quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

A Crise da Candidatura Serra

Simultaneamente ao crescimento da candidata governista Dilma Rousseff nas pesquisas eleitorais e o PT articula fortemente com o PMDB nos bastidores - realizando, duvido muito que por coincidência, um movimento que José Dirceu desejava há tempos -, a candidatura Serra, que já se encontrava estagnada, agora assiste ao naufrágio do principal aliado do PSDB, o DEM : Depois de ter sido massacrado nas últimas eleições municipais, ainda que tenha registrado uma improvável vitória em São Paulo por articulação do próprio Serra, o partido perdeu por duas vezes o seu único governador em menos de um mês e ainda viu o prefeito paulistano Gilberto Kassab ser cassado - ainda que tenha se beneficiado pelo efeito suspensivo, o peso político dessa condenação é gravissímo, principalmente se levarmos em conta a crise da sua administração graças a sua desastrosa política de combate às enchentes (uma herança clara da política urbana catastrófica do mesmo malufismo do qual o jovem prefeito de São Paulo bebeu pouco antes de ter se tornado protegée de Serra).

Do ponto de vista eleitoral-operacional isso é péssimo, o PSDB ficará alijado de seu principal tentáculo, afinal o DEM sempre foi fundamental na estratégia tucana típica de se pôr ao centro ao mesmo tempo em que alicia o eleitorado de direita indiretamente para não perder os votos dos moderados - e quem faz essa função é, exatamente o Partido de Arruda e Kassab. Já por uma perspectiva política, a percepção do quão baixo Serra desceu nos últimos anos para se eleger Presidente da República já começa a se massificar e mesmo dentre aqueles que já não simpatizavam com sua candidatura, cria-se uma ojeriza ainda maior. Essa desarticulação da capacidade de arregimentar a direita somada ao acordo da própria cúpula do PMDB com o PT, cria um fenômeno que se avizinha como fatal para os rumos da candidatura Serra - que cada vez mais se isola apenas no eleitorado anti-petista que é menor do que parece, assim como também cria um temor muito forte na esquerda sobre os riscos da eleição Serra o que traz para perto da candidatura Dilma uma espécie de eleitor que apesar de reconhecer méritos da administração Lula, já estava há tempos um tanto desaminado com o processo sucessorial.

Caso realizemos uma reflexão ética sobre a disputa em questão - e não confundamos isso com uma análise moralista -, muito provavelmente nos depararemos com o fantasmas do agravamento da crise no sistema político-partidário brasileiro - como eu andei demonstrando tanto em relação às incertezas sobre o futuro petista quanto em relação ao PSDB, restando ainda uma análise mais profunda sobre os caminhos e descaminhos do PMDB, principalmente agora, nesse momento em que a própria ala de Temer aderiu ao Lulismo. O PV de Marina ainda não encontrou o rumo de sua campanha assim como o PSOL de Plínio de Arruda precisa sanar suas graves feridas internas, mas o fato é que ambos acabam esmagados por uma polarização totalizante. Nesse cenário de trevas, obviamente, a candidatura Serra se afirma a cada dia mais como a pior de todas as opções.

domingo, 21 de fevereiro de 2010

O Socialismo e o Novo Programa do PT

Temos debatido por aqui nos últimos meses, os desdobramentos da história do Partido dos Trabalhadores, agremiação partidária do Presidente da República e que completa trinta anos agora em 2010, justamente quando se disputará a sucessão presidencial num claro choque dos projetos que têm monopolizado a cena nacional desde a implementação da Constituição de 88. Recapitulando, os três documentos fundamentais precisam ser compreendidos para se juntar as peças do quebra-cabeças petista: O Manifesto de Fundação - que marca o nascimento do primeiro partido de esquerda brasileiro assentado sobre a lógica de autorganização dos trabalhadores e de espontaneidade das massas -, o Manifesto dos 113 - que afirmou o PT enquanto instrumento estratégico e não tático, quase que sua verdadeira carta de fundação - e a Carta ao Povo Brasileiro - que marcou a formalização de um movimento que já tinha se iniciado nos anos 90 e apontava para a fixação do partido enquanto uma agremiação de centro-esquerda, afirmando-se enquanto instrumento de produção do desenvolvimento nacional e distribuição de renda.

No que toca o último documento, a palavra "socialismo" sai de cena assim como a opção classista do partido - em suma, ele se dirige ao "povo" e não aos "trabalhadores". A palavra socialismo tem um significado mais ambiguo do que se pode imaginar; ela incorava desde os sonho de justiça social dos chamados utópicos até a ideia da defesa de um Estado democrático e popular que traçasse políticas em prol da coletividade. Em Marx, ela aparece com adjetivo científico para se diferenciar das demais concepções de socialismo para se apresentar enquanto um estágio no qual após ter tomado o poder, a classe trabalhadora socializa os meios de produção num processo que conduzirá ao Comunismo - estágio onde as contradições sociais estariam dirimidas e o homem estaria emancipado da opressão promovida pelo Capital -; para os anarquistas, socialismo era também a tomada dos meios de produção pela classe trabalhadora, o que abriria espaço para uma democracia popular - não uma ditadura classista na acepção marxista do termo. O movimento social-democrata, que também se reivindicava socialista, nasceu sob a lógica da organização dos trabalhadores em uma agremiação partidária para disputar espaços dentro daquilo que Marx denominava por "democracia burguesa" e assim conduzir a um processo de reformas que conduziria ao Comunismo - mais tarde, o Comunismo sai do horizonte social-democrata para dar lugar a um "capitalismo com face humana".O Comunista Gramsci via um caminho diferente, no qual a luta parlamentar não excluiria a luta revolucionária dos trabalhadores.

O PT nasce como uma mistura de socialistas cristãos - ligados à Teologia da Libertação -, social-democratas e socialistas no sentido marxista - desde leninistas até trotskystas (mais adiante defenestrados) e outros mais ligados ao eurocomunismo -, mas na prática funcionava de uma maneira não muito diferente ao Partido Comunista Italiano, de óbvia inspiração gramsciana, sem desprezar a luta pelos espaços no Estado ao mesmo tempo em que buscava vínculos reais com a sociedade civil, em especial, com os movimentos sociais de reivindicatórios de uma transição progressista da Ditadura Militar para a Democracia. A década de 90 opera modificações muito fortes na linha do partido por conta da profunda modificação da função do Estado promovida nos anos FHC, o que traz o partido para uma social-democracia nos moldes kautskyanos: A busca pela divisão do produto do Capitalismo - e não dos seus meios de produção - por um Estado democrático e popular torna-se o norteador do Partido quando no governo, a despeito de suas alas mais à esquerda que são atropeladas. Ainda assim, o novo norteador não traz abertamente o termo "socialismo", não é buscada uma redefinição para ele - afirmando, talvez, a concepção kautskyana de socialismo -, simplesmente ele se torna o óbvio evidente no projeto.

