terça-feira, 11 de janeiro de 2011

As Enchentes de São Paulo


Foto retirada daqui
São Paulo é o maior município brasileiro e, junto com a população de sua região metropolitana, soma um total de moradores semelhante a um país como a Austrália. Como qualquer metrópole brasileira, os problemas são vários, causados em grande parte pelos anos do desenvolvimento incessante e autoritário dos militares - que, entretanto, surge mesmo com feições mais simpáticas já no Governo Juscelino -, onde assistimos a um esquema que misturava a institucionalização da irresponsabilidade em política econômica, ausência de política social e liberdades políticas e uma industrialização inclemente que unia o capital estrangeiro ao estatal e privado nacional num certo tripé - com os dois últimos dando suporte ao primeiro - na qual o capitão da indústria se uniu definitivamente ao coronel extemporâneo: Enquanto o primeiro dependia de mão-de-obra em larga escala, o segundo precisa se livrar de excedentes populacionais que em poucas décadas levariam a uma pressão insuportável por Reforma Agrária. Os resultados disso tudo são vários, mas do ponto de vista da questão urbana, temos a superlotação das grandes cidades, com verdadeiros anéis de miséria e pobreza se formando em seu entorno, alterando definitivamente a dinâmica da vida urbana brasileira. São Paulo, que nesse período toma o protagonismo nacional do Rio, torna-se um laboratório particular das experiências de política urbana que irão influenciar o país inteiro: Mas é só sob a égide de Maluf, no início dos anos 70, que o projeto será definitivamente delineado; uma cidade construída para automóveis e indivíduos, dentro de uma perspectiva de atomização, cujo propósito é o de reproduzir o jogo do grande capital. Se contra isso se levanta a oposição institucional e pequeno-burguesa por parte do MDB - justo a ala que irá se tornar mais tarde o PSDB -, por outro, os movimentos sociais organizados em torno do PT tentam produzir uma saída contra-hegemônica. As desventuras são imensas, depois da primeira gestão petista - que produziu bons planos e deu frutos, mas não conseguiu construir um projeto transformador à altura da empreitada - vimos o retorno dramático do malufismo, sucedido por mais quatro anos de PT - novamente nos mesmos termos - até ver a transformação do PSDB em um partido cada vez mais tradicional, o que gerou, por vias oblíquas, a ascensão de um político "aliado" como Gilberto Kassab do DEM - herdeiro da tradição malufista e fruto das guerras internas do PSDB entre Alckmin e Serra -, uma figura dotada de um senso de oportunidade e de uma consciência de suas limitações incomuns entre os políticos nacionais. Depois de herdar três quartos do mandato de Serra e vencer uma eleição com enredo de tragédia, o barco segue à deriva, com uma política de moradia sendo traçada para o setor imobiliário, a despeito dos soberbos problemas habitacionais e ambientais do município. A tragédia das enchentes agora é parte disso, o esgotamento físico da cidade causado por uma política que não considera a variável humana ou ambiental, somado às chuvas normais que caem em São Paulo durante o mês de Janeiro. O enredo da trama é o mesmo que vimos nas enchentes da Zona Leste no ano passado. A cobertura seguirá o tom do que o consenso hegemônico imagina que seja mais apropriado para sua auto-preservação e, por conta disso, talvez ainda vejamos matérias lenientes, que  atribuam a São Pedro a desdita, embora a tendência é que os próximos anos sejam mais difíceis para Kassab do que se pensa, principalmente se ele realmente quiser levar a cabo seu sonho de ser o fiel da balança da política paulista, o que pode pôr em risco a atual correlação de forças da política bandeirante.

10 comentários:

  1. Euclides F. Santeiro Filho11 de janeiro de 2011 às 15:34

    Eu gostaria muito de saber o impacto político dessas enchentes caso as eleições municipais fossem sincrônicas com elas. Não é possível que uma cidade com a importância de São Paulo seja de uma inércia intelectual tão grande na hora de escolher seus governantes.

    Ainda que nem mesmo a oposição tenha um projeto que considere o fator humano e ambiental (como você bem colocou) com mais cuidado, esperar do PSDB e do DEM políticas que contemplem a população que mais sofre com as chuvas é entregar nas mãos de São Pedro a solução.

    Para variar, ótima análise, Hugo.

    Abraços.

