sábado, 1 de janeiro de 2011

A Posse de Dilma

Dilma discursa sob os olhares de Temer -- Ricardo Matsukawa, Terra


Primeiro de Janeiro é um dia particular, talvez seja o único feriado que tenha a mesma cara desde sempre. É aquele sentimento de fim de festa profundo. Os únicos anos em que ele tem uma tom diferente é naqueles em que ocorre a posse do Presidente da República, pelo menos quando não se trata de reeleição, onde tudo é meramente protocolar. Não sei se é uma boa ideia essa nossa de fazer cerimônia de posse no dia de hoje, seja pela festa mesmo ou pelo deslocamento de líderes estrangeiros, mas não deixa de ser curiosamente interessante e dá algum significado a um dia condenado à inutilidade.

Ainda lembro bem da posse de Lula, há oito anos atrás. A profunda quebra de paradigma que significou a eleição de um ex-operário e homem do povo como Presidente da República - não só no Brasil, mas para todo o mundo - assim como a chegada no poder do PT, sem embargo, um fenômeno da política brasileira - seu primeiro partido fundado pela plebe - e mundial - um partido de esquerda orgânico, plural e libertário fundado na periferia do capitalismo mundial. Aquela posse, inesquecível, não deixava dúvidas: Depois dela, o Brasil não seria mais o mesmo. E Não foi e maneira alguma.

Dilma abraça Lula --Terra.com
A cerimônia de posse de hoje, em seus tons sóbrios como a da atual ocupante do Palácio do Planalto, ainda que em toda sua originalidade - a chegada ao cargo máximo da República pela primeira mulher, uma ex-guerrilheira, inclusive - não deixa de ser um eco daquela inflexão histórica de oito anos atrás. Lula, aliás, foi uma espécie de Mitterrand que deu certo, ambos representaram uma enorme expectativa histórica em seus países, enfrentaram a dureza da realidade do exercício do poder, mas só o primeiro conseguiu deixar um legado efetivo, enquanto na França, até hoje, os socialistas buscam um norte em termos de referência pessoal e de projeto político. Lula não deixa apenas um nome inscrito na História e mantém-se como personalidade, mas também deixa um projeto e ganhos incríveis.

Essa passagem de faixa - uma literal passagem de bastão - é, com efeito, paradoxal mesmo: Sim, uma mulher e uma ex-combatente armada contra o regime no poder, mas ao mesmo tempo também alguém do PT e da geração que combateu a Ditadura Militar. Dilma, da mesma geração de Lula, ainda trará consigo aquele que foi o tom da política brasileira desde o pós-Guerra e da luta da esquerda. O discurso de Dilma Rousseff foi uma expressão da sua trajetória: Sóbrio, preciso do ponto de vista técnico e suave. Se a trajetória de Dilma, seja no campo da luta armada, do trabalhismo social de Brizola ou no do socialismo democrático do PT, foi marcado por uma atuação no campo administrativo, mas na sua aparente dureza e objetividade burocrática, existe algo que me escapa, uma certa suavidade e uma certa sutileza.

Dizer que Dilma enfrentará desafios enormes é o mesmo que dizer que o céu é azul, trata-se de uma inerência de governar o Brasil. Os anos no Poder tornaram o PT uma legenda muito diferente, ao mesmo tempo em que ele perdeu muito da sua criatividade com suas estruturas se enrijecendo ao entrar em contato mais profundo com o Estado, o partido também perdeu completamente certo idealismo ingênuo que o limitava. Com Dilma, a correlação de forças do partido não se altera substancialmente, mas é possível que ele tende a ser mais preciso enquanto máquina de administração. Trata-se de um projeto cada vez mais assumidamente social-democrata, com feições anti-imperialistas na política externa - o que é uma combinação importante.

