sábado, 30 de janeiro de 2010

As Pesquisas Eleitorais e as Eleições 2010

Em um primeiro momento, eu creio que as pesquisas eleitorais são uma página particularamente complexa da ordem brasileira pós-1988, pois, para além da neutralidade com a qual se apresentam, elas são um importante fator de direcionamento do eleitorado e de uma redução do processo eleitoral a uma mera disputa de popularidade - e temos sim episódios completamente bizarros como a das últimos eleições baianas, na qual Jacques Wagner estaria sendo derrotado no primeiro turno e, de repente, exatamente o contrário aconteceu (!).

Portanto, é preciso muito ceticismo na avaliação desse tipo de pesquisa: Considerar de antemão a inexistência de neutralidade delas e investigar os pressupostos políticos e econômicos por detrás da sua elaboração e publicação são fatores essenciais nesse processo. Tais empresas de avaliação da "opinião" - e não de conhecimento  das pessoas são influenciadas, em um primeiro momento, por seus próprios interesses políticos e econômicos estritos - a preferência sim por um dos candidatos - e pela necessidade de sobrevivência no ramo, o que as pressiona por outro lado para a divulgação de pesquisas mais ou menos fidedignas - em suma, é mais comum a indução dos entrevistados do que a fraude propriamente dita.

Tais pesquisas servem para o sistema como oráculos: Se por um lado, elas podem ser um instrumento de influência da massa desorganizada no período pré-eleitoral, por outro, elas são importantes fontes de informação que ajudam o sistema a traçar, com a devida certeza e antecipação, o seu modus vivendi com os grupos que tem chances reais de ocuparem o poder político. Nesse clima particularmente agitado pela proximidade da campanha para a Presidência da República, a  mais recente pesquisa eleitoral causa furor e se torna o grande ponto para o debate - principalmente, pelo fato da candidata governista, Dilma Rousseff, ter registrado novo crescimento.

É um cenário muito complexo, para além das pesquisas eleitorais, temos um quadro em eleições presidenciais, de 89 para cá, no qual a esquerda jamais teve menos do 30% dos votos. Por outro lado, desde que Lula ficou a frente de Brizola naquele pleito, temos um quadro no qual o PT domina o setor de esquerda (o que se comprova também nas eleições parlamentares) e, depois de 2002,  passou a absorver grande parte do eleitorado centrista - evidentemente Lula é maior eleitoralmente do que o PT, uma distorção possível dos sistemas presidencialistas, mas isso não quer dizer que o PT seja pequeno, muito pelo contrário, ele foi o partido com a maior votação direta para a Câmara em 2006 e segunda maior nas municipais de 2008.

Nesse momento, Dilma, representa tanto a sucessão de Lula quanto a candidatura do PT. José Serra, seu adversário, mesmo tendo origens na esquerda, está firmemente aliado com a direita e detém ao seu favor praticamente a unidade desses votos. As pesquisas de opinião, em sua sutil metafísíca, apontam, por sua vez, para uma altissíma popularidade do atual presidente, o que pode fazer a diferença na disputa do eleitorado centrista - as duas eleições de Lula foram fruto de um consenso entre a esquerda e e parte do centro, expressa pela mistura de uma política social-democrata com retoques desenvolvimentistas; tais pesquisas sobre sua popularidade, portanto, apontam para a manutenção desse consenso, o que é amplamente desfavorável para Serra.

Nesse ponto, boa parte das pesquisas eleitorais do ano passado que apontavam para Serra com uma considerável vantagem, tinham omitidas na sua publicação pela mídia corporativa o fato de que poucos entrevistados manifestavam a sua intenção de voto - e muitos dos que se manifestavam, o faziam mediante o estímulo, ou seja, depois da leitura dos nomes dos possíveis candidatos. Levando em consideração que o eleitorado que tende a estar mais mobilizado um ano antes das eleições é, justamente, o de oposição, tínhamos uma situação pouco esclarecedora.  

O que temos assistido nos últimos meses é o crescimento da candidatura Dilma, o que revela uma aproximação das pesquisas de opinião sobre as eleições 2010 com as congenêres sobre a avaliação do atual mandatário - confirmando uma tendência como aponta um post do blog do Azenha: Dilma detinha 17% em dezembro e agora tem 27%, a proporção diante da manifestação bruta de intenção de voto foi de 22,07% para 34,6% - haja vista que em Fevereiro 78% dos entrevistados se manifestaram contra 77% em Dezembro. A candidata governista tem agora o eleitorado consolidado da esquerda e possívelmente alguns eleitores centristas - dado o fato de que Marina Silva ainda rouba votos à esquerda.

Serra, por sua vez, caiu de 50,6% para 43,58% no que toca aos entrevistados manifestaram intenção de voto. Foi uma queda drástica se levarmos em consideração o espaço de tempo que falamos, mas ela foi previsível. O que ele tem, mesmo sendo o nome mais conhecido do eleitorado, é pouco mais do que votação que ele e Alckmin tiveram em 02 e 06 respectivamente, algo relevante, mas insuficiente. Essa equiparação entre os candidatos, ditada pelas pesquisas, vai esquentar as coisas daqui para frente, espero que colabore para a qualificação do debate, ainda tão pobre numa democracia representativa cada vez mais em crise.

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Aniversário d'O Descurvo

Há um ano atrás, este blog teve início. De lá pra cá, foram 253 postagens. Passei por altos e baixos, fiz correrias inacreditáveis para continuar postando, mas sempre tentei manter-me fiel à ideia fundante deste espaço: Fomentar o debate e provocar a reflexão em relação a todo esse fluxo informacional que nos sufoca diariamente. Não é uma tarefa nada fácil - e é assim que ela deve ser encarada, sem se perder no idealismo nem no niilismo, dando um passo de cada vez e chamando as pessoas para construírem junto. Estivemos juntos acompanhando momentos que vão desde o protesto contra a ditabranda até o golpe hondurenho, sempre provocando um cadinho e chamando para o debate. A blogosfera é um meio profundamente dinâmico e um ano aqui equivale a décadas no "mundo real" - seja lá o que isso signifique -; quando eu lembro que a minha carreira de comentarista obsessivo-compulivo de blog tem só dois anos e meio, e que eu escrevo aqui há apenas um, chega a ser chocante. Nesse período, não acho que a blogosfera evoluiu qualitativamente, muito pelo contrário, em muitos momentos ela me preocupa -  e do mesmo modo, eu sou cada vez mais crítico em relação ao que eu escrevo e ao que eu estou fazendo nesse espaço. Espero continuar aqui por mais um bom tempo ou pelo menos enquanto eu continuar achando que ainda faço alguma diferencinha por aqui - dentro da minha humilde pequenez -, sigamos juntos, portanto e matemos os nossos leões de cada dia.

Um abraço

quinta-feira, 28 de janeiro de 2010

A Economia Americana e a Era Obama

Ontem, o nosso amigo João Villaverde postou um artigo capicioso sobre a nova política americana de corte de gastos e aumento dos impostos; Para o João, essa política seria suicida e estava destinada a agravar a situação economica do país - para tanto, ele traçou um interessante paralelo com a Crise de 29 e como políticas de austeridade fiscal agravaram a situação ao invés de resolvê-la. 

