quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Plebiscito Latino-americano contra as Bases dos EUA na Colômbia

Eu não deixo de achar curiosos debates onde a questão da chamada "soberania nacional" é ponto de partida. O Tsavkko narrou no blog dele um debate no Twitter desse gênero sobre a proposta de Evo Morales sobre um plebiscito latino-americano sobre as bases estadunidenses na Colômbia. Eu ia escrever um comentário sobre isso, mas como ficou longo demais eu fiz uma análise sobre a questão usando método tópico, isto é, enxergando o problema por perspectivas diferentes para resolvê-lo. Usei a visão de três pensadores: Marx, Hegel e Kant.

(I) Para Marx, uma análise minimamente razoável do que é um Estado-nação leva a assertiva de que ele nada mais passa de uma criação ideológica da burguesia que chegava ao poder - e buscava criar uma forma de organização política de aspecto patriarcal para satisfazer seus interesses. Cientificamente, não o Estado-nação não existe realmente, apenas ideologicamente - e só continua a existir porque enquanto as forças motriz reais do Capitalismo Global ainda não convergiram em torno da forma exata que uma super-estrutura global deve ter. Por ora, o Estado-nação não é mais um estrutura estrategicamente necessária para a existência do Capitalismo, tratando-se de algo, à luz da conjuntura atual, taticamente útil.

A rigor a instalação das bases estadunidenses na Colômbia é uma expressão do temor do Capital Global em relação à potencial organização dos trabalhadores da região no sentido de assumirem o controle - e consequentemente dividirem os lucros - das riquezas energéticas da região - ou mesmo o medo de que os governos social-democratas da região assumam o controle desses e redistribuam os lucros para o seu respectivo capital nacional, sendo a segunda hipótese a mais provável.

(II) De acordo com uma abordagem hegeliana do DI, teríamos que os países, caso seu direito interno permita, podem sim fazer um plebiscito sobre o que quer que seja - ou sobre quem seja. Claro, isso abre a possibilidade de confronto, mas qualquer teoria de DI que tome a soberania nacional como valor absoluto abre espaço, por tabela, para a possibilidade perene de confronto.

(III) Numa abordagem kantiana, os plebiscitos são válidos e necessários; por essa perspectiva, temos: (a) a fronteira é o instituto que concretiza a existência do Estado-nação, sendo ele decorrência de um contrato entre os povos soberanos que se margeiam, o DI prevalece logicamente sobre o Direito Interno, portanto a opinião da comunidade internacional é superior a de um Estado-nação isolado (b) o reconhecimento da Comunidade Inernacional é o elemento que garante a efetividade de um Estado-nação - seja por parte dos membros fronteiriços ou não , portanto, ela pode debater sobre questões como essa - em alguns momentos, até deve. Por essa perspectiva última, a atitude do Governo boliviano também é válida - e necessária, haja vista que a instalação dessas bases é algo que precisa no mínimo ser debatido.

Enfim, escolha qualquer uma dessas três abordagens e você encontrará que existe a possibilidade de contestação das bases gringas na Colômbia sim - seja pela meio que for. Eu, pessoal e humildemente, entendo que essa questão deve ser debatida sim pela comunidade internacional, pois a existência de tais bases serve, publica e notoriamente, para executar uma política para toda a região, não para apenas para a Colômbia.

2 comentários:

  1. Sabe uma coisa que eu sempre achei muito engraçado? A mudança, ao longo dos tempos, ou até mesmo a contaminação, dos movimentos Socialistas e Marxistas em geral pela idéia do Estado-Nação.

    Antes, dizia-se que a Revolução e os revolucionários eram internacionalistas, estavam acima ou se mantinham acima da idéia dos Estados e Nações de onde viéram em prol dos trabalhadores de todo o mundo. Veio Stálin com sua idéia de Socialismo em um país só, solidificando esta guinada que já vinha acontecendo do Socialismo mundial tornado socialismo local.

    Hoje a franca maioria dos movimentos - e analiso especialmente o caso da ETA, de orientação MArxista - tem caráter nacional, tem caráter de libertação nacional, de nacionalismo e não de internacionalismo, ainda que mantenham alguns elementos desta última.

    A idéia hoje é sim chegar ao Socialismo, Comunismo ou o que seja, mas a idéia de um Estado-Nação é sempre central.

    Não tem muito a ver com o tema central mas...=)

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  2. Raphael,

    Isso não chega a focar no tema em si, mas não deixa de ser um ponto interessante sobre essa questão.

    O engraçado em tudo isso é que o próprio Marx rejeitava o termo marxismo, seja porque seria ridículo um pensador do nível dele admitir esse tipo de personalismo ou pelo fato de que ele nasce de maneira pejorativa, sendo que marxista era um modo como os anarquistas desqualificavam os partidários do materialismo-dialético-histórico.

    Depois, vão criar esse termo que eu considero uma bizarrice: "Marxiano", ou seja, aquilo que veio do próprio pensador e não da doutrina que criaram em cima dos seus ensinamentos.

    Eu simplesmente não consigo imaginar uma maneira honesta de atar o pensamento materialista histórico, base do dito "socialismo científico", com teses nacionalistas. É possível ser socialista e defender teses nacionalistas, mas conjugar "marxismo" com elas não dá - e a maior parte dos movimentos autoproclamados "marxistas" atuais fazem isso, o que me suscita o ponto que você levantou: Como a leitura stalinista viciou de uma maneira violentíssima o materialismo histórico a ponto dessa controvérsia se manter até hoje; claro, Lenin tem lá suas responsabilidades sobre isso, mas aí vamos entrar num debate mais longo ainda.

    abraços

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