Agora, à luz do seu 4º Congresso, o PT traz o Socialismo de volta ao programa, "mas sem rupturas", o que significa que o Partido está disposto a afirmar a Social-Democracia - ou o "socialismo democrático" para não gerar nenhuma confusão de ordem lógica com o seu rival, o PSDB - enquanto ideologia partidária, o que a mídia corporativa já usa como factóide no sentido de afirmar uma "'radicalização' do partido às vésperas das eleições", em um terrorismo não muito diferente daquele visto em 2002 que reflete apenas e tão somente a radicalização da própria mídia. O grande ponto é que nada muda. Talvez a popularidade de Lula e o bom desenvolvimento da candidatura de Dilma simplesmente deram tranquilidade para o partido trazer à baila uma discussão que nem precisa ser pública para ser conhecida, bastava analisar a natureza das políticas do atual governo. Qualquer análise que vá para além da retórica midiática vai apontar apenas para a afirmação pública do discurso que na prática tem orientado as ações do PT nos últimos tempos, se fosse realmente uma guinada à esquerda, o candidato à Presidência seria, no mínimo, um Tarso Genro e não Dilma - que há pelos menos trinta anos sustenta posições de centro-esquerda , desde que ajudou Brizola a construir o PDT até o momento em que ela debandou do partido em 2000 junto com a ala mais à esquerda dele no Rio Grande do Sul. 

Um eventual governo Dilma teria mais precisão administração administrativa do que o atual, menos imaginação do que ele e talvez, pelo tempo de Governo do PT, traria mais segurança para o partido ousar - o que só resultou em benefícios para o país como provam as ocasiões que em ele teve a coragem de quebrar certos paradigmas herdados. O novo programa petista, ou pelo menos os debates sobre ele, mostram apenas o assentamento das modificações instituídas nos últimos anos - muitas vezes recebidas com sorrisos amerelos pelos petistas - ao mesmo tempo que sua admissão pública também é fruto do sucesso de algumas políticas de governo que moveram sim o país um pouco para a esquerda.

sábado, 20 de fevereiro de 2010

Antônio Carlos contratado

Continuando a última postagem sobre os rumos da direção técnica do Palmeiras, tivemos um novo capítulo na trama: Antônio Carlos Zago é o novo treinador verde; ex-zagueiro da Seleção Brasileira, ex-diretor técnico do Corinthians - demitido em circunstâncias polêmicas - e ex-técnico do São Caetano - ironicamente, algoz de Muricy na Quarta-Feira de Cinzas, quando o Azulão meteu 4x1 no Palmeiras. Trata-se de uma figura controversa, foi, sem dúvida, um excelente zagueiro, um líder em campo, mas também se envolveu em polêmicas, desde a ofensa racista sua contra o volante Jeovânio - quando ele defendia o Juventude, já em fim de carreira, pela qual ele se desculpou - e da sua demissão do Corinthians, quando ajudava a montar o elenco atual. Como treinador, assumiu o São Caetano no meio do ano passado e conduziu a equipe ao sétimo lugar na Série B numa campanha razoável e no Paulistão repete o mesmo, mantendo um time mediano na briga por uma das quatro vagas na Segunda Fase do torneio, ainda que com um pouco de distâncias - ainda que no jogo contra o Palmeiras, apesar da atuação apática do adversário, seu então time demonstrou disposição e organização em campo. Pelo seu próprio passado no Palmeiras e pelas circunstâncias, foi rapidamente escolhido como o novo treinador do Palmeiras - uma decisão surpreendente ao meu ver, ainda que a demissão de Muricy, para quem conhece minimamente os bastidores do Palestra Itália, fosse favas contadas há mais tempo do que se imagina.O novo treinador já deu ordens, resolveu treinar o time no clássico contra o São Paulo e promoveu modificações - fazendo uma crítica velada ao modo de trabalho do seu antecessor ao dizer que cada jogador atuará na sua posição de origem. O que esperar? A princípio o time melhora porque Muricy tinha problemas com inúmeros jogadores do elenco - não toda aquela apatia contra o São Caetano não era à toa - e quem estava insatisfeito vai dar tudo de si para mostrar serviço e mostrar que o ex-treinador tinha culpa no quadro, depois, terá de lidar com uma diretoria frágil e com algumas limitações que - sim - o bom elenco tem e a força dos rivais. Zago já chegou botando fogo, esse tática vai ser boa de início, mas tem prazo de validade, seja pela inépcia da diretoria ou mesmo pela superioridade dos adversários verdes em São Paulo - é difícil imaginar o título paulista, mas a Copa do Brasil, sempre imprevisível, quem sabe. No fim das contas, foi uma aposta do tipo ou vai ou racha. Eu permaneço cético, no Palestra o buraco é mais embaixo, mas amanhã contra o São Paulo, eu apostaria em um empate com o time jogando misteriosamente melhor.

quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

Muricy demitido

Muricy foi mal contratado, isso é fato - e foi dito e repetido por aqui. Beluzzo, à época, errou em fazer um proposta público pelo técnico recém-demitido pelo São Paulo e ouviu um não como resposta. Jorginho continuou, a equipe cresceu, passou a jogar bem e conseguiu a liderança do Brasileirão, daí veio um balde de água fria: Muricy aceitou uma nova proposta e se tornaria o novo treinador verde. Isso foi um erro da parte dele. A queda de rendimento do time foi patente - ainda mais depois da boa vitória contra o Santos, quando me parece algo se quebrou definitivamente entre um elenco que nunca o engoliu e o treineiro verde. Dali em diante só ladeira abaixo e um indisfarçável sorriso amarelo do treinador palmeirense. Evidentemente, a diretoria palmeirense tem lá sua grande parcela de culpa, mas Muricy, no momento em que recusou a primeira oferta para depois voltar atrás, arruinou de antemão o seu trabalho. Então, não confundamos alhos com bugalhos: A diretoria palmeirense é mesmo incompetente e um pouco mais do que amadora, mas isso não tira a culpa dos ombros de Muricy que não é nenhum amador - e além do desempenho horrível no Palmeiras, simplesmente não se acerta depois que foi campeão brasileiro pelo São Paulo em 08. A contratação de Antônio Carlos Zago pelo Palmeiras é um tiro no escuro, mas acho que a princípio, a equipe melhora, os 4x1 que o Palmeiras tomou do São Caetano vão para além de deficiência tática, técnica, fisíca ou psicológica: Simplesmente não havia mais clima para Muricy continuar.

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

Manuscritos não Ardem

(imagem retirada daqui)

é a frase com a qual se pode resumir perfeitamente O Mestre e Margarida, obra máxima de Mikhail Bulgakov, escrita entre 1928 e 1941 e considerada um dos melhores romances do século 20º. Trata-se de uma obra de realismo fantástico, com uma narrativa cujo ritmo em muito lembra os nossos modernistas - o que justifica as comparações dele com o nosso Macunaíma - e se presta a satirizar a vida na União Soviética no período de transição do seu momento inicial para o totalitarismo stalinista. A trama gira em torno de uma visita que o demônio em pessoa e a sua comitiva infernal - formada por uma bruxa nua, dois demônios e um gato de proporções espantosas, o célebre Behemot - fazem à Moscou do período - e como se pode deduzir da epígrafe do livro, o demônio da obra é o mesmo de Fausto de Goethe: ...quem és, afinal? Sou parte da força que eternamente deseja o mal e eternamente faz o bem.