É um bom debate, mas eu discordo do João. A Crise de 29 se deveu entre outras coisas a um aumento considerável da produtividade industrial americana, desacompanhada de um crescimento salarial e de um desenvolvimento do mercado creditício - tanto em condições de crédito quanto no acesso a ele - capazes de suportar tal fenômeno. Também devemos poderar o fato que a Europa foi destruída no pós-Guerra e não teve ajuda americana para se reconstruir, logo seus mercado interno, que poderia absorver a produção americana, estava completamente anêmico - ao passo que Japão e URSS se desenvolviam com modelos fechados.

Não deu outra: A deflação explodiu nos EUA, pois a oferta era muito maior do que a procura, os preços caiam e junto com eles os empregos iam embora num círculos vicioso - mais do que isso, todo o sistema ocidental, já tributário da jovem potência americana, acabou sentindo os efeitos da Crise. Naquele momento não havia outra política possível nos EUA senão cortar juros - e para tanto, Roosevelt bateu de frente com o sistema financeiro - e gerar déficitis públicos derramando a grana na economia - em suma, ali o desarrocho fiscal e monetário eram fundamentais porque a economia estava artificialmente congelada.

Essa crise atual, por sua vez, é bem diferente. Ela diz respeito aos efeitos adeversos a uma mundialização economica assentada sobre uma superpotência e sua respectiva moeda nacional - assumida enquanto moeda hegemônica -, o que era insustentável a longo prazo, mas acabou explodindo nos anos Bush por conta da forma como ele e os republicanos detonaram as contas públicas, o que, junto com o déficit comercial, criaram um déficit em conta corrente insustentável mesmo para os EUA, pois essas medidas acertavam bem no centro de equilíbrio do Dólar, justamente a grande arma americana em assusntos econômicos.

A sobrevivência do Capitalismo contemporâneo passa pela construção de mecanismos globais de governança econômica e, quem sabe, de uma moeda global. No entanto, enquanto essa complexa construção não é elaborada - e um dos entraves para isso é, justamente, a política muito pouco empenhada do Governo Obama nesse sentido -, o mundo depende sim de ajustes econômicos nos EUA - e os próprios americanos dependem disso.

O fato é que dentre as economias desenvolvidas do globo, os EUA tem uma das menores cargas tributárias, com algo em torno de 27% do PIB - contra uma média de 38% na Europa. Por outro lado, a população americana é profundamente contrária a aumentos de impostos e se mostra mais insatisfeita com os impostos que paga do que os Europeus. O Allan Patrick fez um post interessante sobre as possíveis causas disso: O Governo Americano gasta 55,3% do PIB em gastos militares e em juros da dívida pública (sendo que tais juros crescem devido com a dívida agravada pelos gastos militares).

Em suma, objetivamente, mais da metade dos impostos arrecadados nos EUA vão para oligopólio bélico e para o financeiro. Tirando algo que se perca pelo caminho, então temos um descalabro, quase nada retorna para o contribuinte e, pior, o Estado, mesmo tendo uma tamanho relativamente pequeno, opera como um elemento concentrador de renda agudo, tirando dos trabalhadores e dando para o grande capital bélico e financeiro - numa inversão tão feroz que passa desapercebida pelo próprio Índice de Gini.

Economia não é um jogo de custos, mas sim de custo-benefício, nesse sentido, a eficiência do imposto pago pelo contribuinte americano é muito mais baixa do que o do seu congenêre europeu. Assim, ele acaba mirando a sua insatisfação no Estado e se torna arredio a qualquer política de ampliação dele - pelos motivos errados, o que implica até mesmo numa oposição mesmo a planos como o da universalização da saúde pública. Hoje, o capitalismo americano depende de um aumento do Estado e um corte de gastos sim, mas caso o sistema politico local não seja capaz de cortar onde ele deve , ou seja, no descarado subsídio dado ao setor bélico, ocorrerá um desastre sem precedentes devido a capitulação do sistema a um setor-parasita.

O capitalismo americano - e global - pode simplesmente implodir. Isso não é nada bom: Devemos trabalhar pela superação dialética dos sistemas economicamente exploradores, esperar pelo colapso já previamente inscrito em sua dinâmica. Portanto, o catastrofismo alimentado por certos setores da esquerda é simplesmente assustador, improdutivo e anacrônico. Tomemos como exemplo o fim da ignomoniosa planificação centralista da Cortina de Ferro, ocorrida não por sua superação, mas sim pelo seu colapso e temos uma bela imagem dos riscos que estamos correndo.

segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O Aniversário de São Paulo

Hoje, São Paulo completa 456 anos de idade e não há o que comemorar. Choveu e, para variar, inúmeros bairros ficaram debaixo d'água, aconteceram desabamentos, o transporte público parou ou ficou lento e o trânsito ficou um caos. O problema não é apenas o ridículo de uma cidade desse porte simplesmente parar quando chove forte, mas sim o singelo fato de que pessoas de verdade vão morrer e outras tantas ficaram desabrigadas.

A cidade é um caos urbano. O crescimento maluco do pós-guerra movido à política econômica pau-na-máquina dos militares se concretizou por uma industrialização anormal, a doutrina de privilegiar o transporte individual em detrimento do público e no acúmulo dos trabalhadores em verdadeiros anéis de pobreza estabelecidos na pereferia do município. Some-se isso a intrincada rede de corrupção enraizada na administração pública e temos a expressão do caos.

Se até os anos 80, ainda residia a ilusão de uma vida digna no coração dos milhões de trabalhadores imigrantes que ajudaram a construir a cidade, depois disso, a desagregação social atingiu patamares inacreditáveis. A favela deixou de ser um local de moradia precário, porém temporário para se tornar uma campo de concentração perpétuo. Os aluguéis nos bairros proletários se tornaram impagáveis. Quando a desindustrialização precoce decorrência lógica do processo de industrialização anormal, os políticos ainda vendiam a ilusão de "trazer mais indústrias".

Nesse sentido, setores da esquerda paulistana foram fundamentais na organização de movimentos de moradia. Em geral, falávamos daqueles setores que giravam em torno da esquerda católica que ajudou a fundar o PT e, em menor grau, setores da esquerda uspiana. Mesmo sendo pouco, foi com o apoio desses setores que Luiza Erundina venceu as prévias do PT, contra os interesses da cúpula do partido, derrotando, vejam só, o hoje psolista Plínio de Arruda Sampaio, então candidato da Articulação - numa época em que as bases do PT ainda tinham forças para peitar a cúpula do partido, logo mais, isso mudaria. Erundina ainda venceria Paulo Maluf, a encarnação da direita paulistana, nas eleições municipais.

Claro, Erundina nunca foi perdoada por setores importantes do seu partido. Isso fez uma diferença muito grande quando ela era massacrada pela direita paulistana durante o seu governo - e muitos dos seus correligionários simplesmente não descruzavam os braços, exceto quando era para brigar internamente. A falta de cola administrativa de sua gestão, o jogo baixo dos seus adversários e a falta de coesão interna do partido abriu espaço para a volta da direita no poder, mais especificamente do malufismo - com efeito, um desastre.

