Grécia: a pequena criança levada para a terapia de choque depois de gritar que o Rei está nu. |
Como não cansamos de repetir por aqui, o óbvio nem sempre é evidente, mas ele é sempre revolucionário. A crise econômica mundial - sim, uma crise estrutural do sistema capitalista - avança. O agravamento dos problemas econômicos europeus e americanos chega a ser tão pedantes quanto foram previsíveis: um bloco econômico construído sobre um pântano e um grande instrumento artificial e inviável - o Euro - junto com uma superpotência perdulária e belicosa - a exemplo do Império Espanhol do século 16º e 17º como não cansa de usar como exemplo o americano Paul Krugman.
Embora não seja parte da UE, a Noruega também arde com o extremismo de direita |
A União Europeia sempre carregou em seu projeto originário defeitos sistêmicos cuja natureza permitia a qualquer observador mais atento considerar que, vejam só que espanto, uma vez alguma crise surgisse, os beneficiados do esquema iriam tentam montar uma porta corta-fogo para deixar as vítimas do incêndio à própria sorte. Dito e feito. Só que era igualmente óbvio que isso não daria, posto que todas aquelas nações compartilham o mesmo espaço econômico - ouviu frau Merkel? -, a crise de um, é crise de todos, ora pois - e se não é, passa a ser por efeito dominó.
Tabela do endividamento estadounidense |
Dos Estados Unidos, muito mais se pode dizer; um modelo de produção e consumo social, econômica e ambientalmente inviável acompanhada de uma política belicista para alimentar tudo isso - e se alimentar -, a parasitagem de setores arcaicos da indústria energética - também chamado de setor petroquímico - e um governo como o do pequeno Bush não poderiam dar em outra coisa: Um desastre. Mas é verdade que Bush tem lá a responsabilidade (méritos?) de ter antecipado o temporal quando resolveu cometer em dois anos, os erros que os líderes soviéticos levaram doze para realizar: o Afeganistão (2001) e o Iraque (2003) se aproximam muito da incursão soviética na Hungria (1956) e na Tchecoslováquia (1968) do ponto de vista geopolítico.
Por certo, também não falamos apenas de uma crise instrumental - embora linhas de fuga (ou melhor, gambiarras) sempre sejam um horizonte possível para o Capitalismo. Se pensarmos bem, a nova ordem desenhada nos anos 90, com países pobres usando de disciplina fiscal para acumular reservas estrangeiras, isto é, financiar o déficit dos ricos para que eles importam mercadorias, poderia funcionar para sempre. O problema é como isso criou uma bolha de consumo - e a reprodução do capital é incessante - nos países ricos mediante a injeção irreal de recursos no sistema financeiro dos ricos.
Mesmo em um cenário de estabilidade, a impossibilidade de universalizar o consumo dos ricos - e a impossibilidade dos pobres viverem sem a possibilidade dessa universalização dentro dessa relação - já seria uma contradição em termos claríssima. O fato é que essa estabilidade não era mesmo possível - ricos administrando pequenos déficits que seriam financiados pelos "emergentes" de quem importariam mercadorias baratas -, uma vez que o círculo vicioso do hiperconsumismo iria forçar os mais ricos a estourarem suas contas - seja por uma via militar (a guerra de conquista como elemento de aquecer a economia da sociedade do consumo e do espetáculo) ou pela saída "pacífica" optada pelas potências europeias (uma astúcia, sem dúvida).
Desenhado esse cenário, vamos ao que nos é mais próximo: e o Brasil com isso? Conseguimos, mediante esse jogo, internalizar a dívida pública eliminando, assim, a dívida externa e, ainda, forçamos o sistema ao limite, caminhando para a universalização daquilo que não pode ser universalizado por sua própria condição ontológica: a renda nacional da produção capitalista, ela mesma assim como inúmeros itens acessórios que formam o complexo da chamada "cidadania". É claro que isso teve um ônus pesado, inclusive a aquisição de títulos da dívida americana como forma de ancorar o processo de pagamento da dívida externa - num processo que ela foi recomprada pelo nosso sistema financeiro, então o que era "dívida externa do Estado brasileiro" passou a ser apenas "dívida pública do Estado com, afinal de contas, jurisdicionados seus".
Hoje, o perigo que se projeta de forma iminente é, justamente, o de que os títulos da dívida americana que nós temos, graças à perspectiva de calote americano - por conta da Lei que proíbe os EUA de elevarem o patamar de dívida para mais do que 100% de seu PIB, o que os forçaria a dar um calote na dívida ou não gastar com a sua própria manutenção -, pode virar pó. É claro que o Brasil errou ao manter suas reservas quase que exclusivamente em dólares, mas quanto a isso, as coisas não são tão simples (1) pela bolha de confiança criada nos EUA nos anos 90, os títulos da dívida americana era o caminho menos arriscado para ancorar o processo de eliminação da nossa dívida externa; (2) pressões políticas forçam países emergentes a financiarem o déficit americano, por incrível que pareça, só a Venezuela de Chávez não cometeu esse erro (mas não de forma indolor, como sabemos); (3) de todo modo, toda a economia mundial está ancorada no dólar e na economia americana, direta ou indiretamente.
