do Irã, quando o Brasil se eximiu de tomar posição nos protestos que tomaram o país diante do fato de Mir Moussavi ater alegado que a vitória de seu rival, Mahmoud Ahmedinejad, tinha sido fraudulenta: Por mais provável que fosse aquela afirmação, como dizíamos à época por aquiqualquer uma das variáveis não era boa, haja vista que qualquer um dos desdobramentos possíveis daquela situação não resultaria em uma democracia efetiva no Irã, sendo ambos favoráveis à Teocracia - uma aristocracia, na prática. Não havia motivo para tomar partido, ainda mais com Moussavi manipulando a seu favor interesses imperialistas do Ocidente. O momento atual é delicadíssimo, mas a eclosão das revoltas na Tunísia, cujo resultado foi a Revolução do Jasmim, surgiu de uma onda que é, frise-se, o maior movimento libertário e secular já visto no Mundo Árabe. O quadro atual naqueles países é de pobreza e opressão agudas, causadas por tiranias particularmente ineficientes e cruéis, todas a soldo do Ocidente, cujo destino é, cedo ou tarde, serem derrubadas por religiosos extremistas - os mesmo que se multiplicam a partir do messianismo religioso alimentado por aqueles mesmos regimes para, vejam só, pacificar as populações locais e não se confundem com a sociedade civil organizada nas ruas nesse momento. Grande parte do esquema europeu e, sobretudo, americano passam por aquelas ditaduras, fenômeno que se deve à incapacidade e covardia dos representantes do mundo civilizado em negociarem uma nova ordem mundial - o que fatalmente acontecerá, seja para melhor ou para pior -; falamos de um pilar de uma ordem que, a bem da verdade, não nos parece muito favorável, tampouco para o desenvolvimento da humanidade. Sim, o Brasil deve ser cauteloso, mas isso não se confunde com deixar de tomar posições mais claras e assertivas em apoio àqueles manifestantes que estão testemunhando com seus próprios corpos suas convicções libertárias.

Atualização das 00:03: Como o Guilhermé nos lembra lá embaixo, o Brasil recentemente reconheceu o Estado Palestino, um ato ímpar de grandeza e coragem que provocou um efeito dominó no continente - gerando reconhecimentos vários, inclusive do governado conservador do Chile -; não me venham dizer que isso não é uma declaração delicada, porque ela é - na mesma intensidade que é justa. Isso só torna mais incompreensível ainda uma posição mais clara no caso magrebino.

10 comentários:

  1. Não apoiar o movimento social que clama por democracia no Egito é decepcionante para toda e qualquer pessoa de esquerda. Incluo-me neste rol. Mas em se tratando de diplomacia...

    A bem da verdade, o espaço para uma agenda diplomática de esquerda é algo muito difícil de ser efetuada, dentro da lógica própria da diplomacia - o sistema não comporta isso. Talvez apenas Cuba com seus mutirões humanitários (saúde e educação) e esforços para libertar nações como Angola e Namíbia possa espelhar este paradigma.

    Se de um lado tivemos em todo o governo Lula uma ênfase substancial nas relações sul-sul, na integração latino americana, na integração do Brasil com a África, Ásia, não entendo a política de Lula e Amorim como diferente de Patriota e Dilma. É a mesma política em busca do assento permanente. Analisar a visita de Lula como chefe de Estado ao Egito (2003), mostra que ele teve o intento de abrir mercados, e não o de ajudar o povo Egípcio a se libertar.

    Hoje ao ouvir as palavras de Lula no FSM a respeito do Egito, senti muita alegria. Era um Lula sindicalista, sem a casca de chefe de Estado. Um Lula que levanta a voz claramente contra os Estados Unidos e a vilania sionista que massacra tantos Árabes. Um Lula impossível como chefe de Estado. É um Lula que não corre o risco de prejudicar o Brasil ao dizer as verdades.

    Não é crível no jogo diplomático ser um “cavalo-do-cão”, nem um lambe botas. Num jogo básico de morde/assopra (a natureza da diplomacia), o meio termo é importante. Ser evasivo é essencial.

    Infelizmente o papel do Egito dentro da geopolítica do oriente próximo é muito grande, para achar que os EUA e a Europa permitiriam de bom grado uma mudança de regime. É cômico, mas Obama (o exportador da democracia), não disse em qualquer momento o termo “Eleições Livres”. O Exército tem um papel no Egito tão primordial, que tudo indica que uma real mudança é impossível, friso.

    É o tipo de situação que se manifestar é danoso, ainda mais num início de governo. Dilma não tem o cacife de Lula. Ao me perguntar quais dividendos uma manifestação traria, só consigo imaginar a antipatia do regime Egípcio (os poderosos militares egípcios não largarão os ossos – poder interno e financiamento yankee); retaliações dos EUA/Europa num momento em que estamos vulneráveis, vide as idéias de Sarkozy; e por fim um bom pano pra manga, a faca e o queijo para uma imprensa reacionária que está nervosa por não ter do que falar. Todos dividendos negativos.