Os anos 90 foram um desastre. Sob a égide de Maluf, a corrupção grassava na prefeitura enquanto um modelo urbanista fracassado e já ultrapassado - mas interessante para alguns oligopólios - era mantido. Some isso ao desmonte promovido pelo Governo FHC e por Covas no Governo Estadual - que diagnosticava bem os problemas de São Paulo, mas fracassava nas medidas - e o PIB da maior cidade do país, inclusive, caiu em números absolutos, o desemprego cresceu exponencialmente junto com a pobreza, a miséria e a violência. O terror só piora quando Maluf ainda faz sucessor e elege Celso Pitta na esteira da inépcia da esquerda local. Durante o Governo Pitta, a tragédia ganhou aspectos de comédia.

O PT municipal só ressucitou à luz do descalabro. A atuação corajosa de um José Eduardo Cardozo na Câmara foi fundamental na confrontação que resultou na derrota do malufismo, a duras penas no ano 2000, quando uma certa Marta Suplicy passa para o Segundo Turno contra Maluf e o derrota com o apoio do PSDB covista - talvez no último gesto político de relevo de Covas, que viria a morrer meses mais tarde em 2001.

O Governo Marta foi um misto de boas políticas sociais, a velha falta de coesão administrativa do PT paulistano e certos exageros e imprudências. Isso custou a derrota petista em 2004 para um Serra, disposto a usar aquela eleição como um trampolim para seu renascimento político - o que implicaria na sua volta ao jogo da disputa pela Presidência da República, o que se confirmou.

Curiosamente, Serra vence com um vice desconhecido, um obtuso deputado do ex-PFL chamado Gilberto Kassab que herda quase que um mandato inteiro, quando Serra, naturalmente, pula do barco e vai disputar o Governo do estado - saindo-se bem-sucedido novamente, pelo menos do ponto de vista eleitoral. Kassab toca mantém certas características do Governo Marta, pára outras e as contradições essenciais do município continuam sendo mais do que empurradas com a barriga: Elas são acirradas.

Kassab derrota uma desgastada Marta e um decrépito Alckimin graças a mais um jogada de mestre de Serra que assim afirmou sua liderança dentro do partido. A história daí em diante, você já deve conhecer. Enquanto os confrontos eleitorais entre os partidos burgueses se segue, a população vive mal. Hoje, 57% da população gostaria de se mudar. Só agora, tanto tempo depois, as pessoas descobrem que Kassab é um mal prefeito.

A cidade é isso, uma pequena quantidade de bairros burgueses e pequeno-burgueses, mantidos pelos trabalhadores que moram em bairros decadentes na periferia - ou mesmo na hiperperiferia da região metropolitana. A cultura é uma cópia do mass culture global e uma tentativa de réplica da erudição europeia. São Paulo incomoda porque ainda tem potencial de ser algo melhor, mas não é e só será quando a ideologia bandeirante - o processo bárbaro, incessante e imoral de civilização - for superada.



 

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Análise das Eleições Chilenas

 (Foto retirada daqui)

Sebastián Piñera derrotou Eduardo Frei no segundo turno das eleições chilenas e é o novo presidente do país. Será o primeiro presidente direitista eleito naquele país pelo voto popular - em um processo limpo, diga-se - desde que Jorge Alessandri venceu as eleições presidenciais de 1958 - para um mandato que acabou em 64. De lá para cá, fora a ditadura Pinochet, a cadeira presidencial foi ocupada por três democratas-cristãos e três socialistas - portanto, houve uma alternância entre o centro e a esquerda no que toca os dois períodos de normalidade institucional dos últimos 46 anos. O resultado foi bastante apertado: Piñera venceu Frei por 51,8% a 48,1%.

No Chile, diferentemente do Brasil, a direita é bem articulada partidariamente e não precisa se associar a partidos de centro para vencer eleições. Ela mobiliza um eleitorado poderoso e a verdade é que o país é bem mais conservador do que o Brasil - principalmente em questões morais. Piñera é muito diferente de Serra: Enquanto o segundo é um político de centro cuja origem remonta à esquerda e agora, oportuna e eleitoralmente ele se alia  à direita, o primeiro foi um homem do establishment da ditadura Pinochet e é várias vezes mais conservador.

Aliás. o Renovación Nacional (RN), o partido de Piñera, também não é o PSDB. Ele é muito pior. Ele é um quase DEM, um partido criado em 87, logo depois que Pinochet permitiu a reorganização dos partidos e o país se preparava para o plebiscito que iria decidir pela permanência da ditadura, conseguido a duras penas - tanto por uma pressão interna silenciosa quanto pela pressão internacional. Mesmo estando um tantinho à esquerda da Unión Democrática Independente (UDI, a maior agremiação individual do país) o RN apoiou em sua maior parte a manutenção da ditadura. Se o antigo PFL no Brasil pelo menos nasce de uma ruptura na base de apoio da ditadura local, numa adesão de última hora à democracia formal, no Chile, o RN, nem isso é. No máximo, é um quase DEM.

Também é particularmente engraçado como Eduardo Frei-Tagle é qualificado como esquerdista. Nada disso. Frei é um centrista, fosse brasileiro e estaria certamente no PSDB. Aliás, quando falamos no Consertación, a famosa coalização que une partidos de esquerda e centro-esquerda do pais, falamos de um balaio de gato que só teria paralelo no Brasil se o PT e o PSDB se unissem numa coalização para derrotar a direita - mais ou menos quando ambos se uniram nos segundos turnos das eleições para o governo de São Paulo em 98 e para a Prefeitura de São Paulo em 00 contra o malufismo.

Talvez, isso só não aconteça no Brasil porque a direita pró-ditadura seja insignificante, o que permite o PSDB manter uma posição cínica de cooptação de votos à direita - e de composição com partidos desse espectro -, por um oportunismo eleitoral que ele pode se dar ao luxo pela conjuntura. Aliás, insisto: O Partido Democrata-Cristão do Chile se assemelha mesmo ao nosso PSDB enquanto o Partido Socialista seria o equivalente ao PT. De tal forma, Serra não mente quando diz que torcia para Frei. Para exemplificar, PT e PSDB têm, juntos, 27,8% dos deputados enquanto PP e DEM têm 19,8%; no Chile, enquanto o PS e a Democracia Cristã têm 25% dos deputados, UDI e RN têm 48%.

Se pegarmos as duas últimas eleições chilenas para presidente, veremos que os candidatos do Consertación venceram por margens pequenas. Os democratas-cristãos Aylwin com e Frei ganharam com, respectivamente, 55% e 58%, enquanto os socialistas Lagos e Bachelet venceram, ambos em segundo turno, com , respectivamente, 51% e 53%. Na hora H, a aliança de centro-esquerda sempre esteve pau a pau com a direita e o voto centrista é quem decidiu. A referida popularidade de Bachelet era pura aprovação pessoal e de governo, o que conta pouco num país no qual o eleitorado é bem mais polarizado e dividido do que no Brasil - e bem menos progressista também.

