terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Feliz Aniversário, São Paulo?

Fundação de São Paulo -- Parreiras
São Paulo é uma das raras cidades da História cuja fundação se deveu à edificação de uma escola - que servia, por sua vez, ao projeto jesuíta, isto é: À expansão do império católico pelos confins do planeta. Nesse projeto, a catequese cumpre sua função de universalizar a figura do sujeito católico, o homem de bem temente a Deus, aquele que está eternamente endividado em relação ao grande Pai Eterno, divino e transcendente, que, por sua vez, descansava nas alturas enquanto era devidamente representado, nesses brasis de meu deus, pelos doutores da Igreja. O genocídio cultural - ou assimilação forçada, se você for dado a eufemismos - enquanto mal necessário na luta pela salvação de almas. Subjetivar para delimitar a capacidade de agir. É em torno dessa invenção aterradoramente genial dos jesuítas que, mais tarde, se organizará um estado do tamanho de um país. Mas São Paulo não é só isso, ele é também o território a ser desterritorializado pelos agentes do despotismo colonizador, bandeirantes que não veem potenciais sujeitos nos nativos, mas apenas objetos - instrumentos úteis ou obstáculos a destruir; ambos os projetos se unem enquanto se contradizem - catequese e pilhagem juntos como causas ambíguas da origem da maior metrópole brasileira. Um corte: A cidade completa 457 anos hoje, perdida entre enchentes, crises políticas e culturais várias - tornou-se tão grande, mas parece tão pequena. Com um potencial maravilhoso, caldeirão de gentes que é, mas tão refém da pequenez do pensamento segregacionista, reterrorializante de uns poucos. São Paulo foi a estandarte de tempos outros, quando se apresentava como modelo para a modernização nacional - numa época em que o moderno ainda era tão sedutor e a nação ainda estava adormecida -, enquanto hoje, procura seu lugar no novo Brasil. A minha São Paulo é aquela que apesar de tudo isso, ainda carrega as sementes de um cosmopolitismo verdadeiro, cujo cultivo pode ser delicado e difícil, mas caso vingue, valerá a pena.

6 comentários:

  1. Andando por São Paulo, uma questão que não sai da minha mente é a questão da água: como ela é um desastre quando causa imundação, e como ela vai fazer falta daqui a algumas décadas. (Em poucos anos Sanaa, capital do Iemen pode ficar sem água, e estamos falando de uma capital, imagina a calamidade em outros lugares!)

    Uma coisa desastrosa é que as nossas reservas de água ficam no interior do país enquanto que ficam nas costas as grandes cidades, com suas ilhas de calor que atraem para si as chuvas e as imundações (leitores do Descurvo vejam: http://www.agr.feis.unesp.br/fsp15022004.php )

    E quanto ao tratamento da água, é possível lidar com o esgoto doméstico sem precisar de muita química e até com uma dose de reaproveitamento do gas metano vide video http://www.globalpost.com/dispatch/the-americas/100915/brazil-rethinking-raw-sewage

    Não é difícil mas fica quase impossível em São Paulo, demanda área (terreno), como observou http://eco-sustentar.blogspot.com/2010/11/sistema-natural-de-tratamento-de-esgoto.html

    Conclusão: Nas "grandes" e "modernas" cidades não há ou é impossível um planejamento que leve em conta as descobertas e invenções ecológicas. Ser "grande" e "moderno" traz aos habitantes um monte de quinquilharias tecnológicas nas vitrines mas não consegue lidar com os problemas grandes, de nível social e ambiental.

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  2. A minha São Paulo é aquela que apesar de tudo isso, ainda carrega as sementes de um cosmopolitismo verdadeiro, cujo cultivo pode ser delicado e difícil, mas caso vingue, valerá a pena.

    Vingará, Hugo, e valerá a pena, com certeza!

    Abraço!

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  3. A dicotomia de Sérgio Buarque de Holanda entre os portugueses que criam cidades que crescem ao léu [semeadores] e os espanhóis que esquadrinham o espaço urbano [ladrilheiros] é incrivelmente persistente - como, aliás, tudo em Raízes do Brasil é incrivelmente persistente, ainda que o autor achasse que estava falando sobre um mundo em desaparecimento. São Paulo, minha gente, é apenas o Brasil. Dê a Belo Horizonte o PIB de São Paulo e o resultado seria [tragicamente] o mesmo. Comparar a falta de iniciativa pública de SP com o dinamismo da Cidade do México é ilustrativo. SP precisa de um Marcelo Ebrard.

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  4. Célio,

    Boa sacada, meu velho. Ecologia e Economia são dois ramos que, na verdade, tratam de facetas diferentes da mesma coisa, mas há uma demasiada lentidão em se compreender isso - o que é sintomático de uma época em que recursos sociais e ambientais são postos a serviço de um sistema econômico que não tem (se é que um dia teve) mais qualquer coisa para oferecer.

    São Paulo não está fora disso, muito pelo contrário - ainda mais se levarmos em conta certo histórico conservador e a eliminação gradual dos pólos de pensamento locais -; a questão da gestão de recursos hídricos que você citou está aí, a incompetência da Sabesp é tamanha que ela é capaz de gerenciar devidamente o nível dos reservatórios como se viu, pense só em fazer planos de contingência em relação ao consumo futuro (o que demandaria uma ação coordenada com tantos setores)...

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  5. Eduardo: É pelo que torcemos nós todos (e, em certa medida, pelo que trabalhamos) :-)

    abraços

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  6. Paulo,

    Eu desconhecia essa leitura do Sérgio Buarque, mas ela é interessante. Há, de fato, algo inscrito na nossa cultura em relação a isso tudo, mas existem cortes importantes, um deles durante a Ditadura, quando o modelo de desenvolvimento - autoritário e insustentável - se alia uma política urbanísitica igualmente insustentável - mas, naturalmente, com ela conciliável. Certo esforço de organização das cidades visto no começo do século 20º por influência dos positivistas - que, de certa forma, parecia contradizer com esse histórico e desdém, ainda que de forma autoritária - foi jogado no lixo por outra forma de autoritarismo, por seu turno, completamente alheio às consequências sociais e ambientais. Há, entretanto, certas singularidades paulistanas, um certo atomismo automobilista e uma certa desumanidade expresso na dureza do concreto cinza onipresente, algo que precisa ser modificado - e intervenções físicas humanizadoras em uma cidade produzem efeitos maiores e mais profundos do que se pensa.

    abraços

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