    Saudações Fraternas!

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  2. Tiago,

    Como eu ressaltei, não desejo ver o Brasil lançando-se numa aventura quixotesca, mas é preciso mais firmeza sim, ainda mais com gente morrendo nas ruas. Ninguém está pedindo nada demais ali: Democracia, eleições livres, quem sabe alguém dignidade na política econômica. Sim, de fato, o quadro em tela mostra um lado particularmente mais bárbaro da política externa norte-americana, posto que sua atuação ali é tão hedionda que passa pelo apoio a ditaduras pestilentas e enferrujadas, mas isso só mostra o quanto a crítica dessa situação é defensável da nossa parte, não o contrário. Se não somos capazes de fazer uma declaração quanto a isso, aí, é melhor repensar porque temos um corpo diplomático tão grande.

    abraço

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  3. A revolução de Nasser foi o maior movimento árabe.
    É decepcionante a falta de uma posição clara do governo brasileiro, q possui tantos interesses na região, e q acabou de reconhecer o estado palestino.
    Tamanha é a contradição em reconhecer o estado palestino e se omitir sobre o cadente regime que atravanca a efetiva implementação desse estado.

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  4. Eu tenho dúvidas sobre o tamanho e a influência da Revolução de Nasser, mas eu você fez bem lembrar o reconhecimento do Estado Palestino pelo Brasil, ora, isso era muito mais delicado - olha o efeito dominó de reconhecimentos que isso gerou - do que simplesmente repetir a platitude que um cara que está há trinta anos no poder como Mubarak está, ainda mais reprimindo violentamente os manifestantes, tinha mais é de renunciar ontem - ou no mínimo parar a palhaçada e respeitar os manifestantes.

    abraço

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  5. Hugo, permita-me ser chato e espernear!
    Qual o efeito de reconhecer o Estado da Palestina, quando a própria representação palestina implora em joelhos apoiados num chão coberto por grãos de milho misericórdia, entrega todos os territórios abrindo mão das linhas originais? Vide cables...
    É um ato simbólico.
    A Palestina INFELIZMENTE é apenas uma utopia. Não deveria! E quem vive sem utopias? Com certeza nem eu, e nem você!
    Mas quem apóia a revolução dos Nobres? Que eu saiba o Irã. Provavelmente a Venezuela, a Coréia do Norte e outros Rogue States.
    Eu já fui um entusiasta da diplomacia, já sonhei com o Instituto Rio Branco...
    Quando Democracia, eleições livres, quem sabe alguma dignidade na política econômica implica mexer com o canal de Suez, com Israel, com todo o petróleo transportado por lá, e com o segundo maior exército do oriente próximo, há de se ter calma.
    O exército egípcio e as suas muitas facções é o cerne da questão. Necessidade do regime, admirados pelo povo, financiados pelos EUA.
    O correto seria apoiar a revolução. Seria condenar o Regime do Egito. Pedir sanções na ONU. Denunciar às cortes internacionais de Direitos Humanos. Eu concordo e apoio plenamente tudo isso. Mas entre o correto e o possível, existe a diplomacia.
    E o Vinicius entre ser diplomata ou poeta acabou sendo o parceiro do Tom Jobim...

    No campo do dever ser, eu não discordo de ti.

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  6. Logo que assumiu, Dilma deixou claro que iria se pautar pelo respeito aos direitos humanos, por mais abstrata que possa parecer tal declaração. Historicamente, os direitos humanos são pauta dos debates internacionais apenas quando é do interesse dos EUA e de aliados, enquanto flagrantes violações em países aliados – Arábia Saudita, Israel, Marrocos, etc – são sumariamente ignoradas ou sufocadas.
    Ao assumir os direitos humanos como pauta principal Dilma e Patriota colocam em perigo toda a longa negociação feita no governo anterior com o Irã que, apesar de violar sistematicamente os direitos humanos, vem sendo pressionado por motivos outros, ligados apenas ao interesse dos EUA em garantir a segurança de Israel e não por vontades democráticas.
    Amorim e Lula buscaram balancear soberania nacional e direitos humanos, criticando aspectos da política interna de alguns países, mas não aceitando intervenções por motivos outros. A idéia era a de buscar encontrar saídas negociadas até que as opções se esgotassem. Agora, porém, Dilma parece adotar o tom paternalista de países que costumeiramente violam os direitos humanos de seus cidadãos, mas se sentem no direito de ensinar lições.
    Como de costume, apenas países de terceiro mundo costumam ser censurados por supostos desrespeitos aos direitos humanos – enquanto países europeus como França e Espanha abusam sistematicamente de seus imigrantes e minorias – em organizações internacionais. Desta forma, Dilma e Patriota estariam literalmente jogando no lixo todo o trabalho de aproximação e apoio feito em anos anteriores e toda a guinada ao terceiro mundo que nos colocou no mesmo patamar de potências.