Bachelet errou em alguns aspectos, mas os democratas-cristãos erraram ainda mais. Por mais que o PDC seja maior do que o PS, suas lideranças deveriam ter a sensibilidade - e a honestidade - de admitir que não tinham quadros para disputar uma eleição majoritária e que nas fileiras socialistas haveria quem fizesse isso melhor - como o próprio Marco Enriquez-Ominami, que se candidatou como independente porque o Consertación iria indicar um democrata-cristão e o mesmo vale para Jorge Arrate. Tanto isso é verdade que ressucitaram a figura de Frei. O erro da atual presidente do Chile foi não ter tensionado e bancado uma candidatura própria do partido.

Dentro da atual conjuntura política chilena, no entanto, Piñera estará duramente limitado. Não poderá governar para si ou apenas para elite chilena. É verdade que é contraditório que tenha vencido, com um discurso fora de moda à luz da conjuntura mundial, mas ele não poderá fazer um governo conservador radical, nem virar as costas totalmente para a integração latino-americana e os projetos sociais do Consertación - que são fundamentais para um país com um abissal desigualdade social como o Chile, a maior ameaça no médio prazo para o avanço do desenvolvimento do país.

Mesmo que a instituição da Presidência da República seja forte no Chile, a conjuntura parlamentar não lhe favorece; a Coalizão pela Mudança a que pertence, fez apenas 58 deputados em 120 - apenas mais um do que o Consertación - e fez apenas 17 senadores em 120 - um a menos do que o Consertación. A Coalizão de Esquerda Chile Limpo fez 6 senadores e e 3 deputados. Os independentes fizeram 4 senadores e 2 deputados. A Nova Maioria - coalização que une ecologistas e humanistas - fez 7 senadores e nenhum deputado. Portanto, o equilíbrio dos últimos anos foi mantido, o que aponta para mais 4 anos de conservadorismo extremo nas questões individuais e uma manutenção do modelo econômico e social - ou pelo menos representa que se Piñera quebrar esse pacto, o Chile ficará ingovernável e ele ficará paralisado.

Duro é saber o quanto Piñera pode conter arroubos do tipo por parte da direita e mesmo o quanto ele quer isso. Mais duro ainda é saber até quando o modelo chileno continuará produzindo efeitos socialmente positivos - afinal, se mesmo com as reformas lentas do Consertación, as coisas pareciam se aproximar de uma contradição logo mais, agora as coisas tendem a ficar mais complicadas.

No que toca ao futuro dos socialistas, é difícil imaginar que eles voltem ao governo caso não refundem seu partido. Isso não está próximo nem será fácil: O PS é refém político dos democratas-cristãos e o resultado das eleições parlamentares onde ele ficou apenas em quinto no geral individual dos partidos e em terceiro dentro de sua coalizão - bem como a crise nas suas bases e no topo - são indicativos claros disso.

Enfim, o caso chileno não tem tantos paralelos quanto imaginamos com o nosso quadro político - ou como nos fazem imaginar alguns cientistas políticos que veem nisso um bom argumento para dizer que Dilma irá perder (ela pode até perder, mas não pelos mesmos motivos). O paralelo que se pode traçar, portanto, não é eleitoral, mas sim puramente político: A esquerda não pode fazer política orientada por cálculos frios de poder, mas sim a partir e de acordo com valores. Seja lá onde for.

sábado, 16 de janeiro de 2010

Ano novo no Futebol

Há quem veja o futebol com maus olhos, eu pessoalmente, creio que visões muito negativas sobre o esporte bretão são movidas por uma profunda incompreensão do que ele se trata - ou pelo menos, nunca me deparei com uma argumentação suficientemente convincente contra ele. Creio que, como qualquer outra atividade humana, ele tenha defeitos e virtudes, mas estou certo que as segundas superam de longe as primeiras;  mais do que isso: Mesmo que por natureza o futebol já seja um esporte bastante includente, ele, mais do que as outras esferas de convivência humana, se mostrou mais capaz de absorver certas demandas sociais do que a média; Ele incluiu negros, está incluindo as mulheres assim como inclui pessoas dos mais diversos biotipos - e, por tabela, etnias. O futebol tem um grande desafio pela frente que é incluir também os homossexuais masculinos, mas creio que cedo ou tarde isso vai acontecer. O futebol já parou guerras. Lembro bem do jogo entre Brasil e Haiti e de como isso ajudou a facilitar a missão da ONU no país - que se não rendeu os devidos frutos, não foi nem é pela presença das tropas da Minustah por lá. A temporada, aliás, começou - cedo devido a Copa da Mundo da África do Sul que parará o mundo da bola no meio do ano. Destaque para o meu Palestra que a despeito da fragilidade do adversário, o Mogi Mirim, jogou muito e enfiou um chocolate de 5x1 - Márcio Araújo e Léo estreiaram muito bem, Cleiton Xavier e Diego Souza deitaram e rolaram. Pois é, a saída de Vágner Love fez bem para a equipe.

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Todos Juntos pelo Haiti - A União Faz a Força



Eu tive um dia extremamente corrido. Fui com meu velho para o hospital hoje pela manhã por conta de um tratamento que ele está fazendo - e tudo, felizmente, está correndo bem -, depois ainda gastei algum tempo cuidando de outros assuntos urgentes, algum debate sobre as questões do CA, algumas coisas minhas e, no meio do caminho, topei com a notícia sobre o terremoto que houve no Haiti. Obviamente, fiquei consternado, cheguei a tuitar algo, mas só depois, pesquisando um pouco mais, me dei conta da real dimensão do desastre haitiano: Estamos falando de uma verdadeira hecatombe, uma tragédia enorme que matou entre 100 e 500 mil pessoas.

O epicentro do terremoto foi no sul da ilha de Hispaniola, há pouquíssímos quilômetros da capital do país, Porto Princípe. Foi o pior terremoto em 200 anos, os alertas de Tsunami chegaram a disparar, dada a intensidade do sismo. Mesmo se tívessemos falando de um desastre dessa magnitude numa nação rica e preparada para terremotos como o Japão, estaríamos falando em milhares de mortos. Em um país como o Haiti, com miséria para todos os lados por conta dos sucessivos golpes de Estado, a tragédia foi potencializada e podemos estar falando em número de mortos que beira os 10% da população do país.

Não custa lembrar que centenas de soldados brasileiros se encontravam estacionados na ilha em missão de paz das Nações Unidas. Os dados do momento apontam para quase vinte mortos. Entre as vítimas está Dona Zilda Arns criadora da Pastoral da Criança, intensa militante social, irmã de Dom Paulo Evaristo. Dona Zilda se encontrava no país fazendo o que sempre fez: Fazendo trabalho social firme, honesto e discreto - em um país onde não falta quem constate as coisas e nada faça ou pouco faça e muito diga. Ela faleceu dentro de uma Igreja, onde discursava para a população local, soterrada pelos escombros.