Bulgakov (foto retirada daqui) é uma figura genial e controversa: ucraniano, foi médico de campanha do exército branco durante a Guerra Civil Russa, depois, continuou no país no período de formação da União Soviética - diferentemente de seus irmãos, que lutaram no exército branco e emigraram para a Ucrânia - e lá permaneceu ao longo dos anos 20. Longe de ser um reacionário pró-tzarismo, Bulgakov encarnava um espírito liberal, à direita dos mais diversos grupos de socialistas - que pouco depois viriam a ser depurados de uma maneira não muito sutil - e, ao mesmo tempo, alheio às viúvas do velho regime; o escritor manteve uma postura cética em relação ao regime boshevista durante os anos 20, seja politicamente ou artisticamente - pois não seguia os padrões do realismo socialista. Seu posicionamento só se converte em escárnio quando do recrudescimento da repressão.

A vida de  Bulgakov nos anos 20 era como a de muitos intelectuais: O período do nascedouro era marcado por uma profundo otimismo por parte do povo, da intelectualidade e dos artistas, pois depois de décadas de decadência sob a bota do Tzarismo e oito anos de guerra - somando-se a desastrosa participação russa na Primeira Guerra com a Guerra Civil que transcorreu simultaneamente àquele conflito, mas o ultrapassou, durando até 1922. O país finalmente voltava a crescer e se reconciliava sob a égide de Lenin; ainda que Bulgakov mantivesse o ceticismo em relação aos bolsheviks, o período, marcado por um verdadeiro renascimento cultural russo, era farto em oportunidades para os artistas e foi assim que ele continuou produzindo intensamente no teatro.

Aventurando-se na prosa pelos fins dos anos 20, Bulgakov acabou sendo vítima da nascente repressão stalinista:  A versão original de O Mestre e Margarida, escrita em 1928, foi apreendida por agentes do serviço secreto em seu apartamento em Moscou junto com todos os seus outros manuscritos. A partir daí, ele iniciou uma briga com Deus e o Diabo para retomar sua obra - o que acaba relatado, em forma de metalinguagem na versão atual do referido romance -, chegando a escrever uma carta para Stalin, o que reza a lenda, lhe valeu um telefonema do líder soviético em um momento onde a repressão sobre as artes alcança níveis tão insuportáveis que levaram o seu adversário estético e político, Vladmir Maiakóvsky, ao suicídio.

O escritor recuperou sua obra no início dos anos 30 e a queimou totalmente na sua lareira em um acesso de fúria. Das várias versões de O Mestre e Margarida que ele trabalhou junto a sua última esposa, Yelena Shilovskaya, ao longo dos anos 30, nenhuma foi publicada, sendo que a obra foi terminada apenas em 41 por ela a partir de manuscritos seus. A versão concluída em 1941 permaneceu escondida, conhecida unicamente por um pequeno círculo de intelectuais moscovitas até ser publicada com cortes - que permaneceram arquivados nos arquivos da KGB - nos anos 60 e só ser retomada quando os arquivos da polícia secreta soviética foram abertos na era Gorbatchiov e só aí pode-se conhecer a obra por inteiro. A obra chega até nós na sua primeira tradução direta do russo, feita recentemente por  Zóia Prestes - sim, filha do segundo casamento de Luís Carlos Prestes.
 
A trama se tornou o entrelaçamento de três histórias: A visita de um Diabo intelectual à Moscou, tal como o Mefistófeles de Goethe, que, sob o nome de Woland, denuncia a miséria humana em meio a uma sociedade hiperburocratizada, seja por meio de suas provocações ou de eventos paranormais; a saga do Mestre, o escritor sem nome - e alter-ego do próprio autor - que foi parar em um hospício após queimar toda sua obra, revoltado pela perseguição que sofreu dos críticos literários de Moscou por ela não estar produzindo de acordo com os padrões do regime e assim acabou se desencontrando do seu grande amor, Margarida; os momentos finais de Cristo, narrados tanto pelo diabo quanto fidedignamente, no livro em que o Mestre trabalhava.Tentativas de reduzir Bulgakov a um mero reacionário anti-comunista esbarram na sua própria obra, onde ele promove um elogio à liberdade expresso pelo simbolismo do esoterismo pagão que representa, ao mesmo tempo, uma sátira aos padrões do cristianismo ortodoxo quanto ao rígido padrão da dogmática bolshevik; a Cristo negando o poder de César e o ritual da transformação de Margarida em bruxa, respectivamente a negação do do poder do Estado e a libertação feminina são exemplos disso.

O livro é dividido em duas partes que subdividem em capítulos. O início da trama se dá em praça de Moscou, bem no meio de uma conversa entre um crítico literário Berlioz e o jovem poeta moscovita Bezdomny acerca da inexistência de Deus. Eles acabam interrompidos por um velho estrangeiro de origem desconhecida, Woland, que começa a provoca-los e narra o interrogatório de Jesus, conduzido pelo Procurador da Judeia, Pôncio Pilatos - que remete o leitor imediatamente ao Grande Inquisitor de Dostoievsky, com a negação do poder de César por parte de Cristo. Isso é apenas o início de uma série de episódios paranormais pela cidade, onde cidadãos e burocratas são simplesmente levados à loucura. A narrativa é um misto de uma sátira de fina ironia com um ritmo vertiginoso que seja na matéria quanto na forma, conduzem o leitor à sensação da insanidade, da paranóia, da suspeição.

Só no fim da Primeira Parte o Mestre nos é apresentado e a segunda Parte adquire um caráter mais esotérico, ainda que na medida em que o gradual desenvolvimento de Margarida ainda traga em si uma forte temática política na medida em que se estrutura como uma série de simbolismos acerca da condição da mulher na sociedade russa e do seu desejo de libertação. Mas a temática principal é mesmo da espiritualidade, da dualidade dialética entre o bem e o mal.

A espiritualidade em Bulgakov tem um significado diferente do que em Tarkovsky, mesmo que ela seja também um meio de crítica - e aqui como na película tarkovskyana Andrey Rubliov, ambos os autores, em seus respectivos campos, tratem da condição do artista em uma sociedade opressora -; em Bulgakov, como dito, ela excede os limites do cristianismo, se projetando para fora, de uma forma lúdica e mágica, se desortodoxando na medida em que o próprio Cristo cativo ironiza o processo de escritura dos evangelhos; em Tarkovsky, o cristianismo se projeta não para fora, mas para dentro, reflexiva e introspectivamente, buscando uma verdade psicológica como é patente em Rublyov. É possível compreender essas diferentes visões ao comparar a cerimônia da transformação de Margarida em bruxa com a cena em que Rublyov se depara com os pagãos no filme. Ainda assim, na obra de ambos reside a crença na transcendalidade da arte, como o título do post suscita, na cena de O Mestre e Margarida onde o Diabo reavê a obra supostamente reduzida às cinzas do Mestre.

A compreensão da produção artística - em especial da condição do artista - na antiga União Soviética bem como a questão da sobrevivência de muitos elementos da ideologia ortodoxa no socialismo russo são pontos fundamentais para finalmente entendermos o fenômeno soviético, sua ascenção e queda, itens tão nublados pela polarização de falsas consciências que dominou a cena do debate político mundial no século 20º; a resolução de enigma é indispensável para um Ocidente que se vê às voltas com o esgotamento do seu modelo.

