sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Reflexões sobre o Natal


Hoje é dia de Natal, passei a noite de ontem em casa com meus pais como sempre fiz - mas que teve um significado especial, depois de tudo pelo que passamos recentemente com os problemas de saúde de papai. Como já disse aqui, não sou um sujeito religioso, o que não significa que eu seja contrário à religião por tabela, minha postura é alheia, enfim, aquilo que eu chamo de um laicismo sóbrio - como é com a maior parte das pessoas no Brasil moderno. Restou a essência da comemoração; um feriado com uma conotação forte no qual entes queridos se reúnem e festejam juntos, mas de uma forma contemplativa e não extrovertida como é regra na cultura brasileira - ainda que, paradoxalmente, essa manutenção do significado em si, seja permeado também por um avanço do consumismo.

Estava falando com um grande amigo meu ontem à noite, pelo gtalk, justamente sobre isso: Como, apesar de tudo, ainda resta uma marca muito forte em nossa cultura no que concerne a passagem da noite do Natal - ele perguntara onde eu ia passar a noite de ontem porque e eu lhe disse que ficaria por aqui mesmo, na casa dos meus pais e eu observei como, independentemente do avanço de uma cultura laica, ainda resta o entendimento do quão terrível deve ser passar a noite de ontem sozinho. Depois falava com a minha namorada pelo msn e percebia que, apesar de todos os trecos possíveis e imagináveis da nossa época resta ainda uma atmosfera especial - existe, com efeito, um anestesia de grande parte do significado das coisas, no caso do Natal, temos a conversão da festa quase que numa orgia ritual do consumismo, mas ainda resta um significado mínimo dele, algo que expressa uma essência mínima desse dia e remonta à comemoração do Solstício de Inverno na Europa pré-cristã e sobrevive até hoje, no Ocidente pós-cristão no dia de Papai Noel.

Isso tudo vem na esteira de um ano profundamente intenso para mim - já devo ter dito isso por aqui, mas o que seria eu, sem as minhas repetições -, onde bons e maus momentos tiveram um significado muito profundo, talvez um contraste com a anestesia do significado das coisas que assistimos em nosso tempo, em nosso meio. A imagem, acima, por exemplo, é bem emblemática para mim. Trata-se da quinquilharia que estava amontoada numa das salinhas do 22 de Agosto - para quem não o conhece fisicamente, ele não tem uma geográfica tão amistoso, afinal, estamos tratando de um espaço que era a dispensa de um convento - e que arrumamos, a muito custo, durante os dois primeiros dias dessa semana.

Enfim, enquanto estávamos retirando tudo aquilo, nos deparávamos com vestígios de outras gestões, coisas engraçadas de outras épocas, jornaizinhos antigos, certificados de palestras de amigos nossos que já se formaram - e eu pensava nessa coisa do que a passagem do tempo na Faculdade, como vivemos aquilo como se fosse uma vida à parte com seu tempo de duração prefixado pelos anos da graduação, um tempo que nos traz e nos leva, renova o espaço, muitas vezes não deixando vestígios de nossa existência, ou fazendo deixando marcas que são desenterradas mais tarde, por outros num trabalho arqueológico. Em parte, isso é uma representação do que é, de fato, a vida.

Nós tendemos a ter uma visão linear do tempo - sem dúvida, uma herança bíblica que resta muito forte na nossa cultura - e, por conta dela, nos vemos perdidos em um busca paranóica, na qual tentamos deixar a nossa marca nas coisas para que nossa essência seja lembrada, expressa por meio da nossa obra, por meio de uma transcendência materialista e egoísta a qual atribuímos toda sorte de significados nobres, mas que ruma ao fracasso como um navio caminhando contra o rochedo.

A lição que fica, e o dia de ontem nos lembra, é como essa imortalidade desejada é impossível por meio dessa via, no fim das contas, é a nossa reunião - física ou virtual - com os nossos entes queridos, que apesar de ser fruto de uma data, é, naquele instante, alheia ao tempo, que dá significado a tudo isso; a eternidade, no fim das contas, não é fruto da conquista da
infinitude da existência, mas sim da sua superação, não é obra, mas sim a nossa comunhão com os nossos que propicia isso.