A morte de Dona Zilda pode ter sido trágica, mas uma morte digna, tão digna que se torna bela como disse Dom Paulo na carta em que comentava o fato e terminava por dizer não é hora de perder a esperança - e, notem, ele falava sobre aquela esperança que vem do verbo esperancear e não do verbo esperar como já dizia o inesquecível e imprescindível Paulo Freire. É disso que o Haiti precisa agora. Não obstante a destruição econômica e política, agora veio a destruição natural.  Por mais cético que eu tenda a ser, por mais que eu suspeite que as mesmas pessoas que trabalharam ativamente em favor do golpe hondurenho cruzem os braços em relação a isso, concordo com Dom Paulo: É hora de termos esperança e também de seguirmos o belo lema nacional do Haiti, l'union fait la force, a união faz a força.


P.S.: amanhã tentarei dissertar mais sobre o assunto.

Ato em favor do PNDH-3, amanhã!

Pescado do blog do Tsavkko:


Companheiros queridos,

No dia 14, quinta-feira, haverá, em todo o Brasil, ações e atos a favor do 3o. Programa Nacional de Direitos Humanos.

Em São Paulo a ação será dividida em duas partes:

1. AO MEIO-DIA, em frente ao escritório da Presidência da República, esquina de av. Paulista com rua Augusta, protocolaremos uma carta ao presidente Lula, com os nossos argumentos e o pedido de uma audiência urgente. A Carta ainda está sendo escrita.

2. ÀS 18 HORAS, no auditório Vladimir Herzog, no Sindicato dos Jornalistas, na rua Rego Freitas, faremos o ato propriamente, com a presença de todas as entidades que apóiam o Programa e não aceitam a posição do ministro da Defesa, que pré-fabricou uma crise política e militar.

Lembro que uma das partes do programa mais questionadas é a da Comunicação, com a ANJ e Abert dizendo que somos contra a liberdade de expressão. É inacreditável o que está acontecendo.

       COMPAREÇAM.
       NÃO DEIXEM DE VIR.
       TRAGAM AMIGOS E COMPANHEIROS.

Se alguém tiver contatos com entidades, por favor, peça o apoio e nos avise. Ou nos passe o contato para fazermos o convite. Em outro e-mail mando as que já nos apóiam.

Um beijo a todos.

Rose Nogueira
GRUPO TORTURA NUNCA MAIS

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

Verdade, Justiça e Esquecimento

















 (verdade e justiça)


A acirrada discussão em torno do terceiro Plano Nacional de Direito Humanos trouxe à baila aquilo que eu insisto em classificar como o maior tabu da Nova República: A não resolução da questão da Ditadura, de suas consequências e feridas. Há mais de vinte anos, insistimos na prática esquizofrênica de tentar curar certas feridas simplesmente ignorando sua existência e o resultado é que vivemos às voltas com uma Democracia que não está consolidada, longe disso. 

Se os arautos da realpolitik acharam que poderiam construir uma Democracia assentada em mentiras, eles se enganaram. O mesmo podemos dizer sobre os idealistas que supunham que a Democracia formalmente instituída, por si só, seria o bálsamo milagroso para todos esses males - quando, na verdade, sua concretização dependia da resolução desses assuntos o tempo inteiro. O fato é que estamos voltas com um cenário no qual além do entulho autoritário não ter sido varrido, ele ainda insiste em se proliferar. 

Uma leitura vulgar do materialismo - recorrente em nosso meio - aponta para inexistência da Verdade e da Justiça - ou mesmo, a leitura vulgar do relativismo aponta para uma direção na qual esses conceitos são esvaziados. Trata-se, com efeito, de um grave equívoco dos tempos atuais. Nesse sentido, não há como deixar de contrastar ambas, à luz do atual conjuntura, com a chamada Lei de Anistia - e "anistia" vem do mesmo radical helênico de "amnésia", portanto, estamos falando em "esquecimento".

Em um primeiro momento que haveria de ser "verdade" na Língua portuguesa? Em apertada síntese, podemos lembrar daquilo que a Professora Marilena Chauí expõe tão claramente em seu Convite à Filosofia, não estamos falando de um termo cujo significado é uma mera decorrência do latim veritas: O conceito grego de aletheia - o desvelado, o não-oculto - e o hebraico emunah - a confiança e a esperança cuja expressão mais perfeita é profecia. 

De tal modo, "verdade" em português - e provavelmente em seus cognatos nas línguas latinas - possui um significado bastante profundo: Ela se refere ao passado - o fato visto e narrado da veritas, portanto, ela detém uma dimensão subjetiva e seu oposto é a mentira -, ao presente - aquilo que é e cujo oposto é o falso, advindo da aletheia - e ao futuro - aquilo que será, que decorre do significado da emunah. Portanto, quando falamos em verdade, temos uma palavra cujo significado vai para muito além da verdade factual.

Quando a sociedade brasileira clama por verdade, ela está procurando construir não apenas por uma narrativa histórica condizente com os fatos acontecidos, mas com lutando contra o falsificação do presente e pela garantia do futuro. Será que podemos construir uma Democracia negando isso? A nossa história recente está provando que não. Será que podemos simplesmente esquecê-la? Eu duvido, há quem discorde, mas para mim, com o perdão do trocadilho, a assertiva de que a verdade detém uma dimensão objetiva me parece verdadeira.

A Justiça é um conceito ainda mais incerto, mesmo que dificilmente alguém vá se colocar contra ele. Sua origem há de estar no sânscrito, mas é no latim justitia, um ideal intrinsecamente ligado ao conceito de igualdade e de distribuição correta - seja na definição católica " a constante e firme vontade de dar aos outros o que lhes é devido" ou na socialista "de cada um conforme sua capacidade, para cada um conforme sua necessidade". Trata-se de um ideal que aponta para o caminho correto para a interação das pessoas e das coisas em sua forma e em seu movimento.

Verdade e Justiça caminham lado a lado. Para os gregos, as deusas que as representava nutriam uma relação de parentesco: Diké - a justiça - era a filha mais velha de Aletheia - verdade. Um simbolismo interessante para dois conceitos que andam lado a lado, pois se aceitarmos sua existência concreta como real, estaremos diante do fato de que uma não poderia existir sem a outra - portanto, não haveria como nega-las em separado.

De tal forma, se tomamos como possível esquecer os fatos, também estamos tomando como possível ignorar a justiça - e as consequências disso. Podemos ser suficientemente cínicos e aceitar esse ponto de vista, reduzindo à Política a um mero cálculo de correlação de forças do momento - ou pior, a uma mera consequência, matematicamente expressa, dos dados econômicos convenientes - a qual poderia ser válida em todas as circunstâncias - ou mesmo que livros de história fossem uma mera compilação de papéis que aceitasse qualquer coisa. Disso, poderíamos e podemos construir algo, mas certamente o monstrinho que sai dessa processo não se chama Democracia.