P.S.: Dentre as várias versões em outras mídias, existe uma versão em carne e osso de O Mestre e Margarida feita recentemente para a televisão estatal da Rússia em forma de seriado que é bastante fiel ao livro. Vale a pena dar uma olhada

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

O Capitalismo Contemporâneo, Dantas e Arruda

Um fenômeno interessante no Brasil contemporâneo é como, de alguma forma, autoridades e figurões estão sendo presos por desvios de conduta. Durante muito tempo, o Brasil reproduziu uma doutrina prisionalista que punia seletivamente: Enquanto os trabalhadores e a população marginalizada sofriam punições -não raro mais duras do que o que a própria Lei previa -, setores burgueses e pequeno-burgueses muitas vezes passavam impunes assim como autoridades estatais.

O Brasil pós-88 caminha, no entanto, para a direção dos demais Estados Legais do mundo, com a aplicação do direito positivo de uma maneira cada vez mais igualitária - mas não equitativa, o seria uma contradição à sua essência; o acesso à defesa ainda é retrito e quase inacessível para a maior parte da população. O fato é que punições para dirigentes estatais e membros da classe dominante se tornaram não só possíveis como se concretizaram. O sentimento popular de revolta com a impunidade é dirimido lentamente - a punição penal dos poderosos dá a sensação de que a "justiça está sendo feita".

Em casos como o de Daniel Dantas em 2008, onde ele, um figurão tanto das finanças quanto das telecomunicações acabou preso ao tentar subornar policiais federais que o investigavam por sua forma nem um pouco sutil de atuar num jogo que passava pela disputa do controle de grandes capitais telecomunicacionais entrelaçados com assuntos de Estado. O ponto fundamental é: A legitimidade aparente - e consequentemente a eficácia social - do direito penal passa pelo crivo de que a Justiça Penal não pode punir seletivamente as pessoas - protegendo, especialmente, aquelas que ocupam posições proeminentes no sistema - ao mesmo tempo em que ela serve para a manutenção da ordem necessária para o funcionamento de um sistema cujo funcionamento resulta, necessariamente, em uma profunda desigualdade entre os indivíduos que fazem partem dela.

Há dois atritos fundamentais aí - como já assinalava nos anos 50 Orlando Gomes, um dos maiores juristas brasileiros da história, em seu ensaio Marx e Kelsen: A primeira seria o antagonismo entre conceitos jurídicos contidos dentro do próprio ordenamento, ou muitas vezes dentro da mesma Consituição, quando é legitimada tanto a função social da propriedade quanto a livre iniciativa privada - a mesma carta que promove um elogio ao coletivo e medidas para dirimir contradições reais existente é aquela que legitima jurdicamente elementos que permitem que eles continuem sendo produzidas; a segunda a existência de uma ordem política arcaica em meio ao corpo social que se choca com a figura antitética de um novo projeto político a ser aplicado e que, por sua vez, é materializado na forma de uma Constituição - como vimos na Europa do pós-Guerra e no Brasil pós-Ditadura.

No caso de José Roberto Arruda, único governador do direitista DEM, as investigações sobre esquemas de corrupção envolvendo sua participação resultou numa quantidade razoavelmente grande de provas, dentre elas até mesmo vídeos bem claros - como relatado por aqui em dezembro. Agora, o STJ decretou a prisão preventiva do governador por ameaça a ordem pública, fundamentado no fato de que Arruda passou os últimos meses tentando corromper testemunhas e, portanto, sua liberdade ameaçou o andamento das investigações - como ficou patente pela inércia da Câmara Legislativa em abrir processo Impeachment contra o governador. Desde a redemocratização é a primeira vez que um governador é preso e, mais do que isso, é uma das raras - senão única vez - que um governador é preso por conta das regras postas e não por motivos políticos em um estado de exceção legal, o que suscita a manisfestação de um novo fenômeno.

O enfoque dado na cobertura midiática, no entanto, é o da satisfação/temor por conta da concretização da Lei e do caminho para o "fim da impunidade" - ou mesmo das consequências políticas do fato, um abalo muito forte na maior agremiação partidária de direita brasileira, peça fundamental no jogo hegemonista de Serra - seja pela proximidade de Serra com Arruda ou por quanto isso é negativo para o DEM, partido irmão do PSDB, o que pode ser fatal para a candidatura tucana na medida em que o PT articula aliança com o PMDB. A questão, claro, é mais complexa do que isso.

Em outras palavras, o Capitalismo se despersonaliza a cada dia mais e aplicação seletiva da Lei deixa de ser necessária: O seu funcionamento, agora num estágio pós-industrial, depende de um sistema de punição para garantir a estabilidade do sistema econômico, neutralizando até mesmo seus dirigentes na medida em que seu movimento se autonomizou da figura da persona pública; é a expressão da síntese que se operou entre o projeto constitucional da 88 e a realidade política nacional herdada pelo regime e mesmo dos antagonismos dentro da ordem jurídica atual: O fundamento para a prisão de Arruda está no mesmo sistema que permite que espécies como ele surjam - a menos que a existência de personas políticas como Arruda sejam fruto de uma maldade congênita ou pior, de um fenômeno isolado.

Não, o que aconteceu seja com Dantas ou com Arruda está de acordo com lógica ideal do direito posto, mas isso vai muito para além de punição dos maus - como também não é, de modo algum, um atentado às liberdades individuais e a afirmação de um Estado policialesco -, mas sim o avanço do Brasil para se tornar um Estado Legal tal e qual as nações civilizadas contemporâneas, o que por si só não quer dizer muito no que toca à resolução das contradições reais que ameaçam a existência da humanidade.



quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

PT - 30 anos

Ontem, o Partido dos Trabalhadores completou 30 anos de existência - já debatemos um cadinho sobre ele neste blog, em Dezembro do ano passado, mas vale a pena prosseguirmos o diálogo; goste-se ou não do PT, é preciso reconhecer que ele é a principal agremiação partidária brasileira desde a reabertura bem como muito do que aconteceu nesse período gravitou em torno da oposição ao seu projeto ou da concretização dele por meio, principalmente, do Governo atual. Por ora, deixo aqui dois documentos históricos fundamentais: O Manisfesto de Fundação do PT e o Manifesto dos 113 - este último, documento histórico imprescindível, pois significou a refundação petista nos anos 80 e deu as linhas gerais que esboçam as estruturas do partido tal qual o conhecemos hoje:


Manifesto aprovado na reunião do Sion

Manifesto



O Partido dos Trabalhadores surge da necessidade sentida por milhões de brasileiros de intervir na vida social e política do País para transformá-la. A mais importante lição que o trabalhador brasileiro aprendeu em suas lutas é a de que a democracia é uma conquista que, finalmente, ou se constrói pelas suas mãos ou não virá.

A grande maioria de nossa população trabalhadora, das cidades e dos campos, tem sido sempre relegada à condição de brasileiros de segunda classe. Agora, as vozes do povo começam a se fazer ouvir através de suas lutas. As grandes maiorias que constróem a riqueza da nação querem falar por si próprias. Não esperam mais que a conquista de seus interesses econômicos, sociais e políticos venha das elites dominantes. Organizam-se elas mesmas, para que a situação social e política seja a ferramenta da construção de uma sociedade que responda aos interesses dos trabalhadores e dos demais setores explorados pelo capitalismo.

Nascendo das lutas sociais
Após prolongada e dura resistência democrática, a grande novidade conhecida pela sociedade brasileira é a mobilização dos trabalhadores para lutar por melhores condições de vida para a população das cidades e dos campos. O avanço das lutas populares permitiu que os operários industriais, assalariados do comércio e dos serviços, funcionários públicos, moradores da periferia, trabalhadores autônomos, camponeses, trabalhadores rurais, mulheres, negros, estudantes, índios e outros setores explorados pudessem se organizar para defender seus interesses, para exigir melhores salários, melhores condições de trabalho, para reclamar o atendimento dos serviços nos bairros e para comprovar a união de que são capazes.