4 comentários:

  1. Hugo,

    Lendo seu post fiquei me perguntando a partir de que época "a noite de Natal" se tornou uma tradição dentro da familia brasileira. Segundo meus tios, que já passaram da casa dos 70 anos, a Ceia de Natal era uma refeição em família, na verdade um jantar não muito pesado, sem muita importância, realizado após a missa do Galo, que geralmente terminava por volta das nove horas da noite. A celebração do Natal, de verdade, acontecia no dia seguinte. Isso na pequena Passa Três de início de século XX, hoje Cesário Lange.

    Todos os anos, eu e meus irmãos passamos o Natal com meus tios, na casa que foi da minha avó, falecida em 1988. Até sua morte a única coisa diferente dessa noite era a casa cheia, com quatro crianças dormindo em cada cama. Não iamos à missa, então não ceiavamos e, sem televisão _ não havia luz elétrica no sítio _, deitavamos cedo, antes das nove da noite. Mas o dia 25 de Dezembro era especial.

    O almoço de Natal começava a ser preparado bem cedo. Matava-se uns três ou quatro frangos que eram preparados com arroz, assava-se um leitão e bolos para a sobremesa. O almoço era servido por volta das dez horas da manhã e ao longo de todo o dia parentes da minha avó _ ela tinha doze irmãos e incontáveis primos e sobrinhos/sobrinhos netos, sem contar os amigos e os poucos tios ainda vivos (a maioria morando na região) e os netos, é claro _ apareciam para desejar Feliz Natal e trazer algumas coisas como açucar (não sei o porque do açúcar), frutas, doces e salgados. O sítio se enchia de gente e de crianças (não que crianças não fossem gente)e duvido que algumas delas tenha acreditado, por um breve momento que fosse, em Papai Noel.

    Hoje as visitas de Natal se limitam a alguns poucos primos e amigos dos meus tios, mas ainda passamos os Natais com eles no sítio, sem presentes e sem ceia. E nenhum nem outro fazem falta quando estamos por lá.

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  2. Eduardo,

    Essa tradição devia variar um pouco conforme a região. Em Pernambuco, pelo menos da região de onde eu veio, o dia de festa sempre foi a Véspera mesmo, quando se reuniam os parentes e se ceiava uma refeição consideravelmente mais farta do que a média do ano - caso o ano tivesse sido bom, claro. O dia de Natal propriamente dito era reservado para orações, algo mais ou menos contemplativo mesmo.

    Obviamente, a tradição brasileira, mesmo variável de região para região, acabou alterada progressivamente pelo bombardeio baseado da cultura de massa americana. Hoje, temos setores em nossa sociedade que talvez se ressintam de não estar nevando - e o mesm acabou valendo para a troca de presentes e todo o resto.

    Essa sua obsversação me acabou me rementendo a um livro organizado por Hobsbawm chamado a Invenção das Tradições, no qual os variados autores tratam justamente de como tradições são criadas e como isso tem ligações com a ideologia dominante e suas respectivas necessidades.

    abração

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  3. Hugo,

    Esse Brasilzão é realmente um mundo! O que vale para uma região não necessariamente vale para outra.

    Conheço o livro. É interessante notar como as representações natalinas, no Brasil - e não só no Brasil _, contam com tantos elementos da cultura nórdica, Anglo-saxã e célta, mesmo sendo um país latino, tropical e herdeiro, no terreno do cristianismo, de uma cultura religiosa Mediterrânea.

    Um forte abraço e um Feliz 2010!

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  4. Edu,

    Pior que é mesmo...Curioso também notar que muito do que é o Natal nesses países nórdicos - geralmente pós-protestantes - decorre das tradições eddicas que antecederam o cristianismo! A própria figura do Papai Noel é uma amálgama ímpar do politeísmo pré-cristão, do cristianismo e da atual principal religião do Ocidente: O Consumismo ;-)

    abração e um Feliz 2010

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