Para além da existência ou não das coisas - e eu estou bem longe de conseguir provar o que quer que seja, ainda que eu intua algo -, não podemos virar as costas para o significado das coisas: Um país que possui inúmeros setores incomodados com uma Comissão de Verdade e Justiça, alegando o clamor de esquecimento em seu favor, deve ter algum problema grave que deve ser resolvido e não mais ignorado.






domingo, 10 de janeiro de 2010

Os Nossos Militares, a Guerra de Hoje e a Democracia


 (Santos Dumont plana sobre Paris no 14 Bis, foto retirada daqui)


Nos últimos dias, bem nesse período de virada de ano, o tabu-mór da democracia brasileira vem sendo trazido à tona de um modo bastante curioso. Seja em relação ao novo factóide em relação ao terceiro Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH), ao chilique elitista de uma figura emblemática do jornalismo reacionário como Boris Casoy ou ao falecimento de um estandarte do período como Erasmo Dias, aqueles que pensam que construiremos um futuro decente simplesmente esquecendo de tudo que aconteceu, devem estar incomodados. Aliás, isso rendeu um post primoroso de Leandro Fortes além de um debate intenso por aqui mesmo como você pode conferir pelos links deixados.

A bola da vez foi o mal-fadado vazamento do relatório da Aeronáutica apontando para a superioridade do jato sueco Gripen em detrimento do francês Rafale cuja venda já havia sido acertada politicamente e faltava apenas a formalização. O tema é bastante controverso, longe de mim ser defensor do belicismo, mas fazendo uma investigação dentro da (i)lógica bélica, uma coisa mais do que elementar é que tecnologia não se transfere, ela se desenvolve - em suma, essa história de "transferência de tecnologia" é, no fundo, uma grande bobagem porque ninguém vai transferir o essencial, no máximo estaríamos falando de uma produção tecnológica meramente lateral. Em um primeiro momento, o fundamento alegado do Projeto FX2, por sí só, já tem muito de bravata.
 

Outro ponto é que se trata de uma questão política sim e não técnica como muitos querem fazer parecer. Se o Brasil não desenvolve tecnologia, logo, ele só poderia comprar tecnologia de um aliado - ou pelo menos de um país que não tivesse meios ou necessidade de lhe atacar -, o que é razoável imaginar da França, no entanto, isso, por si só não basta: É necessário que esse país não tem necessidade próxima de entregar segredos sobre esse armamento para um possível adversário seu. Teoricamente, a França não faria isso se o Brasil estivesse diante de um confronto qualquer na América do Sul, mas se isso envolvesse qualquer aliado seu da OTAN a coisa mudaria de figura. 

Vamos para um exercício elementar de lógica: Qual é o único país que teria capacidade econômica, política e militar para atacar o Brasil? Os Estados Unidos. Não, antes que os idiotas da objetividade venham me dizer que os EUA não tem motivo para nos atacar, eu sou obrigado a rebater que se você compra armamentos em época de paz é porque vislumbra a guerra no horizonte e tem de considerar todas as hipóteses - e ela só seria possível se esse determinado agente tivesse interesse. Isso tiraria do cardápio o próprio jato estadunidense Super Hornet - a menos que o Brasil estivesse comprando armas para lutar a guerra do colonialista americana - e tiraria também do páreo o caça sueco - que tem peças de meio mundo, inclusive americanas - e o próprio caça francês.

Por que os Rafales? Simples, peguemos a Guerra das Malvinas como exemplo: Os franceses entregaram segredos dos seus armamentos - aqueles mesmos que venderam para a Argentina - para os britânicos que travavam uma guerra colonial inútil - exceto para os interesses político-eleitorais de sua primeira-ministra -, logo nos primeiros dias do curto conflito . Em suma, se o Brasil estiver diante de problemas reais, não será a França que irá aguentar a pancada. Portanto, partindo de uma premissa nacionalista - logo, idealista - comprar armamento francês seria um tiro no pé estratégico, só nos restando o armamento russo para uso temporário enquanto se desenvolve tecnologia própria - os russos não têm meios nem motivos para nos invadir e também não entregariam segredos militares por questões óbvias que concernem à sua própria segurança nacional.

Evidentemente, existem interesses mil que conspiram contra a compra de armamento russo que vão do lobby da indústria armamentista ocidental, algum preconceito dos próprios militares em relação ao país - não que eu espere uma postura neutra do que quer que seja, mas é curioso o descompasso entre a visão de mundo dos militares e os consensos básicos fundantes do pacto político que deu na Constituição de 88. No fim das contas, o Governo Lula achou aquilo que ele julgava uma solução razoável: A França, pois isso envolveria a "transferência de tecnologia" e também a construção de um sistema de defesa marítimo - com os submarinos nucleares.

De repente surge essa barulho em relação aos caças suecos  - entre aqueles que foram oferecidos, o de pior qualidade e ainda estão sendo desenvolvidos dentro de um projeto confuso que envolve até peças americanas. Portanto, isso é pura agitação política passando por dentro das FFAA: (a) Existe a força do lobby em um Estado-nação com instituições fracas e FFAA funcionando quase aleatoriamente a elas; (b) Existe um jogo político-eleitoral interno no qual procura se abalar a autoridade do Presidente da República em relação ao pacto político que ele fez com a França sob a prerrogativa de uma solução técnica - com efeito, um pastelão total, afinal, nem estamos falando do melhor jato, nem da estratégia geopolítica correta.
 

Essa é a parte mais simples da confusão. Nos deparamos, na verdade, com o tabu central da Nova República: A contradição entre um sistema jurídico relativamente moderno - e social-democrata -, criado por algumas centenas de notáveis e imposto de cima para baixo - portanto, fraco - e um sistema político arcaico que envolve as grandes contradições políticas do sistema partidário - e a problemática militar. As FFAA jamais se arrependeram do Golpe ou do Regime e a Constituição de 88 foi feita em cima de uma revolta da sociedade civil contra o mesmo advento histórico - apesar de conduzido verticalmente, de cima para baixo. O resultado é o descompasso narrativo ao qual eu havia me referido. NA prática, FFAA assumem uma posição autista em relação à história ao mesmo tempo que nossos políticos - tucanos ou petistas - fingem que isso não está acontecendo.

As FFAA ainda seguem a mesma linha de pensamento dos anos 60, quando o golpe dirimiu não apenas a possibilidade de desenvolvimento nacional não-alinhado como também o próprio confronto que havia dentro de suas entranhas. As FFAA assumiram um papel político que não lhe cabe nem nunca lhe coube e criou-se uma "doutrina de segurança nacional" que de forma ideal já apresentava incongruências como, por exemplo, voltar os canhões para perseguir políticos de esquerda num alinhamento ideológico com as potências ocidentais - ao inves de defender o consenso mínimo político para garantir a integridade do país e defendê-lo de ameaças externas. A mesma linha de pensamento permanece funcionando. O fim dos ministérios militares apenas nos fins dos anos 90 é sintomático - e isso só aconteceu num toma-lá-dá-cá que envolvia a prorrogação do prazo para liberar os arquivos secretos da ditadura.

Desde a inauguração de tal Ministério, o que se viu foi os seguidos governos - FHC e mesmo Lula - empregando políticos desempregados e sem ligação com nada que envolve "defesa nacional" - não que isso fosse melhorar muitos as nossas as vidas levando em consideração o que, realmente, é um Estado-nação - como ministros da defesa e seguidas quedas dos mesmos - praticamente todas por meio de tramóias pensadas na caserna. Prosseguimos nos auto-enganando sobre tudo isso, um grande problema institucional, com efeito - tanto quanto a indisposição das FFAA em não condenar publicamente o Golpe Militar e o consequente Regime, chegando a se insurgir conta qualquer coisa que mexa com essa lógica.