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  7. Tiago,

    Então discordemos de um todo amigavelmente: Não creio em bipartição da realidade - um campo do dever ser paralelo ao do ser, isso é um kantismo extemporâneo, não? Eu, pelo menos, não confundo o povo palestino - e suas necessidades - com seus representantes - por essa perspectiva, seria contrário à autonomia brasileira também -, o que existe em meio a toda aquela situação é que a Palestina infelizmente é uma distopia, uma úlcera que corrói o Oriente Médio prestes a estourar com consequências muito mais graves do que as atuais. Quanto ao país X ou Y ser considerado rogue state, venhamos e convenhamos, isso em relação ao consenso internacional - o mesmo que reabilitou Kadafi, o mesmo que silencia sobre a Arábia Saudita -, honestamente, essa categoria me parece completamente inválida para o estabelecimento de qualquer crítica. O Brasil acertou ali ao se pôr, enquanto grande nação que é, em favor de uma população pobre que está simplesmente sitiada por uma potência (nuclear, provavelmente), mostrando que há limites dentro do jogo internacional e de que não há paz duradoura - ou mínima, que seja -, sem o mínimo respeito a outros povos. Sim, entre o correto e o possível existe a diplomacia, que pode ser exercida de vários modos, com cálculos certos ou não. Vivemos sob uma ordem que está a desabar, contemporizar com ela - coisa que não aconteceu nos últimos oito anos - é contemporizar com a própria decadência, repetindo um surrealismo político que já levou a humanidade a situações graves.

    abraço

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  8. Tsavkko,

    O Direito, seja lá ao que ele se referir, é uma construção ficcional, um jogo da consciência que funciona como sistema físico e serve para garantir a nossa convivência, mas é claro que ele acaba enevoado por uma nuvem ideológica - pelo menos desde Kant e sua construção tão horrenda quanto sofisticada -, onde ele é reduzido a uma abstração com o intuito de afastar o potencial aplicador da consciência do seu funcionamento prático em meio à sociedade e, também, para tornar esse aplicador um sujeito suficientemente insensível - frente a dor que o cumprimento ou aplicação da Lei pode resultar para si mesmo ou para outrem.

    Nesse sentido, mesmo uma construção notável como a dos Direitos Humanos - fincada no Direito Natural e que não quer dizer outra coisa senão que o discurso jurídico produzido pelo Estado não é absoluto (resultando em um discurso jurídico às avessas) - acaba podendo ser apropriável e cinicamente utilizável, dada à maneira abstrata como o Direito é ensinado/compreendido.

    Naturalmente, isso se torna um perigo em um ambiente político no qual se omite seletivamente as páginas negras dos amigos, mas não se faz com a dos inimigos. Um discurso de defesa dos Direitos Humanos em matéria de política externa precisa ter bem claro a concretude das relações internacionais e, acima de tudo, precisa adotar como princípio de aplicação do "um peso, uma medida", do contrário cai no vazio ou no cinismo - da aplicação ou da mera reprodução desse humanismo seletivo da "civilização".

    No caso do Irã, as coisas são piores porque Ahmedinejad é atacada só e somente só por sua postura linha dura com o Ocidente, não por seus (graves) defeitos - a oposição iraniana, que cinicamente se utilizou disso nas últimas eleições presidenciais é, inclusive, mais radical do que ele e mais ligado ao clero. Cair nesse jogo de absurdismo e indignações seletivas - o que não se confunde com assumir uma linha crítica sobre vários itens -, seria um erro grave, sem dúvida - mas sobre isso, prefiro aguardar um pouco mais. No caso egípcio é preciso adotar mesmo um discurso sério e duro sobre as violações.

    abraços

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  9. Concordo que a reação brasileira é decepcionante. Isso porque manifestar discordância com uma repressão policial violenta que já matou mais de uma centena no Egito não é nem uma postura assim tão "arriscada". Independe de uma postura pró ou contra Mubarak em si. Protestar contra essa repressão brutal a uma manifestação de rua pacífica é o mesmo que protestar contra o apedrejamento de mulheres supostamente adúlteras ou a limpeza étnica nos balcãs ou os esquadrões da morte ou a tortura nas delegacias de polícia.

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  10. Sim, Paulo, o mínimo que se pode esperar é uma fala dura sobre as violações. Muito bom que a imprensa brasileira acredite que o Brasil deva se manifestar contra os excessos do sistema penal iraniano - e o Governo caminhe nesse sentido -, mas é importante um peso e uma medida, passar batido frente ao que se passa agora no norte da África é uma coisa tão pequena...

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