O Brasil mudou muito e seguirá mudando, mas nos depararemos nos próximos anos com o resultado efetivo de grande parte dessas transformações. A poeira começará a baixar e muita coisa ficará claro. E isso vai acontecer num cenário onde a classe trabalhadora está mais forte e as instituições multilaterais do continente idem. No entanto, se o PT não for capaz de absorver essas mudanças, será engolido por elas.  Trata-se de um movimento parecido com o da Europa do pós-Guerra em um cenário e uma conjuntura totalmente outra. Mas é uma conjuntura que a esquerda libertária não pode se dar ao luxo de não comemorar, se o projeto posto não significa uma libertação efetiva, ele constrói condições econômicas e sociais para tanto - e só uma leitura catastrofista apontaria em uma direção inversa.

Da minha parte, estou satisfeito com a composição ministerial - especialmente com a nova equipe econômica - e com o impacto do significado histórico da vitória de Dilma. Assim como a ascenção de um operário à Presidência há oito anos atrás mudou para melhor a condição e as perspectivas dos trabalhadores, a vitória de Dilma pode significar o primeiro passo para a reversão da opressão silenciosa que a mulher sofre em nossa sociedade, seja economicamente ou na sua participação na política.


atualização das 21:25: Fiz um formspring para me divertir um pouco agora em Janeiro ;-)



5 comentários:

  1. Caro Hugo

    Estou de alma lavada com a posse da Dilma. E, emotivo que sou, lágrimas correram. Torço muito para que nosso país prossiga no caminho correto de Lula.

    Dilma tem tecnicidade, astúcia, inteligencia e muita vontade para contornar os problemas e trabalhar pelo nosso país. O duro será lidar com a oposição, creio que isso será bem complicado. São muito traíras, sem falar ne imprensa. Logo logo vão inventar algo contra ela.

    Ah, li sei formsprings e me diverti com as respostas...rs. E também me surpreendi em saber que faz direito. Muito interessante, será um grande juiz, quem sabe?

    Um forte abraço!

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  2. Pyotr,

    Todos estamos de alma lavada, tovarish, todos estamos - ainda mais perto do que se avizinhou em dado momento do ano que mal terminou. E serão dois grandes desafios em termos de política, uma é enfrentar a oposição - que, é verdade, saiu minorada do embate eleitoral - e outra é coordenar o complexo bloco governista e toda sua heterogeneidade.

    abraço

    P.S.: De fato, há cinco atrás, se alguém me contasse que eu estaria estudando direito hoje, me espantaria verdadeiramente.

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  3. Obrigado, Eduardo, depois darei uma passadinha lá.

    abraços

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  4. Da posse do Lula me lembro do Ramez Tebet (PMDB) fazendo um discurso emocionante, pena descobrir depois que ele tinha falecido... Também me lembro de uma enormíssima bandeira do Brasil com crianças brincando em cima, juro que foi uma das coisas mais bonitas que já vi na televisão.

    Não pude assistir à posse, mas achei hilário quando a locutora da Record comentou que foi uma disputa acirrada. Desde quando é acirrada uma disputa que quase se resolveu no primeiro turno?

    E como comentei com você, a minha experança é o programa Renda Básica...

    abraços

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  5. Olá, Celião. A posse do Lula foi lindíssima, tanta alegria, tanto brilho. Certamente foi dos eventos da mais importantes - e belos - da década que passou. Lula cometeu seus erros, não foi o Governo que muitos supunham que seria - o que eu, na minha desconfiança de matuto, antevi -, mas creio que quando tudo parecia que ia dar errado, o segundo mandato reservou alguns bons acertos que resultaram na construção de condições interessantes para o futuro. Seja a política estratégica que a diplomacia brasileira exerce hoje no mundo ou a política que, bem ou mal, livra as pessoas da servidão que a fome provoca. Sim, apesar dos ar meio pesado e um certo esvaziamento da criatividade da esquerda - presa, não raro, num anti-lulismo burro ou num lulismo sectário -, eu creio que poderemos ter anos bons pela frente e confio em Dilma. Acho que a classe trabalhadora estará mais forte em 2014 e aí, coisas interessantes poderão acontecer.

    abração e um grande 2011

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