Para além dos movimentos ideais, vamos agora para os movimentos reais. FFAA nacionais, profissionais e submetidas à Autoridade de um Estado são um produto das revoluções burguesas. O conceito de "nação" que daí emerge, tratava-se de uma espécie de grande família, reunida em torno de certos símbolos - bandeira, hino etc -, o que, no fim das contas, servia para dar a coesão necessária para que certas unidades políticas pudessem servir como estruturas suficientes para o desenvolvimento do Capitalismo. As FFAA eram vendidas sobre o ideal de ser uma força de combate à serviço - e para a proteção - da grande família, quando, na verdade, eram forças garantidores da ordem política necessária para o desenvolvimento capitalista tanto do ponto de vista interno quanto externo.

Hoje, depois de séculos, guerras quentes e frias, o Capitalismo mundializou-se e os Estado-nação deixaram de ser as estruturas necessárias para se tornarem meros instrumentos dele. A Guerra deixa de ser um confronto entre diferentes sistemas capitalistas mirando a hegemonia para se tornar um mero negócio contido dentro do Capitalismo, no qual trabalhadores são mobilizados e recursos ambientais são gastos para a satisfação de alguns oligopólios, tudo financiado com dinheiro público - a rigor, para nada, afinal, em várias ocasiões a guerra sequer pode ser travada, trata-se de uma maneira de concentração de renda, o material bélico é usado, em regra, em duas ocasiões: 


(I) Em grandes ações articuladas no qual o Capital Global, por meio da estrutura militar dos Estado-nação ataca países pobres em busca de recursos energéticos para a sua sobrevivência;
(II) Em conflitos entre países atrasados e institucionalmente fracos para movimentar o mercado internacional de armamento pesado.  


No Brasil existe a incongruência-chave da periferia do sistema: Existem os interesses globais e os do capital interno; os primeiros apontam para a necessidade de FFAA brasileiras armadas para uma guerra global e a segunda para a "defesa nacional" ou, numa explicação mais boquirrota, para "defender as riquezas do país" - quando na verdade, estamos falando na defesa do capital nacional e não do povo. De um modo ou de outro, as FFAA atuais - ou que restou dessa instituição depois da Ditadura - são incapazes de se organizar em torno de qualquer um desses projetos de forma eficiente. No máximo, resmungam um anticomunismo sem lugar nem tempo contra um governo social-democrata - que tentou, mesmo que de forma atabalhoada, executar o segundo projeto - denotando sérios sintomas de caduquice - e não dão boas justificativas porque deveriam ser reequipadas.
 

Ademais, nos pegamos, novamente, com o jogo eleitoral de 2010. Quando as FFAA brasileiras novamente se mostram cumprindo funções que não são suas - ou como se fosse um partido de direita - no intuito de favorecerem, quem sabe, o candidato mais conservador, fazendo-se valer da muleta brasileira histórica da neutralidade, da objetividade e da técnica. Ironia das ironias, isso está acontecendo na terra de Santos Dumont, o brilhante inventor que criou o avião para diminuir os abismos que separavam a humanidade - e que pôs termo à própria vida ao se deparar com sua invenção sendo usada para aumenta-los nas guerras.







 

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

Morre Erasmo Dias


 (foto retirada daqui, afinal, o riso é a melhor saída de vez em quando)

Morreu Erasmo Dias, militar, político e figura emblemática da Ditadura Militar - seja por ter sido um de seus mais convictos apoiadores ou por ter sido um dos principais artífices da doutrina de segurança pública do Regime. Erasmo, no entanto, ganhou notoriedade por ter comandado a invasão da PUC de São Paulo no ano de 1977 - uma retaliação da Ditadura ao Movimento Estudantil que visava reorganizar a União Nacional dos Estudantes e realizava um ato público em frente à universidade.

A PUC foi invadida e mensagens subversivas encontradas nos devidamente destruídos centros acadêmicos - como "por uma nova constituinte" ou "democracia já" - foram exibidas como troféus de batalha e, ao mesmo tempo, prova da justiça da causa e nobreza da missão. Isso foi, sem dúvida, um dos eventos mais relevantes da história do Movimento Estudantil nacional e também um ponto de inflexão na história da PUC que, naqueles duros tempos, ousava  não apenas ser democrática e livre internamente como também er o principal ponto resistência à Ditadura e luta pela Democracia na Academia.

Tive uma professora que esteve presente no dia da invasão e assegura que foi uma das coisas mais horríveis que ela presenciou: A violência das tropas atacando a todos, as bombas, o desespero de muitos estudantes que se jogaram dos andares superiores e o ataque a biblioteca - com esse último ato, Erasmo conseguiu a proeza de concordar com Rosa Luxemburgo no que toca à frase Socialismo ou Barbaríe, mas, claro, ele optou pelo o lado oposto ao da pensadora polonesa.

No fim das contas, tem horas que a gente esquece que existiram - e ainda existem - figuras como essa no nosso meio. É inacreditável a negação sistemática da verdade que eles cometem e como - esse daí, por exemplo - repetiram tantas vezes as suas mentiras que se tornaram parte da ficção doentia que ajudaram a elaborar: Erasmo jamais se arrependeu do que fez e manteve exatamente a mesma retórica dos anos 70. Enfim, já foi tarde.


sábado, 2 de janeiro de 2010

Garis, Ano Novo e a Anistia Novamente

 (Foto retirada daqui)

O ano começa agitado mesmo. Mas o que poderíamos esperar de um ano em que, vejam só,  "que merda...dois lixeiros desejando felicidade do alto da suas vassouras...dois lixeiros... o  mais baixo da escala do Trabalho"  tiveram a audácia de nos desejar um feliz ano novo. As declaração entre as aspas é de autoria de Boris Casoy, âncora do noticiário noturno da  TV Bandeirantes

Casoy, histórico jornalista de extrema-direita (leia o nono parágrafo do link), suposto ex-membro do CCC e homem que pública e notoriamente classifica o generalíssimo Geisel como "estadista", foi pego, em plena noite da virada, fazendo o comentário acima graças a um vazamento de áudio no Jornal da Band. Se duvida de mim, clique aqui para ouvir o vídeo no Youtube.

Houve quem ficasse surpreso e falasse até em "a verdadeira face de Boris Casoy". Eu, cá do meu cantinho, só diria algo parecido se Casoy tivesse sido apanhado fazendo uma declaração exatamente inversa a essa. A repercussão do caso o obrigou a uma retratação que se materializou em um breve e insípido pedido de desculpas ao vivo, na edição de ontem do Jornal da Band. De repente, isso se tornou um mera fala "infeliz". Ótimo.