Estas lutas levaram ao enfrentamento dos mecanismos de repressão imposto aos trabalhadores, em particular o arrocho salarial e a proibição do direito de greve. Mas tendo de enfrentar um regime organizado para afastar o trabalhador do centro de decisão política, começou a tornar-se cada vez mais claro para os movimentos populares que as suas lutas imediatas e específicas não bastam para garantir a conquista dos direitos e dos interesses do povo trabalhador.

Por isso, surgiu a proposta do Partido dos Trabalhadores. O PT nasce da decisão dos explorados de lutar contra um sistema econômico e político que não pode resolver os seus problemas, pois só existe para beneficiar uma minoria de privilegiados.

Por um partido de massas
O Partido dos Trabalhadores nasce da vontade de independência política dos trabalhadores, já cansados de servir de massa de manobra para os políticos e os partidos comprometidos com a manutenção da atual ordem econômica, social e política. Nasce, portanto, da vontade de emancipação das massas populares. Os trabalhadores já sabem que a liberdade nunca foi nem será dada de presente, mas será obra de seu próprio esforço coletivo. Por isso protestam quando, uma vez mais na história brasileira, vêem os partidos sendo formados de cima para baixo, do Estado para a sociedade, dos exploradores para os explorados.

Os trabalhadores querem se organizar como força política autônoma. O PT pretende ser uma real expressão política de todos os explorados pelo sistema capitalista. Somos um Partido dos Trabalhadores, não um partido para iludir os trabalhadores. Queremos a política como atividade própria das massas que desejam participar, legal e legitimamente, de todas as decisões da sociedade. O PT quer atuar não apenas nos momentos das eleições, mas, principalmente, no dia-a-dia de todos os trabalhadores, pois só assim será possível construir uma nova forma de democracia, cujas raízes estejam nas organizações de base da sociedade e cujas decisões sejam tomadas pelas maiorias.

Queremos, por isso mesmo, um partido amplo e aberto a todos aqueles comprometidos com a causa dos trabalhadores e com o seu programa. Em conse-qüência, queremos construir uma estrutura interna democrática, apoiada em decisões coletivas e cuja direção e programa sejam decididos em suas bases.

Pela participação política dos trabalhadores
Em oposição ao regime atual e ao seu modelo de desenvolvimento, que só beneficia os privilegiados do sistema capitalista, o PT lutará pela extinção de todos os mecanismos ditatoriais que reprimem e ameaçam a maioria da sociedade. O PT lutará por todas as liberdades civis, pelas franquias que garantem, efetivamente, os direitos dos cidadãos e pela democratização da sociedade em todos os níveis.

Não existe liberdade onde o direito de greve é fraudado na hora de sua regulamentação, onde os sindicatos urbanos e rurais e as associações profissionais permanecem atrelados ao Ministério do Trabalho, onde as correntes de opinião e a criação cultural são submetidas a um clima de suspeição e controle policial, onde os movimentos populares são alvo permanente da repressão policial e patronal, onde os burocratas e tecnocratas do Estado não são responsáveis perante a vontade popular.

O PT afirma seu compromisso com a democracia plena e exercida diretamente pelas massas. Neste sentido proclama que sua participação em eleições e suas atividades parlamentares se subordinarão ao objetivo de organizar as massas exploradas e suas lutas.

Lutará por sindicatos independentes do Estado, como também dos próprios partidos políticos.

O Partido dos Trabalhadores pretende que o povo decida o que fazer da riqueza produzida e dos recursos naturais do País. As riquezas naturais, que até hoje só têm servido aos interesses do grande capital nacional e internacional, deverão ser postas a serviço do bem-estar da coletividade. Para isto é preciso que as decisões sobre a economia se submetam aos interesses populares. Mas estes interesses não prevalecerão enquanto o poder político não expressar uma real representação popular, fundada nas organizações de base, para que se efetive o poder de decisão dos trabalhadores sobre a economia e os demais níveis da sociedade.

Os trabalhadores querem a independência nacional. Entendem que a Nação é o povo e, por isso, sabem que o País só será efetivamente independente quando o Estado for dirigido pelas massas trabalhadoras. É preciso que o Estado se torne a expressão da sociedade, o que só será possível quando se criarem as condições de livre intervenção dos trabalhadores nas decisões dos seus rumos. Por isso, o PT pretende chegar ao governo e à direção do Estado para realizar uma política democrática, do ponto de vista dos trabalhadores, tanto no plano econômico quanto no plano social. O PT buscará conquistar a liberdade para que o povo possa construir uma sociedade igualitária, onde não haja explorados e nem exploradores. O PT manifesta sua solidariedade à luta de todas as massas oprimidas do mundo.



* Aprovado pelo Movimento Pró-PT em 10 de fevereiro de 1980, no Colégio Sion (SP), e publicado no Diário Oficial da União de 21 de outubro de 1980.

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“MANIFESTO DOS 113”
São Paulo, 02 de julho de 1983.
Companheiros do PT,
Estamos convencidos que o PT vive, hoje, um momento muito difícil, mas não aquela crise que os seus inimigos apregoam. Diante disso, resolvemos nos articular para uma intervenção coletiva na vida do nosso partido. Estamos, nesse momento, diante da importante tarefa da renovação das direções partidárias.

Reconhecemos as dificuldades que vivem, decorrentes 1º dos desacertos das nossas direções na aplicação da linha de construção partidária, e 2º da ofensiva externa, daqueles que são contra, e interna, daqueles que não acreditam que os trabalhadores são capazes de se organizarem como força política autônoma em nosso país.
No entanto, reafirmamos, nesse momento, a vigorosa vontade de milhares de militantes que, apoiados no reconhecimento da necessidade histórica do PT, querem fazer do Partido um dos instrumentos dos trabalhadores construírem uma sociedade socialista, onde não haja explorados nem exploradores.
Defendemos, assim, o PT como partido de massas, de lutas e democrático. Combatemos, por isso, as posições que, por um lado, tentam diluí-lo numa frente oposicionista liberal, como o PMBD, de ação predominantemente parlamentar-institucional; ou que se deixam seduzir por uma proposta “socialista” sem trabalhadores, como o PDT. Também combatemos aqueles que, incapazes de traduzir nosso papel em termos de uma efetiva política de organização e acumulação de forças, se encerram numa proposta de partido vanguardista tradicional, que se auto-nomeia representante da classe trabalhadora. Por outras palavras, somos contra tanto o comportamento individualista daqueles que acreditam não ser necessário ouvir o Partido e que, por conta própria, avançam propostas conciliadoras, como aqueles que, também não se submetendo a democracia interna do PT, subordinam-se a comandos paralelos e priorizam a divulgação das suas posições políticas, em detrimento daquelas do próprio Partido.
Ao contrário desses “iluminados”, não temos respostas para todos os problemas do PT. Nem temos a receita infalível para superar a crise econômica do país, para vencer a ditadura e para chegar ao poder.
O que pretendemos, ao detonar o amplo processo do debate democrático - que subsidiaremos com alguns documentos de produção coletiva a serem amplamente distribuídos - é contribuir para que os próprios militantes, filiados e simpatizantes do PT possam elaborar coletivamente diretrizes claras, capazes não apenas de orientar a nossa prática cotidiana e a da direção renovada, mas, sobretudo, de auxiliarem o avanço e a unificação política dos movimentos dos trabalhadores.
Entendemos assim, que cabe ao PT nesse momento:

  1. Lutar contra a tentativa do regime de estabelecer uma política de trégua e de conciliação, assim como lutar contra o estabelecimento, por forças que se dizem de oposição, de um pacto social que visa ao isolamento dos trabalhadores. Entendemos que tais propostas buscam, tão somente, fazer novamente a classe trabalhadora apagar os custos da crise econômica e social;
  1. Responder a esta conciliação e a este pacto com a mobilização de todas aquelas forças sociais exploradas que estão dispostas a lutar pelas numerosas reivindicações abrigadas pelo lema TRABALHO, TERRA E LIBERDADE;

  1. Cumprir concretamente nosso papel como partido de massa:
    1. Militando intensamente nos movimentos populares, sindicais, raciais, culturais e das chamadas minorias, contribuindo com propostas concretas para a condução de suas lutas, respeitada a sua autonomia;
    2. Aplicando nossas propostas de filiação e nucleação intensivas, a fim de que as mais amplas camadas de explorados possam participar da construção do PT e da aplicação da sua política; e.
    3. Executando uma política ativa de formação política e cultural dos militantes;
    4. Para levar à prática as propostas acima, achamos que também são necessários alguns passos relacionados com a estrutura e a democracia interna do Partido:
D.1 - Revalorizar o papel dos núcleos como instância de reflexão e deliberação;
D.2 - Imprimir-lhes uma dinâmica, sobretudo, direcionada para a atuação dos movimentos sociais e não apenas para a vida interna do partido;
D.3 - Estabelecer critérios políticos claros para a escolha das direções partidárias e dos parlamentares;
D.4 - Estabelecer, também, critérios claros para a participação das bases nas decisões partidárias;
D.5 - Descentralizar a estrutura organizacional e financeira do partido, alcançando todas as nossas bases, seja na capital, seja no interior do Estado;
D.6 - Criar uma imprensa partidária ágil e amplo fluxo de informações, que atinja o conjunto do Partido; enfim, abrir todos os canais possíveis para consolidação da democracia interna do Partido dos Trabalhadores.
Comprometidos, portanto, com esses princípios, nós, abaixo-assinados, militantes de diversas regiões, setores e instâncias do PT, convocamos a todos os companheiros que concordam com essas posições a apoiarem e a participarem deste projeto que se inspira nas idéias originárias do nosso Partido


Articulação dos 113

domingo, 7 de fevereiro de 2010

São Paulo 1x2 Santos - O Paulistão 2010

Os estaduais ainda sobrevivem. Principalmente me anos de Copa, o seu calendário já reduzido fica mais apertado ainda e as rodadas se seguem num ritmo frenético. Aqui em São Paulo já estamos na 7ª rodada - e dois clássicos já foram disputados: Domingo passado, num jogo esvaziado e com as duas equipes desfalcadas, o Corinthians bateu o Palmeiras por 1x0 e, hoje, o Santos bateu o São Paulo no Morumbi por 2x1 num belo jogo que marcou a volta de Robinho no time do litoral. 

Esqueça o tragicômico Santos das duas últimas temporadas que, exceto aquela arrancada do estadual de 09 - interrompida pelo Corinthians de Mano Menezes -, não fez mais nada. O time comandado pelo competente e injustiçado Dorival Jr. tem na reabilitada dupla Neymar/Ganso o seu motor - reforçado agora por um jogador do nível de Robinho -, mas também conta com uma dupla de zaga precisa - formada por Durval e Edu Dracena -, um lateral-direito promissor - Wesley - e um Arouca ensaiando fazer o mesmo que fazia no Fluminense - em suma, tudo aquilo que ele não fez no São Paulo.

O tricolor, aliás, permanece uma boa equipe, mas falta força nas alas - Jean não dá, seja lá em que posição for, mas muito menos na ala-direita - e Jorge Wagner não é mais o mesmo. A zaga, apesar das falhas de hoje prossegue forte e Hernanes e Richarlyson prosseguem bem - ainda que eu ache que Cléber Santana caiba nesse meio com algum dos volantes sendo deslocados para alguma ala. O trio Marcelinho/Dagoberto/Washington pode dar caldo, desde que não seja tão fominha quanto foi hoje.

Primeiro tempo de domínio santista com o gol de penâlti - desnecessário - cometido por Miranda sobre um vingativo Arouca: Neymar, com paradinha, tendo à frente Rogério Ceni; Ricardo Gomes mexeu bem para o segundo tempo, ganhou meio e numa jogada áerea seu time empatou. Jogo aberto e prevaleceu o talento de Robinho, que entrou voando: Gol de letra. O Santos cala a boca dos críticos e crava a liderança, no entanto, duvido muito que os quatro grandes não estejam na Segunda Fase como no ano passado - apesar da melhora dos times do interior. E, sem ufanismos, o estadual de SP prossegue sendo disparadamente o melhor do país.

O Choque na Periferia da Europa

(Charge retirada daqui)

Há pouco menos de um ano, eu já debatia por aqui a situação econômica e política da Europa; ela não é nada boa e a crença de que alguns nutriam no colapso do Capitalismo de Estado à americana em detrimento de um Capitalismo de Estado à europeia era equivocado em virtude da própria dinâmica da atual Crise Mundial - em suma, do seu impacto real tanto sobre os EUA quanto sobre a UE. O caso da periferia europeia - isto é, Portugual, Irlanda, Espanha e Grécia - não é só da maior gravidade como também é revelador: O cerne da questão são os problemas contidos nas diretrizes básicas de como se deu o processo de integração europeu dos anos 80 para cá e não na "mudança nos padrões de consumo daqueles povos" como alguns analistas apregoam.

Desde o fim da Segunda Guerra Mundial, os Estados europeus superaram a destrutiva lógica de afirmação econômica por uma perspectiva nacional estrita, o que, no duro, foi a causa das duas guerras mundiais - ambas travadas em grande parte dentro do território daquele continente e que como consequência resultaram na perda do protagonismo geopolítico daqueles países. De tal forma, foi fundado um compromisso ético na direção de uma solidariedade não apenas política como também econômica entre os países da Europa Ocidental - e que como todo compromisso ético é, sobretudo, um exercício de utilitarismo a longo prazo do que idealismo bem-intencionado, como pensam alguns realistas vulgares. Para além da necessidade de evitar a guerra - entendida após o desastre da Guerra como uma verdadeira autofagia - também pesou a necessidade de aumentar a coesão diante do poderio econômico, político e bélico da União Soviética e o seu bloco de países no leste do continente.

O avanço do processo de integração foi progressivo apesar do ceticismo britânico; as grandes economias da Europa Ocidental se integravam cada vez mais como nos casos da antiga Alemanha Ocidental com a França, as economias do Benelux, Áustria e como um pouco de distância a Itália - que não obstante o seu atraso relativo às potências do continente, ainda demorou um pouco mais para se recuperar dos danos da Guerra. O desafio que se desenhava no horizonte nos anos 70 partia de duas constatações: (a) a manutenção do processo de integração dependia do esboço das linhas gerais de um projeto que conduzisse a uma moeda única para o bloco; (b) ainda existiam países pobres naquele lado do continente, todos muito pouco industrializados e passando por uma frase de transição quer seja de ditaduras (Portugal, Grécia e Espanha) ou da instabilidade causada por divisões internas (Irlanda e novamente Espanha).