Lula nunca teve a margem de manobra que um Chávez teve - assim como grande parte dos árabes tiveram, mas não fizeram bom uso -, uma vez que em seu mandato ele não dispôs do mesmo superávit na produção petrolífera que seu colega - ainda que tenha aumentado a produção nacional de petróleo e, ainda, tem promovido as reformas necessárias para que a petrolífera brasileira (uma sociedade de economia mista, isto é, uma empresa com controle acionário estatal, mas com parceiros privados) pudesse descobrir a reserva do Pré-Sal. O petróleo venezuelano, apesar de mal administrado até bem pouco, deu aos nossos vizinhos a estabilidade nas contas externas que nunca tivemos - nem ainda temos. O Brasil tem títulos da dívida americana que de papéis mais seguros do mundo, agora são uma bomba relógio.
É claro que se isso expõe a nossa economia no curto prazo, por outro lado, o Capitalismo, na sua eterna reorganização e atualização aponta saídas: com o calote americano, depois do choque, para onde iriam os fluxos de capitais? Nesse sentido, o Brasil sofreria um choque brutal como toda a economia do globo, mas novamente teria mais chances de colher dividendos disso se souber continuar a investir no seu mercado interno - como os chineses habilmente têm feito, embora essa inversão das turbinas da economia do País do Meio (de economia exportadora para economia centrada no próprio mercado) tenha limites, a um primeiro olhar, políticos, uma vez que não são pouco tecnocratas que temem a recomposição dos salários dos trabalhadores locais, o que operaria mudanças políticas pesadas no país e já pode até mesmo influir no processo de sucessão do Presidente Hu Jintao .
Portanto, de um ponto de vista nacional, a crise em tela traz menos problemas para o Brasil do que se pensa. Isso pode ser, inclusive, até um incentivo para que, no pânico, certos nós górdios caprichosamente dados pela nossa elite, sejam desfeitos - assim como 29 serviu para, depois do abalo, ser a causa do fim do entrave à nossa industrialização. Por essa perspectiva, se Dilma e o PT souberem se aproveitar da situação como Vargas, de certa forma, soube, nenhum problema - mas as coisas insistem em ser mais complicadas.
O grande problema é que o tal "capital produtivo" sobrevive do "capital financeiro", eles não são excludentes entre si. O especulador da bolsa é uma mera consequência - nem a mais preocupante, muito menos a mais danosa - da construção de um aparato financeiro capaz de realizar o valor da produção. O problema é que a existência de um setor com tanto poder quanto financeiro sempre abrirá a janela para a desregulamentação e o surgimento da bolhas de ar na corrente sanguínea do sistema. Em outras palavras, o Brasil tem um problema imediato e objetivo que é com suportar a onda de choque - que tardando ou não, virá -, como se adaptar ao novo cenário e, depois, como mesmo superado isso, escapar ao esquema de escravização do sistema.
As incongruências do sistema, a constante aparição de crises cíclicas, podem ser resolvidas por um Estado cada vez maior que promova uma engenharia jurídico-econômica no Capitalismo. O futuro, aquele maravilhoso produto da nossa imaginação, se insinua com caminhos vários daqui em diante: um deles pode ser mesmo a barbárie, outro pode ser a construção de um tipo de Estado semelhante ao que os positivistas imaginaram um dia; uma máquina tecnocrática gigantesca que nos move para o futuro, no qual toda liberdade é dissipada e a ordem nasce como premissa maior de um sistema progressista - que promoveria o constante desenvolvimento técnico e científico que aprimoraria o padrão de vida.
Em um momento no qual os riscos são tantos, a recomposição da soberania do Estado sobre a economia acaba se tornando uma necessidade tática frente ao vendaval, os riscos disso ser uma armadilha que nos jogue em um futuro huxleriano são enormes; um novo leviatã, híbrido pela necessidade de ser adaptável, e global poderia ser a saída encontrada. Hoje, a esquerda se prende na necessidade da regulamentação do sistema financeiro - coisa que o pânico ajuda a avançar em países governados pela centro-esquerda como o Brasil -, de recomposição do espaço público - por vias estatais, pois afinal é o que está à mão -, como arma de desmontar a bomba-relógio liberal das últimas décadas na qual os privilégios - no sentido de "lei privada" mesmo - passaram a ditar os rumos da economia assim como a propriedade comum passou por um processo de desconstituição.
Isso não está errado, embora essa plataforma precise ser mais bem delineada, o cerne da questão se encontra no fato de que, embora isso tenha de ser levado a cabo, é preciso considerar que isso requer um, digamos, sentido histórico. Qualquer saída que se apoie no Estado como fim em si mesmo ou meio necessário e inquestionável para se atingir um fim ideal - o velho etapismo leninista - tende à sua própria corrupção. A construção de um Estado grane à keynesiana não é saída, uma vez que vai-se embora o Direito e fica só Estado, cada vez maior, como vemos hoje, o velho fazer isso para só depois fazer aquilo de Lenin e dos velhos Bolsheviks é o velho equívoco de condicionar a Liberdade ao Amanhã, o que a conjura perpetuamente do Aqui-Agora.
É preciso escapar à catástrofe e tentar não pagar um preço alto demais por isso.