São Paulo é uma das raras cidades da História cuja fundação se deveu à edificação de uma escola - que servia, por sua vez, ao projeto jesuíta, isto é: À expansão do império católico pelos confins do planeta. Nesse projeto, a catequese cumpre sua função de universalizar a figura do sujeito católico, o homem de bem temente a Deus, aquele que está eternamente endividado em relação ao grande Pai Eterno, divino e transcendente, que, por sua vez, descansava nas alturas enquanto era devidamente representado, nesses brasis de meu deus, pelos doutores da Igreja. O genocídio cultural - ou assimilação forçada, se você for dado a eufemismos - enquanto mal necessário na luta pela salvação de almas. Subjetivar para delimitar a capacidade de agir. É em torno dessa invenção aterradoramente genial dos jesuítas que, mais tarde, se organizará um estado do tamanho de um país. Mas São Paulo não é só isso, ele é também o território a ser desterritorializado pelos agentes do despotismo colonizador, bandeirantes que não veem potenciais sujeitos nos nativos, mas apenas objetos - instrumentos úteis ou obstáculos a destruir; ambos os projetos se unem enquanto se contradizem - catequese e pilhagem juntos como causas ambíguas da origem da maior metrópole brasileira. Um corte:A cidade completa 457 anos hoje, perdida entre enchentes, crises políticas e culturais várias - tornou-se tão grande, mas parece tão pequena. Com um potencial maravilhoso, caldeirão de gentes que é, mas tão refém da pequenez do pensamento segregacionista, reterrorializante de uns poucos. São Paulo foi a estandarte de tempos outros, quando se apresentava como modelo para a modernização nacional - numa época em que o moderno ainda era tão sedutor e a nação ainda estava adormecida -, enquanto hoje, procura seu lugar no novo Brasil. A minha São Paulo é aquela que apesar de tudo isso, ainda carrega as sementes de um cosmopolitismo verdadeiro, cujo cultivo pode ser delicado e difícil, mas caso vingue, valerá a pena.
Andando por São Paulo, uma questão que não sai da minha mente é a questão da água: como ela é um desastre quando causa imundação, e como ela vai fazer falta daqui a algumas décadas. (Em poucos anos Sanaa, capital do Iemen pode ficar sem água, e estamos falando de uma capital, imagina a calamidade em outros lugares!)
Uma coisa desastrosa é que as nossas reservas de água ficam no interior do país enquanto que ficam nas costas as grandes cidades, com suas ilhas de calor que atraem para si as chuvas e as imundações (leitores do Descurvo vejam: http://www.agr.feis.unesp.br/fsp15022004.php )
E quanto ao tratamento da água, é possível lidar com o esgoto doméstico sem precisar de muita química e até com uma dose de reaproveitamento do gas metano vide video http://www.globalpost.com/dispatch/the-americas/100915/brazil-rethinking-raw-sewage
Não é difícil mas fica quase impossível em São Paulo, demanda área (terreno), como observou http://eco-sustentar.blogspot.com/2010/11/sistema-natural-de-tratamento-de-esgoto.html
Conclusão: Nas "grandes" e "modernas" cidades não há ou é impossível um planejamento que leve em conta as descobertas e invenções ecológicas. Ser "grande" e "moderno" traz aos habitantes um monte de quinquilharias tecnológicas nas vitrines mas não consegue lidar com os problemas grandes, de nível social e ambiental.
A minha São Paulo é aquela que apesar de tudo isso, ainda carrega as sementes de um cosmopolitismo verdadeiro, cujo cultivo pode ser delicado e difícil, mas caso vingue, valerá a pena.
A dicotomia de Sérgio Buarque de Holanda entre os portugueses que criam cidades que crescem ao léu [semeadores] e os espanhóis que esquadrinham o espaço urbano [ladrilheiros] é incrivelmente persistente - como, aliás, tudo em Raízes do Brasil é incrivelmente persistente, ainda que o autor achasse que estava falando sobre um mundo em desaparecimento. São Paulo, minha gente, é apenas o Brasil. Dê a Belo Horizonte o PIB de São Paulo e o resultado seria [tragicamente] o mesmo. Comparar a falta de iniciativa pública de SP com o dinamismo da Cidade do México é ilustrativo. SP precisa de um Marcelo Ebrard.
Boa sacada, meu velho. Ecologia e Economia são dois ramos que, na verdade, tratam de facetas diferentes da mesma coisa, mas há uma demasiada lentidão em se compreender isso - o que é sintomático de uma época em que recursos sociais e ambientais são postos a serviço de um sistema econômico que não tem (se é que um dia teve) mais qualquer coisa para oferecer.
São Paulo não está fora disso, muito pelo contrário - ainda mais se levarmos em conta certo histórico conservador e a eliminação gradual dos pólos de pensamento locais -; a questão da gestão de recursos hídricos que você citou está aí, a incompetência da Sabesp é tamanha que ela é capaz de gerenciar devidamente o nível dos reservatórios como se viu, pense só em fazer planos de contingência em relação ao consumo futuro (o que demandaria uma ação coordenada com tantos setores)...