Os dois processos, o da continuidade da integração dos países cêntricos do continente visando um moeda única e o de absorção dos países periféricos seguiu sincronicamente - e em um ritmo considerável -, tanto é que em 1999 entrou em circulação a moeda única, o Euro. É preciso notar que se o primeiro processo dependeu apenas de uma política estratégica, comercial e macroeconômica coordenada entre os principais países da região, o segundo se deu de uma maneira mais complexa: As grandes economias do continente passaram a reservar "fundos de equiparação" para os países mais pobres para que eles pudessem atingir um grau de desenvolvimento suficiente para a integração física e monetária com o resto da Europa - quase sempre num esquema de empréstimos a baixo custo e com pagamento a longo prazo, além de certos fundos humanitários e também a própria abertura comercial.

O apêndice que suturou neste exato momento, contudo, se liga ao defeito de origem do processo de absorção: A UE por ter decorrido em grande parte do processo de integração dos países periféricos da banda ocidental, mas eles se integraram na condição de periféricos - eis o ponto. Estamos falando de países que à época da implantação da moeda única ainda detinham PIB's per capta inferiores aos da média dos países cêntricos e o fato de compartilharem a mesma moeda com uma Alemanha, por exemplo, teve um impacto semelhante - ainda que numa gradação menor - do Brasil ter mantido sua moeda em paridade com o dólar americano; evidentemente, se aqui o descompasso entre assimetria produtiva e simetria monetária levou o país à bancarrota, na Europa a menor diferença produtiva entre os países da periferia e os países cêntricos assim como a existência de fundos continentais de contrapartida geraram um equilíbrio que, a priori, deu viabilidade ao projeto.

Dispondo de uma menor produção e um moeda forte - o que implica não apenas em poder de compra direto como também em juros mais baixos -, animados pelos ganhos reais de qualidade de vida devido os investimentos em saúde e educação - feitos pelos seus governos que tinham à mão as verbas europeias - e submetidos à intensa propaganda midiática, os cidadãos dos países periféricos da Europa ocidental se lançaram numa orgia de consumismo e endividamento que impactou diretamente em déficits na balança comercial dessas nações - favorecendo em um primeiro momento as economias cêntricas do continente por meio de exportações, mas num segundo momento criando problemas continentais, pois o desequilíbrio severo nas balança comercial dessas nações gera, por tabela, uma desarmonia severa nas suas contas correntes, o que não pode ser ajustado por meras medidas de equilíbrio e fiscal e, levando em consideração o fato de que tais países compartilham da mesma moeda que os demais, surge o risco de um desequilíbrio macroeconômico geral.

Essa relação país cêntrico exportador-financiador dos fundos europeus/país periférico importador-tomador de empréstimos estatais e privados se baseava em um equilíbrio extremamente tênue. A absorção de muitos dos países do antigo leste Europeu à UE, por si só, já resultou num impacto muito grande nisso, na medida em que o dinheiro dos países europeus centrais se pulverizava - e os próprios países cêntricos se viram incapazes de arcar com um novo processo de equiparação econômica em larga escala, pela própria dinâmica do capitalismo global e o seu impacto sobre suas economias. Por outro lado, tal dependência por parte dos periféricos colaborou para um processo de industrialização interno incapaz de suprir sua demanda de consumo interna por si só.

Um outro fator, não menos importante, foi a crise no dolár americano causada pelas intemperes na gestão daquele que é o subsistema central do capitalismo global: A valorização artificial do Euro jogou um peso grande demais sobre as costas de França e Alemanha bem como expôs a Itália - um país que nos anos 80 se encontrava num estágio intermediário entre as economias altamente desenvolvidas do continente e as periféricas que hoje se encontra numa sinuca de bico, por não ter conseguido se beneficiar do processo de integração europeu e não ter mecanismos cambiais para tentar se recuperar. Some isso ao efeito dominó provocado pelo aumento dos juros americano, o que expôs tanto as incongruências do sistema credíticio estadunidense quanto das demais bolha ao redor do mundo, em especial, as da periferia da Europa.

A recente pontada europeia é que não há condições da UE suportar um Euro tão valorizado sem que as economias não acusem algum sintoma - e o mercado reagiu com a desvalorização recente do Euro. Esse cabo de guerra entre Euro e Dolár apontam para o fato de que lá atrás, autoridades russas e chinesas tinham razão: O futuro próximo do Capitalismo Globo depende de um gerenciamento global, quem sabe até de uma base de trocas mundial.

A dimensão da gravidade do atual momento político-econômico do projeto europeu é enormíssima; a crise de sua periferia é um atestado do fracasso do projeto europeu e, ao mesmo tempo, uma demonstração que nem mesmo o Capitalismo fortemente regulamentado e articulado para além dos limites nacionais é incapaz de promover um estado de real equidade - na prática, os países Ibéricos, Grécia e Irlanda não se desenvolveram realmente, eles apenas se tornaram colônias de luxo, ou seja, mercados consumidores construídos com os excendentes das economias cêntricas do continente para servir ao desenvolvimento real das mesmas, mas sua manutenção, ainda assim, é artificial, pois estabeceu uma simetria macroecômica falsa entre aqueles países ao desconsiderar a necessidade de buscar uma equidade, quem sabe estabelcendo uma moeda de trocas continental como base apenas para as trocas internacionais, mas sem abolir as moedas nacionais que expressavam de certas maneira valores referentes às idiossincrasias econômicas locais  - em suma, o Euro engessou a Europa e criou uma anomalia nas periferias.

Se de um lado o saldo da Segunda Guerra aponta para a insustentabilidade de uma política nacionalista radical, o outro lado, o desastre do socialismo à soviética na Europa Oriental, mira na inviabilidade de um modelo que esmague a Política em prol de uma administração cientificista e alheia às demandas individuais - o que a torna alheia às próprias demandas coletivas ao não reconhecer um de seus aspectos fundamentais -; o fato é que hoje estamos na terceira margem do rio, descobrindo a inviabilidade do Capitalismo de Estado pós-nacional e social-redistributivo - que no fim das contas é incapaz de dirimir contradições, no máximo, capaz de escondê-las bem.

A solidariedade se mostra um beco sem saída, pois ela, juridicamente, significa a vinculação dos separados enquanto separados, portanto, não apenas não afasta as contradições como também as gera; é necessário retomar um pensamento de conjuntural-dedutivo, o que dentro de uma lógica capitalista é sempre muito complicado, pois sua essência se fundamenta no alheamento do todo. De qualquer modo, do contrário, nos aproximaremos de um momento limite - e na Europa isso é particularmente preocupante por conta da alta taxa de concentração demográfica conjugada com uma profunda pluralidade cultural. a conjuntura política europeia, no entanto, suscita qualquer coisa menos otimismo.

