quarta-feira, 25 de janeiro de 2012

O Aniversário de São Paulo e uma Elegia para o Pinheirinho

Manifestantes lotam o Centro de São Paulo para protestar contra Alckmin e Kassab (via Bruno Torturra)
Hoje, a capital bandeirante completa 458 anos de existência. Se há um ano já era questão de nos perguntarmos se realmente havia o que comemorar, hoje, a mesma indagação se impõe: a principal universidade da cidade - e, por sinal, do país - está sob cerco policial e o mesmo vale para parte do seu centro, enquanto problemas grassam por toda parte. Enquanto isso, menos de cem quilômetros à leste, na pujante São José dos Campos, o impacto da desocupação violentíssima e ilegal da favela do Pinheirinho ainda é assunto recorrente, haja vista que seus moradores ainda estão amontoados em abrigos improvisados, identificados com inconfundíveis pulseiras azuis. O retrato disso é o centro de São Paulo tomado por manifestantes hoje.

O potente estado construído em torno do aniversariante do dia - que apesar de não ser o município mais antigo desta unidade federada, é a causa de sua existência como tal - convulsiona. E ainda que se argumente, com razão, da torpeza de seu prefeito, Gilberto Kassab, e de tantos outros escroques pelo estado adentro, como Eduardo Cury prefeito de São José dos Campos, existe uma teia que transcende aos esquemas municipais e se funda no Palácio dos Bandeirantes: é de lá, sob a égide do catolicismo conservador que o pacato Geraldo Alckmin, sem muito rumo ou prumo, articula uma rede que passa por uma assembleia legislativa inerte, um tribunal de justiça punitivista e elitista, um ministério público estadual delirante e polícias que matam no atacado.

Nem sempre foi assim. O estado de São Paulo de cem anos atrás tinha outra tônica. A chegada em massa de imigrantes do mundo todo produzia uma explosão de cores e sons, quase apagando o legado de estagnação causado por uma elite rançosa, herdeira de implacáveis colonizadores. Aquele bom encontro de um século produziu as greves anarquistas, a Semana de Arte Moderna, mas a velha São Paulo jamais deixou de mostrar a sua cara: essa elite que amava Mussolini e odiava Getúlio nos anos 30 - o que sugere que não gostava do último por suas virtudes - soube manejar uma geração inteira de jovens intelectualizados contra o autoritarismo do então ditador para, de um golpe só, fazer voltar a República Velha em 1932, o que marca um corte histórico importantíssimo.

O ardil de 32 - isto é, a exploração ideológica e meramente oportunista da ditadura Vargas - construiu um processo que ajuda a detonar o trágico 1º de Abril de 64 e que só vai encontrar uma barreira quando, ironicamente, ocorre o martírio de um judeu: a cerimônia ecumênica pela memória de Vlado Herzog na Praça da Sé é o começo do fim da ditadura e deu em um vendaval que vai até 1992, tendo em seu interior as greves do Grande ABC e a eleição de uma mulher nordestina como prefeita de São Paulo. Muito da redemocratização passa por ali, mas a reação não tarda e engole a esquerda em plano ano da desmoralização nacional da direita com o impeachment de Collor, Maluf derrota Suplicy na capital e reafirma o pior que havia da ditadura em plena São Paulo dos anos 90.

Dali em diante, tivemos o malufismo em São Paulo - brevemente interrompido por Marta Suplicy -, a ascensão do tecnocratismo tucano em escala estadual que rapidamente termina no colo do conservadorismo católico - precisamente no de um direitista orgânico chamado Geraldo Alckmin - e duas campanhas presidenciais, ambas histéricas e assustadoras, que partem de São Paulo e chocam-se com o projeto social-desenvolvimentista de Lula - não falo tanto do Serra de 2002, mas daquele de 2010 assim como do Alckmin de 2006. Muito pode se falar do que resultou nisso. Os problemas internos da esquerda - sobretudo do PT -, a incompreensão ao pós-industrialismo, da forma de luta ou de certo desprezo pela política estadual, mas o fato é que essa conjugação de fatores nos leva à presente situação. 


E o Pinheirinho é paradigmático. Não, nenhuma favela "pegou fogo" misteriosamente, não nenhuma ação foi feita com ar de legitimidade: sem ordem judicial alguma - e meio a um conflito de competência entre a Justiça Estadual e a Justiça Federal - a tropa de choque paulista tratorou uma comunidade com quase dez mil habitantes, deixando seus moradores desabrigados e marcados com inconfundíveis pulseiras azuis - o que com ou sem ordem judicial é um grave ofensa ao dito "estado de direito". Algo muito sério se rompeu aqui de uma só vez, surpreendendo partidos, movimentos sociais e a imprensa global - e a nossa também, mas graças ao lado que ela ocupa nessa luta, ela passa a agir de forma omissiva na cobertura, como captou bem o artigo do Guardian a respeito.

A posição do governo federal é curiosa. Sim, ele atuou relativamente bem nas negociações, buscando adquirir a área e, assim, resolver o problema, mas terminou recebendo uma rasteira de Alckmin com a invasão. Um secretário da Presidência chegou a ser baleado na invasão da polícia. Mas fora declarações vagas, não houve nenhuma pressão concreta para reverter a situação. Tanto, que o PSDB se sentiu confortável para soltar uma nota responsabilizando o PT pela tragédia no Pinheirinho (?!). Dilma veio para São Paulo onde, a pouco foi laureada por Kassab, mas não se encontrou com Alckmin, que sequer compareceu à missa de aniversário da cidade - e o candidato petista para a Prefeitura, Fernando Haddad, não apareceu junto de Kassab, retratando o confronto aberto entre parte do PT nacional, que quer enfiar goela abaixo um vice do PSD kassabista em sua chapa, e o seu desejo e o do PT de São Paulo, que querem se ver longe o kassabismo.


Entre a radicalização à direita do PSDB e as ambiguidades - e desencontros - petistas, somado a um grande meio campo fisiológico e preocupado apenas com seus interesses eleitorais - vide Kassab, que transita sem problemas de lado a lado do espectro político nacional -, a democracia no país sangra. Agora é hora de movimento e ação. Supondo que partidos políticos servem para algo, ele é que estão - ou deviam estar - em função de nós, não o contrário. E o ovo da serpente que está sendo chocado precisa ser destruído antes que ecloda.





2 comentários:

  1. Dado que um assessor do governo levou até tiro, eu esperava uma reação bem mais enérgica.

    Agora, torcer para o kassabismo (corrigindo minha falta de memória) não se reeleger. Creio que um dos jeitos de fazer nossa parte (além da boa e velha presença nas ruas) é aporrinhar os vereadores. "Inerte" é a palavra que melhor descreve como anda a Câmara bandeirante...

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    1. O problema, meu bom, HWB, é como se relacionar com o PSD daqui por diante, pois eu temo que Kassab criou o equivalente paulistano do peemedebismo: não se esqueça que o PSD mistura traços do autoritarismo malufista, do populismo quercista e do tecnocratismo tucano - e, por conta disso, é capaz de flanar de canto a canto do espectro político da pólis sem deixar de ser parasitário. Haddad, que está sem vice e enfrenta uma forte pressão de colegas de partido - muitos do quais que sequer queriam candidatura única - agora corre o risco de ser fagocitado por isso contra sua vontade. E é das poucas candidaturas transformadoras, diga-se - como não seriam boa parte das candidaturas do próprio PT. Por isso a pressão contra Kassab precisa ser redobrada.

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