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  2. Olha, Euclides, aqui eu me saio com outro deleuzianismo: Antes de mais nada, é uma questão de desejo. As pessoas sabem de coisas, percebem as coisas, mas é necessário construir uma práxis que sirva para elas terem tesão - literalmente - para se mexerem por conta disso. E enchentes sempre tiram votos, ainda que isoladamente não decidam uma eleição - é preciso mostrar o quanto isso tem a ver com todo um projeto urbano, como isso está relacionado e como isso fica claro na própria omissão no controle de danos subsequente. E esperar isso do PSDB/DEM, eu não espero - não serei eu a velhinha de taubaté dos dois -, mas eu bem que gostaria, seria tudo tão mais simples, não é? Infelizmente, não é assim mesmo. Que as administrações petistas na Capital sempre foram melhores, tudo bem, mas é preciso que o projeto consiga ser inscrito no desejo das pessoas - e isso não está tão distante, existem projetos muito bem sucedidos de administrações petistas pela Grande São Paulo mesmo.

    abraços

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  3. 1) "Não é possível que uma cidade com a importância de São Paulo seja de uma inércia intelectual tão grande na hora de escolher seus governantes."
    Cara... Desculpe te decepcionar, mas é possível, sim.

    2) Kassab é herdeiro de Maluf num outro aspecto: Maluf, nos anos 70, cogitou transferir a capital para o interior. A idéia era análoga à de Brasília: encastelar-se longe da efervescente concentração populacional.
    Hoje, a PMSP fica localizada no coração da cidade justamente para que o Prefeito fique fisicamente próximo de sua realidade. No entanto, Kassab foge loucamente disso indo de helicóptero ao gabinete.

    3) A grande e triste verdade é que São Paulo é malufista, conforme sintetizou perfeitamente um amigo meu. Ainda não conseguimos nos livrar das circunstâncias perversas de nosso nascimento pelos bandeirantes - gente suuuuuuper fina...

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  4. HWB,

    Sim, sempre é possível que coisas completamente irracionais acontecerem em política porque falamos de um campo cujo estudo pode até ser racional, mas sua prática está no campo das emoções e percepções. Tudo gira em torno da construção de vontades - e não de uma racionalidade -, o que torna tudo terrível, aqui ou em qualquer outra parte do mundo. Agora, as concepções de Kassab sobre a urbe são basicamente malufistas - o desumanismo, elitismo e o atomismo -, ainda que sem a mesma retórica demagógica, muito mais porque ela anda fora de moda do que por qualquer coisa. E, digamos, São Paulo está muitas coisas, não sou tão pessimista, ainda que a situação esteja preta mesmo.

    abraços

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  5. 1) Pois é! Às vezes, irracionalidade é "maior legal", mas em se tratando de execução orçamentária, eu prefiro uma boa dose do puro engenheirismo à Dilbert.
    2) Bem notado. E o Kassab também não tem a mesma cara de pau.
    3) Que ótimo! Pois o meu machadismo meio que me leva a ver o mundo deste jeito... Ou melhor, sendo meu próprio analista, encontrei no machadismo um jeito de legitimar meu pessimismo. Ou... ah, sei lá, que seja. :)
    4) A propósito, permita-me um pitac, digo, uma sugestão estética: seria legal dividir seus textos em mais parágrafos. O lay-out justificado e sem tabulação do Blogspot faz seu blog parecer um pouco uma certidão, e cansa um pouco a leitura.
    Abraços molhados!

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  6. Em tese, todos nós gostamos, HWB, mas na prática não é isso decide o jogo - talvez o modo como isso venha a ser narrado ou que envolva as pessoas. Um governo responsável não tem nenhuma garantia de ser reeleito apenas e tão somente por esse fato. E valeu pelas dicas, as sugestões estão anotadas.

    abraços molhados ;-)

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  7. Preste atenção, pois todo início de ano é igual
    Alagamento e enchente é tema do Jornal Nacional
    Não por acaso, pois além da estação ser assim
    Não fazemos a nossa parte para nisso por um fim

    Choveu em São Paulo um mês em dois dias
    Resultado: mais trajédia do que se previa
    O volume de água foi grande, deu medo
    Mas fica fácil culpar apenas São Pedro

