Há pouco menos de um ano,
eu já debatia por aqui a situação econômica e política da Europa; ela não é nada boa e a crença de que alguns nutriam no colapso do Capitalismo de Estado à americana em detrimento de um Capitalismo de Estado à europeia era equivocado em virtude da própria dinâmica da atual Crise Mundial - em suma, do seu impacto real tanto sobre os EUA quanto sobre a UE. O caso da periferia europeia - isto é, Portugual, Irlanda, Espanha e Grécia - não é só da maior gravidade como também é revelador: O cerne da questão são os problemas contidos nas diretrizes básicas de como se deu o processo de integração europeu dos anos 80 para cá e não na "
mudança nos padrões de consumo daqueles povos" como alguns analistas apregoam.
Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados europeus superaram a destrutiva lógica de afirmação econômica por uma perspectiva nacional estrita, o que, no duro, foi a causa das duas guerras mundiais - ambas travadas em grande parte dentro do território daquele continente e que como consequência resultaram na perda do protagonismo geopolítico daqueles países. De tal forma, foi fundado um compromisso ético na direção de uma solidariedade não apenas política como também econômica entre os países da Europa Ocidental - e que como todo compromisso ético é, sobretudo, um exercício de utilitarismo a longo prazo do que idealismo bem-intencionado, como pensam alguns realistas vulgares. Para além da necessidade de evitar a guerra - entendida após o desastre da Guerra como uma verdadeira autofagia - também pesou a necessidade de aumentar a coesão diante do poderio econômico, político e bélico da União Soviética e o seu bloco de países no leste do continente.
O avanço do processo de integração foi progressivo apesar do ceticismo britânico; as grandes economias da Europa Ocidental se integravam cada vez mais como nos casos da antiga Alemanha Ocidental com a França, as economias do Benelux, Áustria e como um pouco de distância a Itália - que não obstante o seu atraso relativo às potências do continente, ainda demorou um pouco mais para se recuperar dos danos da Guerra. O desafio que se desenhava no horizonte nos anos 70 partia de duas constatações: (a) a manutenção do processo de integração dependia do esboço das linhas gerais de um projeto que conduzisse a uma moeda única para o bloco; (b) ainda existiam países pobres naquele lado do continente, todos muito pouco industrializados e passando por uma frase de transição quer seja de ditaduras (Portugal, Grécia e Espanha) ou da instabilidade causada por divisões internas (Irlanda e novamente Espanha).
Os dois processos, o da continuidade da integração dos países cêntricos do continente visando um moeda única e o de absorção dos países periféricos seguiu sincronicamente - e em um ritmo considerável -, tanto é que em 1999 entrou em circulação a moeda única, o Euro. É preciso notar que se o primeiro processo dependeu apenas de uma política estratégica, comercial e macroeconômica coordenada entre os principais países da região, o segundo se deu de uma maneira mais complexa: As grandes economias do continente passaram a reservar "fundos de equiparação" para os países mais pobres para que eles pudessem atingir um grau de desenvolvimento suficiente para a integração física e monetária com o resto da Europa - quase sempre num esquema de empréstimos a baixo custo e com pagamento a longo prazo, além de certos fundos humanitários e também a própria abertura comercial.
O apêndice que suturou neste exato momento, contudo, se liga ao defeito de origem do processo de absorção: A UE por ter decorrido em grande parte do processo de integração dos países periféricos da banda ocidental, mas eles se integraram na condição de periféricos - eis o ponto. Estamos falando de países que à época da implantação da moeda única ainda detinham PIB's per capta inferiores aos da média dos países cêntricos e o fato de compartilharem a mesma moeda com uma Alemanha, por exemplo, teve um impacto semelhante - ainda que numa gradação menor - do Brasil ter mantido sua moeda em paridade com o dólar americano; evidentemente, se aqui o descompasso entre assimetria produtiva e simetria monetária levou o país à bancarrota, na Europa a menor diferença produtiva entre os países da periferia e os países cêntricos assim como a existência de fundos continentais de contrapartida geraram um equilíbrio que, a priori, deu viabilidade ao projeto.
Dispondo de uma menor produção e um moeda forte - o que implica não apenas em poder de compra direto como também em juros mais baixos -, animados pelos ganhos reais de qualidade de vida devido os investimentos em saúde e educação - feitos pelos seus governos que tinham à mão as verbas europeias - e submetidos à intensa propaganda midiática,
os cidadãos dos países periféricos da Europa ocidental se lançaram numa orgia de consumismo e endividamento que impactou diretamente em déficits na balança comercial dessas nações - favorecendo em um primeiro momento as economias cêntricas do continente por meio de exportações, mas num segundo momento criando problemas continentais, pois o desequilíbrio severo nas balança comercial dessas nações gera, por tabela, uma desarmonia severa nas suas contas correntes, o que não pode ser ajustado por meras medidas de equilíbrio e fiscal e, levando em consideração o fato de que tais países compartilham da mesma moeda que os demais, surge o risco de um desequilíbrio macroeconômico geral.