O rompante extremista de Casoy ilustra o que pensa uma ala da nossa sociedade que apoiou o Golpe, a Ditadura e sempre teve uma posição francamente anticomunista por motivos bem distantes da luta por liberdade como alegam, no fim das contas, trata-se de uma mistura do velho liberalismo da Escola Austríaca com toques de positivismo tupiniquim, onde cada um deve saber o seu lugar e funcionar como uma engrenagem numa máquina total - dentro da respectiva hierarquia.

Coincidentemente, isso acontece ao mesmo tempo em que irrompeu o factóide número 6759 da mídia corporativa em relação ao Governo Lula. Sai de cena a ficha falsa de Dilma, o pseudo-escândalo Lina e vem à baila uma suposta crise militar - uma celeuma que giraria em torno da insatisfação dos comandantes militares em relação ao novo Programa Nacional de Direitos Humanos e de sua ameaça de renúncia coletiva. 

No fim das contas, tudo girou em torno de uma ofensiva coordenada sincronicamente em todos os jornalões, divulgando informações falsas - que o PNDH pretendia "revogar" a Lei de Anistia - e espalhando aos quatro cantos a posição do sempre curioso Ministro Jobim em solidariedade aos militares. A ofensiva midiática expõe ao mesmo tempo uma movimentação partidária eleitoreira anti-Governo e o joguinho de alguns militares insuflando um crise porque não aceitam o fim da ditadura. Daí, com a ajuda dos auto-falantes da mídia corporativa, uma crise é brotada.

No fim das contas, o PNDH sequer - e infelizmente - ameaça a Lei de Anistia. Ela pretende, na verdade, instituir a Comissão de Verdade e Justiça que trará à baila o que realmente aconteceu na Ditadura, dando às mães que perderam filhos nesse período tétrico da nossa história, o direito de saberem como eles morreram, talvez onde estejam os restos mortais e quem matou e quem torturou. É pouco, mas é um mínimo que não pode ser negado.

A Lei de Anistia é, no fim das contas, uma remendo normativo elaborado em pleno - e pelo - Estado de Exceção que apontava para o esquecimento - anistia vem do mesmo radical de amnésia, mas perdeu "m" entre tantas reformas ortográficas - de crimes que ele mesmo cometeu, mas que, curiosamente, jamais assumiu ter cometido e também para o esquecimento dos crimes que a esquerda armada teria cometido, pelas quais já tinha sido punida sem o devido processo legal e ainda tinha sofrido um tratamento desumano no cárcere.

Trata-se, sem dúvida, de uma excrescência contra a qual a extrema-direita luta usando a lógica da chaleira descrita por Freud; ela se perdoa por crimes que não admite ter cometido, depois alega que aquilo que foi cometido tratou-se de uma mera reação ao comunismo internacional e que isso tudo justificaria. 

Na Heláde, os antigos já entendiam o significado de recolher os seus que tombaram no campo de batalha e poder dar-lhes a devida - e justa - cerimônia fúnebre. É por conta desse direito inalienável que Antígona morreu reivindicando. Na célebre peça de Sofócles. É esse comezinho que está sendo negado aqui.

No fim das contas, o repúdio ao desejo sincero dos garis por um bom ano e a negação de um direito básico às famílias dos desaparecidos na Ditadura convergem; os dois fatos apontam como uma seta para algo bem claro: Como o modelo positivista, adotado vertical e centralizadamente pela nossa elite nos fins do século 19º - para mudar tudo sem mudar nada - fracassou e fracassa na missão de construir um país minimamente digno e encrenca em suas contradições intrínsecas. 

E, de fato, em um país onde ainda há tanto entulho propositalmente não varrido, a figura do gari talvez pareça demasiadamente assustadora por uma perspectiva, digamos, simbólica. A questão é a esquerda ter a mesma coragem que sobra a esses nobres brasileiros - e falta a pandêgos âncoras de pseudo-noticiários - para enfrentar essa questão realmente de frente.

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Dia da Confraternização Universal

(A barca de Dante - Delacroix)

Primeiro de Janeiro de 2010. Teremos um ano (muito) quente pela frente. O Mundo, não nos enganemos, ainda ferve com os efeitos da crise econômica e disso emergirá uma nova ordem, uma nova correlação de forças que dificilmente será estável - o capitalismo global não deixa de ser Capitalismo, portanto, ele não perdeu suas principais características como seu caráter contraditório e sua natureza assentada numa forma de exploração permanente.


O que está em jogo agora é que não há mais contradições nacionais, elas são globais - assim como não há exploração circunscrita ao espaço nacional - elas estão integradas a um teia global, a uma divisão global do trabalho - e não mais internacional, o Estado-nação perdeu sua centralidade e de estrutura necessária para sustentar os diversos sistemas capitalistas, ele se tornou apenas um instrumento para sustentar o sistema capitalista.

Nesse contexto, boas perguntas podem ser feitas, antes de pensar onde estamos - duvido muito que em terra firme -, por que não perguntar onde estávamos e porque estávamos? Situar-se é uma tarefa difícil dentro de um sistema no qual onde tudo é precário e provisório. Ainda assim, é uma tarefa necessária e possível, na qual recorrer ao exame da História nunca é demais.

Onde nós estávamos há um ano atrás? Não seria na época em Israel bombardeava de maneira inclemente a Faixa de Gaza? A guerra como o negócio que sustenta um poderoso oligopólio, a guerra como meio de sustentação para grupos políticos, a guerra real virtualizada e tornada um produto da indústria midiática global. O imperialismo cultural do ocidente em forma bélica disfarçado de cosmopolitismo.

Onde nós estávamos há dez anos atrás? Na posse de Vladimir Putin na Rússia, quando o controverso político russo - a ponte entre a antiga KGB, os oligarcas e o Estado - teve sua liderança outorgada pelo seu desastroso sucessor. Aliás, em 2009, foi-se o tragicômico Yegor Gaidar, ministro de Estado catastrófico de catástrofes mil da Rússia, papagaiador da escola austríaca - convertido depois de ter largado o métier de burocrata por força dos fatos.

Que fazíamos há um ano no Brasil? Não se contorciam as nossas vísceras de medo sobre o que a Crise Mundial nos provocaria? E não é que a tal divisão global do trabalho somada às políticas do atual governo superaram tudo tão estranhamente rápido? Onde estávamos há dez anos? Por certo, quebrados por uma crise muito menor do que essa.

De um modo ou de outro, certas contradições ainda envolvem o nosso meio, afinal, há mais de vinte anos nos vemos às voltas com a construção de uma síntese decorrente da tensão dialética entre a ordem jurídica modernosa de 88 e o nosso caquético sistema político. Em suma, uma coisa não anulou a outra, talvez tenhamos mudado tudo sem mudar nada com momentos de mais ou menos aperto, somente.

Em 2010 a História continuará a rolar - ao contrário do que diziam aqueles que espalhafatosa e prematuramente anunciavam sua morte - talvez de um modo mais agitado: O que será do mundo pelos próximos dez ou quinze anos se desenhará com a poeira que baixará este ano da crise mundial e o que será do contraditório Brasil sairá da escolha popular, ao final do ano, entre o partido da ordem e o partido do progresso - e creio que Benjamin tremeria diante de um cardápio desses.