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

O Aumento da Criminalidade em São Paulo

Eu já dissertei sobre a complexa relação entre violência e criminalidade por aqui e agora, diante dos dados do aumento da criminalidade no estado de São Paulo, me ocorreu de retomar brevemente a questão. O Governo Serra, por sua vez, alega que os reflexos da Crise Mundial somados a greve da polícia no ano passado colaboraram para isso, o que no mínimo é curioso, afinal, se existe um fator que fundamenta a alta popularidade do Governo Lula é, justamente, ter feito o país passar incólume pela Crise Mundial - em suma sem geração de desemprego ou queda de renda salarial compatível ao tamanho do estrago

Aliás, a questão de culpar a greve da polícia civil pelo aumento da violência merece um parágrafo à parte; greve de servidores públicos é coisa mais comum do mundo, ainda mais num estado que os remunera relativamente tão mal quanto São Paulo - em relação até mesmo à baixa burocracia das secretarias e ao setor privado -, o fato é que o Governo Serra tem uma responsabilidade aguda em tudo isso na medida que que negociou tão mal que chegou a provocar uma guerra entre as duas polícias; Serra descumpriu a palavra de dialogar com as lideranças grevistas e aunda mandou a Polícia Militar "conter" os grevistas, o que resultou numa óbvia agressão dos PM's em relação aos grevistas, policiais. Dali em diante, se ter duas polícias já era esquizofrênico, ter duas polícias com os ânimos acirrados entre si, praticamente desfez o aparato policial, o que conjugado com a dinâmica de desagregação social do estado - mascarada pela repressão policial em larga escala -, agravou a situação.

Evidentemente, o fenômeno da criminalidade não pode ser reduzido aliás, merece um olhar muito para além do penalismo e requer uma olhar antropológico e sociológico, mas aqui não há como buscar na externalidade da Crise Mundial as causas para o atual momento; as causas econômicas para tanto se encontram muito mais no processo de desindustrialização da região metropolitana de São Paulo e de uma industrialização massiva do interior, ambas desacompanhadas de políticas públicas tanto para redistribuir renda quanto para criar saídas para amortecer o impacto de mudanças sociais tão bruscas - como manda o receituário básico de qualquer Capitalismo de Estado minimamente funcional.

Eu poderia dizer que o colapso do aparato policial foi positivo para trazer à tona essa realidade que estava mascarada e não tardaria e explodir, mas o fato é que aí entra minha velha crítica ao catastrofismo: Pessoas de verdade estão morrendo em maior proporção devido a tudo isso, portanto, não é engraçado ou desejável. 

O desmonte do aparato policial nas sociedade contemporâneas deve estar em compasso com a construção de pesado investimento social em educação, saúde e moradia, pois essa tarefa demanda a a neutralização das consequências que a lógica burguesa vende como as causas quem justificam essa a ideologia policial perante a sociedade, isto é, a chamada "violência urbana" que vitima tantas pessoas e provoca forte comoção social - e está ligada com a desagregação social, ainda que as pessoas e mesmo os trabalhadores não percebam isso; evidentemente, o que está em jogo é a manutenção da ordem política estabelecida como as constantes ações violentas contra os movimentos sociais provam.

terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

A disputa pelo Governo de São Paulo

atual é uma das disputas mais mornas que se tem notícia por essas terras. Não obstante a tradicional baixa atenção dada às eleições parlamentares federais - fruto do oportunismo dos políticos nacionais, a falta de cultura de participação política por parte dos cidadãos e a própria deseducação que a mídia corporativa promove -, agora, assistimos a um esvaziamento das eleições estaduais, em especial em São Paulo, maior estado da Federação - e isso, acredito, se deve ao fato de que no duro tanto PT quanto PSDB são partidos paulistas antes de serem brasileiros, como a briga pela Presidência da República é absurda este ano, as demandas estaduais (bem reais, diga-se) estão sendo deixadas de lado.

(Bandeirantes - adcionados dia 03/02)


Depois de toda a guerra interna sangrenta dentro do PSDB - partido no qual a briga foi tão hedionda que, para afirmar internamente e disputar a Presidência, Serra foi capaz de sabotar Alckimin eleger Kassab nas municipais da Capital em 2008 -, resta um bocado de ressentimento lá dentro e a concetração de poder gigantesca nas mãos de Serra - que aparentemente não tem secretários e faz tudo sozinho no seu governo como a sua propaganda, divulgada até no Acre, sugere - produz um esvaziamento que impede o partido de se oxigenar. Por ora, resta a obessessão por defenestrar o PT do Palácio do Planalto custe o que custar e dane-se o resto; na escala estadual, a provável candidatura de um desacreditado Alckimin é a mais fidedigna expressão disso.

Do lado petista não é muito diferente: Os esforços todos estão concentrados na eleição de Dilma e, somada a briga entre os cabeças da Articulação, principal corrente do partido e igualmente concentradora de poderes,  não se produz sequer uma candidatura sólida lá dentro e tampouco abre espaço para uma discussão interna para que envolva as outras correntes e outros nomes  - imagine só, se por um acaso isso gera um projeto político plausível para resolver os graves problemas do estado. Ora o candidato é Palocci, depois é Mercadante, em outros momentos é Marta - todos de alguma maneira desgastados, pouco empenhados em desenvolver um projeto, mas perfeitamente dispostos em concorrer. José Eduardo Cardozo, que deve assumir o Ministério da Justiça no lugar de Tarso Genro, é politiqueirão, mas poderia ser um nome cogitável, só que não entra no cardápio porque não é da Articulação. Ainda assim, todos os nomes citados conseguem ser bem melhores do que o glorioso picolé de chuchu.

Cogita-se também o nome de Ciro Gomes como candidato a governador pelo lulismo, talvez com um vice petista,  em uma espécie de compensação para sair da corrida presidencial. Um descalabro, sem dúvida. Lulistas e petistas de todo país alimentam essa ideia com se pudesse ser algo razoável - o que não é, seja pela biografia questionável de Ciro quanto pela artificialidade do modo como essa candidatura está sendo pensada. Argumentos realpolitkeiros ou coisas como "o eleitorado paulista é conservador, o máximo que poderemos emplacar é um Ciro" beiram o ridículo; não é possível empurrar para os cidadãos a culpa pela tremenda irresponsabilidade histórica e social do PT em estar pensando tão mal a política estadual há tanto tempo - em especial, os gravissímos problemas sociais de certas regiões do interior.

São Paulo tem problemas graves por mais que sejam tabus debaterem eles; além da educação pública profundamente deficiente, uma péssima rede de saúde pública horrível - em grande parte pela forma como os servidores públicos são explorados em detrimento da burocracia enraízada nas secretarias da vida - faltam políticas de coordenação intermunicipal - principalmente nas regiões metropolitanas do estado, nas quais o planejamento e a problemática social acaba saindo da mão das administrações municipais devido ao fenômeno radical de conurbação que ignora as divisas municipais. 

Ademais, resta o problema de que o interior tem seus focos de desenvolvimento, determinadas cidades que se tornaram centros industriais respeitáveis, mas que padecem de problemas sociais nas suas periferias - além, claro do gravissímo problema da Região Metropolitana de São Paulo, com 39 municípios e um verdadeiro anel de miséria em seu entorno fruto de um processo de desindustrialização precoce e uma passagem turbulenta para uma fase pós-industrial, que pode sim se repetir no interior sem que não tenhamos desenvolvido uma solução plausível. Honestamente, não estou esperando nada de bom este ano.