Essa relação país cêntrico exportador-financiador dos fundos europeus/país periférico importador-tomador de empréstimos estatais e privados se baseava em um equilíbrio extremamente tênue. A absorção de muitos dos países do antigo leste Europeu à UE, por si só, já resultou num impacto muito grande nisso, na medida em que o dinheiro dos países europeus centrais se pulverizava - e os próprios países cêntricos se viram incapazes de arcar com um novo processo de equiparação econômica em larga escala, pela própria dinâmica do capitalismo global e o seu impacto sobre suas economias. Por outro lado, tal dependência por parte dos periféricos colaborou para um processo de industrialização interno incapaz de suprir sua demanda de consumo interna por si só.
Um outro fator, não menos importante, foi
a crise no dolár americano causada pelas intemperes na gestão daquele que é o subsistema central do capitalismo global: A
valorização artificial do Euro jogou um peso grande demais sobre as costas de França e Alemanha bem como expôs a Itália - um país que nos anos 80 se encontrava num estágio intermediário entre as economias altamente desenvolvidas do continente e as periféricas que hoje se encontra numa sinuca de bico, por não ter conseguido se beneficiar do processo de integração europeu e não ter mecanismos cambiais para tentar se recuperar. Some isso ao efeito dominó provocado pelo aumento dos juros americano, o que expôs tanto as incongruências do sistema credíticio estadunidense quanto das demais bolha ao redor do mundo, em especial, as da periferia da Europa.
A recente pontada europeia é que não há condições da UE suportar um Euro tão valorizado sem que as economias não acusem algum sintoma - e o mercado reagiu com a desvalorização recente do Euro. Esse cabo de guerra entre Euro e Dolár apontam para o fato de que lá atrás, autoridades russas e chinesas tinham razão: O futuro próximo do Capitalismo Globo depende de um gerenciamento global,
quem sabe até de uma base de trocas mundial.
A dimensão da gravidade do atual momento político-econômico do projeto europeu é enormíssima; a crise de sua periferia é um atestado do fracasso do projeto europeu e, ao mesmo tempo, uma demonstração que nem mesmo o Capitalismo fortemente regulamentado e articulado para além dos limites nacionais é incapaz de promover um estado de real equidade - na prática, os países Ibéricos, Grécia e Irlanda não se desenvolveram realmente, eles apenas se tornaram colônias de luxo, ou seja, mercados consumidores construídos com os excendentes das economias cêntricas do continente para servir ao desenvolvimento real das mesmas, mas sua manutenção, ainda assim, é artificial, pois estabeceu uma simetria macroecômica falsa entre aqueles países ao desconsiderar a necessidade de buscar uma equidade, quem sabe estabelcendo uma moeda de trocas continental como base apenas para as trocas internacionais, mas sem abolir as moedas nacionais que expressavam de certas maneira valores referentes às idiossincrasias econômicas locais - em suma, o Euro engessou a Europa e criou uma anomalia nas periferias.
Se de um lado o saldo da Segunda Guerra aponta para a insustentabilidade de uma política nacionalista radical, o outro lado, o desastre do socialismo à soviética na Europa Oriental, mira na inviabilidade de um modelo que esmague a Política em prol de uma administração cientificista e alheia às demandas individuais - o que a torna alheia às próprias demandas coletivas ao não reconhecer um de seus aspectos fundamentais -; o fato é que hoje estamos na terceira margem do rio, descobrindo a inviabilidade do Capitalismo de Estado pós-nacional e social-redistributivo - que no fim das contas é incapaz de dirimir contradições, no máximo, capaz de escondê-las bem.
A solidariedade se mostra um beco sem saída, pois ela, juridicamente, significa a vinculação dos separados enquanto separados, portanto, não apenas não afasta as contradições como também as gera; é necessário retomar um pensamento de conjuntural-dedutivo, o que dentro de uma lógica capitalista é sempre muito complicado, pois sua essência se fundamenta no alheamento do todo. De qualquer modo, do contrário, nos aproximaremos de um momento limite - e na Europa isso é particularmente preocupante por conta da alta taxa de concentração demográfica conjugada com uma profunda pluralidade cultural. a conjuntura política europeia, no entanto, suscita qualquer coisa menos otimismo.