    Rio Tietê transbordando? Que novidade!
    Dá pra entender o que se faz nessa cidade?
    Alckmin e Kassab afirmam: Em 24 horas não se soluciona
    Elementar, caro Watson, sem planejamento nada funciona

    Do rio, retiram, em lixo, 1 milhão de metros cúbicos: impressionante
    Dava para encher 360 piscinas olímpicas iguais com o montante
    E se os governos não tem competência para, a tempo, limpar
    Que ao menos os cidadãos tenham educação para não sujar

    Pois parte da responsabilidade é do transeunte comum
    lixo no chão entope bueiros. Não há respeito algum
    E se agora, de lado a lado, a cidade só se atravessa a nado
    Que cada macaco se preocupe em olhar pro próprio rabo

    (http://noticiaemverso.blogspot.com)

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  8. Começo de ano é uma coisa que sempre me irrita ferozmente, assistia dia desses a Globo News e um geólogo que só pode ter comprado o diploma para depois se vender pro Aquassab dizia que o problema é que havia chovido de mais este mês.
    Pelamordedada as tragédias deste ano foram anunciadas ano passado, assim como tem sido anunciadas ano após ano, óbvio que o município tem grande parte no que vem aocntecendo, e não apenas são paulo, mas os municípios vizinhos também; porém não dá pra mais uma vez o governo estadual conseguir se safar dos respingos, pois são tão responsáveis quanto o poder municipal!
    O Alckmin já disse que obras contra enchentes não se fazem em 24 horas como o Jack Bouer e a resposta do Sakamoto em seu blog lembrando dos 16 anos de governo do PSDB, destes uma considerável parte do senhor Picolé de Chuchu, nada foi feito...
    Ano passado perdemos um belo momento de tirar o Kassab da prefeitura, por N motivos, vamos ver como se dá a reação agora frente o que tá acontecendo, mas sinceramente com a avaliação de que ele está indo pra base do governo federal acho que as ações serão mais institucionais e menos na rua...

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  9. Notícia em Verso: Pois é, companheiro, uma tristeza só.

    abraço

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  10. Luka,

    Sim, é isso mesmo. Eu estava assistindo ao noticiário da hora do almoço com a minha mãe e pensei o mesmo: Você tem esse caos todo e a cobertura gira em torno de uma espetacularização da enchente, mas ninguém faz uma reportagem de verdade questionando o elementar do elementar das origens do problema - e isso é a ideologia em funcionamento (não apenas ela, mas também), de repente, ninguém questiona a política de urbanização da região metropolitana e cidades vizinhas porque aquele modo de urbanização é naturalizado enquanto único modo de urbanizar, logo, não há outra explicação senão atribuir à natureza ou ao mistério do divino. Mas, mesmo dentro desse panorama, é tudo tão primário.

    Por exemplo, a represa de Mairiporã - um produto dessa política de desenvolvimento inclemente dos anos 60 - enche e quando suas comportas são abertas, inevitavelmente, as águas vão para o centro de Franco da Rocha (que é densamente povoado) e ninguém se dá conta do quanto isso é absurdo - e o quanto isso denuncia a existência de um modelo de urbanização e desenvolvimento econômico que é completamente desumano.

    Sobre Kassab, volto a dizer o que eu sempre disse e coloquei neste post: É um político com um profundo senso de oportunidade e plena consciência de suas limitações. Por isso chegou mais longe do que inúmeros quadros de sua geração - todos melhores do que ele. Agora, enquanto ele opera o jogo da sucessão com a Prefeitura na mão e sendo o maior quadro do DEM, ele ainda tem a oportunidade de ir, quem sabe, para o PMDB de São Paulo que deve ser reconstruído por Temer. É por isso que ele não está em xeque como deveria, tudo isso graças aos descaminhos do grande jogo da política brasileira, cujo funcionamento permite que o fisiologismo tenha vida longa. O que é tenebroso da questão é que ele pode se tornar o fiel da balança da política paulista nos próximos anos. Mas é claro que o quadro atual e os desgastes todos podem produzir um flanco para que em 2012 algo novo (e de bom) aconteça: é questão de saber aproveitar, mas é bom que ninguém o subestime.

    beijos

    P.S.: Sobre esse tipo de acadêmico que você bem lembrou, tem um artigo interessante do Idelber Avelar chamado Acadêmicos Amestrados.

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