Eu desconhecia essa leitura do Sérgio Buarque, mas ela é interessante. Há, de fato, algo inscrito na nossa cultura em relação a isso tudo, mas existem cortes importantes, um deles durante a Ditadura, quando o modelo de desenvolvimento - autoritário e insustentável - se alia uma política urbanísitica igualmente insustentável - mas, naturalmente, com ela conciliável. Certo esforço de organização das cidades visto no começo do século 20º por influência dos positivistas - que, de certa forma, parecia contradizer com esse histórico e desdém, ainda que de forma autoritária - foi jogado no lixo por outra forma de autoritarismo, por seu turno, completamente alheio às consequências sociais e ambientais. Há, entretanto, certas singularidades paulistanas, um certo atomismo automobilista e uma certa desumanidade expresso na dureza do concreto cinza onipresente, algo que precisa ser modificado - e intervenções físicas humanizadoras em uma cidade produzem efeitos maiores e mais profundos do que se pensa.
Andando por São Paulo, uma questão que não sai da minha mente é a questão da água: como ela é um desastre quando causa imundação, e como ela vai fazer falta daqui a algumas décadas. (Em poucos anos Sanaa, capital do Iemen pode ficar sem água, e estamos falando de uma capital, imagina a calamidade em outros lugares!)
ResponderExcluirUma coisa desastrosa é que as nossas reservas de água ficam no interior do país enquanto que ficam nas costas as grandes cidades, com suas ilhas de calor que atraem para si as chuvas e as imundações (leitores do Descurvo vejam: http://www.agr.feis.unesp.br/fsp15022004.php )
E quanto ao tratamento da água, é possível lidar com o esgoto doméstico sem precisar de muita química e até com uma dose de reaproveitamento do gas metano vide video http://www.globalpost.com/dispatch/the-americas/100915/brazil-rethinking-raw-sewage
Não é difícil mas fica quase impossível em São Paulo, demanda área (terreno), como observou http://eco-sustentar.blogspot.com/2010/11/sistema-natural-de-tratamento-de-esgoto.html
Conclusão: Nas "grandes" e "modernas" cidades não há ou é impossível um planejamento que leve em conta as descobertas e invenções ecológicas. Ser "grande" e "moderno" traz aos habitantes um monte de quinquilharias tecnológicas nas vitrines mas não consegue lidar com os problemas grandes, de nível social e ambiental.
A minha São Paulo é aquela que apesar de tudo isso, ainda carrega as sementes de um cosmopolitismo verdadeiro, cujo cultivo pode ser delicado e difícil, mas caso vingue, valerá a pena.
ResponderExcluirVingará, Hugo, e valerá a pena, com certeza!
Abraço!
A dicotomia de Sérgio Buarque de Holanda entre os portugueses que criam cidades que crescem ao léu [semeadores] e os espanhóis que esquadrinham o espaço urbano [ladrilheiros] é incrivelmente persistente - como, aliás, tudo em Raízes do Brasil é incrivelmente persistente, ainda que o autor achasse que estava falando sobre um mundo em desaparecimento. São Paulo, minha gente, é apenas o Brasil. Dê a Belo Horizonte o PIB de São Paulo e o resultado seria [tragicamente] o mesmo. Comparar a falta de iniciativa pública de SP com o dinamismo da Cidade do México é ilustrativo. SP precisa de um Marcelo Ebrard.
ResponderExcluirCélio,
ResponderExcluirBoa sacada, meu velho. Ecologia e Economia são dois ramos que, na verdade, tratam de facetas diferentes da mesma coisa, mas há uma demasiada lentidão em se compreender isso - o que é sintomático de uma época em que recursos sociais e ambientais são postos a serviço de um sistema econômico que não tem (se é que um dia teve) mais qualquer coisa para oferecer.
São Paulo não está fora disso, muito pelo contrário - ainda mais se levarmos em conta certo histórico conservador e a eliminação gradual dos pólos de pensamento locais -; a questão da gestão de recursos hídricos que você citou está aí, a incompetência da Sabesp é tamanha que ela é capaz de gerenciar devidamente o nível dos reservatórios como se viu, pense só em fazer planos de contingência em relação ao consumo futuro (o que demandaria uma ação coordenada com tantos setores)...
Eduardo: É pelo que torcemos nós todos (e, em certa medida, pelo que trabalhamos) :-)
ResponderExcluirabraços
Paulo,
ResponderExcluirEu desconhecia essa leitura do Sérgio Buarque, mas ela é interessante. Há, de fato, algo inscrito na nossa cultura em relação a isso tudo, mas existem cortes importantes, um deles durante a Ditadura, quando o modelo de desenvolvimento - autoritário e insustentável - se alia uma política urbanísitica igualmente insustentável - mas, naturalmente, com ela conciliável. Certo esforço de organização das cidades visto no começo do século 20º por influência dos positivistas - que, de certa forma, parecia contradizer com esse histórico e desdém, ainda que de forma autoritária - foi jogado no lixo por outra forma de autoritarismo, por seu turno, completamente alheio às consequências sociais e ambientais. Há, entretanto, certas singularidades paulistanas, um certo atomismo automobilista e uma certa desumanidade expresso na dureza do concreto cinza onipresente, algo que precisa ser modificado - e intervenções físicas humanizadoras em uma cidade produzem efeitos maiores e mais profundos do que se pensa.
abraços