domingo, 11 de abril de 2010

Cartas na Mesa

 (imagem retirada daqui)

Agora, em meados de Abril, as cartas foram postas na mesa para as eleições 2010. Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), que já tinha se descompatibilizado dos seus respectivos cargos no começo do mês, concorrerão com Marina Silva (PV) e com Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL - escolhido ontem, na terceira conferência nacional do seu partido. Muito provavelmente, o PSTU lançará candidato também nesse ano, diferentemente de 2006 quando apoiou a candidatura Heloísa Helena. Comenta-se sobre a possibilidade do PT do B lançar candidatura própria, mas a julgar pelas propostas de seu pré-candidato, não quero acreditar nessa hipótese. Fora isso, algum partido de menor expressão pode acabar lançando algum candidato - como PCB ou PCO, por exemplo.

A julgar pelas pesquisas e pelo aparato à sua disposição, as candidaturas do PT e do PSDB são disparadamente as favoritas; primeiro porque o sistema brasileiro colabora ao favorecer os partidos maiores, seja por conta da divisão do horário de televisão ou pelo financiamento de campanha ser misto, o que impede uma regulamentação que garanta a equidade entre os candidatos. Além dos aspectos formais, também pesa a favor das duas legendas o fato de que os dois outros maiores partidos do país, PMDB e DEM, deverão estar nas suas chapas - nesse ponto, ainda que não tenha havido uma formalização disso, Michel Temer, presidente nacional do PMDB, deverá ser o vice da chapa de Dilma, enquanto o DEM, apesar da crise acachapante pela qual passa, deverá escolher o vice de Serra. O PV vai de chapa puro-sangue e o mesmo pode se dizer do PSOL, as duas outras candidaturas com consistência mínima.

Os processos que decidiram as escolhas dos candidatos, no entanto, não foram nada animadores: Dilma foi delegada por Lula para ser a candidata petista e, ainda que tenha sim reconhecida competência - tendo se destacado ao atuar em duas casas de marimbondo, as Minas e Energia e a Casa Civil -, não houve debate interno no PT para conduzir-lhe à candidatura. No caso tucano, sem dúvida, falamos de algo pior: José Serra e seu grupo foram capazes de sabotar a candidatura de seu próprio correligionário, Geraldo Alckmin, nas eleições municipais, para que ele não tivesse força para pleitear a candidatura este ano; não satisfeito, Serra também disputou uma luta fraticída contra o governador mineiro, Aécio Neves, para impedir de qualquer modo o debate interno e prévias no PSDB. 

No PV, Marina Silva saiu do PT ano passado já convidada para ser candidata à Presidência da República pela nova agremiação (e também para conduzir um processo de refundação dela). No PSOL, Heloísa Helena era tratada como "candidata natural" do partido pela votação que obteve em 2006, até declarar que não se sentia confortável em concorrer com Marina e assim movimentar a sua corrente no partido, o MES (corrente principal do partido), para conduzir o partido do solzinho a apoiar a candidata verde - deu errado, quando o partido voltou atrás, o racha, que já estava claro ano passado, se aprofundou com HH apoiando um pré-candidato, Martiano Cavalcante contra Plínio de Arruda Sampaio e Babá (que ontem retirou sua candidatura em favor de Plínio), numa campanha dura, marcada até pelo sequestro do site nacional do partido pelo MES - que deu ontem na escolha de Plínio por unanimidade, depois que os delegados pró-Martiniano boicotaram a III Conferência do Partido.

Em suma, não é preciso escrever mais do que um parágrafo para provar que o modelo partidário passa por uma gravíssima crise no Brasil - como no mundo, mas a degeneração vista aqui nos últimos dois anos é gravissíma por certas peculiaridades nossas. Nem estou entrando (ainda) no mérito das candidaturas - todas figuras de relevo em suas respectivas áreas nessas terras -, mas como, formalmente, os processos de escolha se deram de uma maneira horrível, há de se ligar uma luz amarela (ou vermelha, sabe-se lá) sobre o futuro; mesmo nos EUA, onde o sistema, por si só, produz um bipartidarismo artificial - que depura as demandas sociais de um nação continental resultando num binarismo -, temos o processo de prévias que, pelo menos, acaba servindo como um elemento que impede a necrose total - e o mesmo pode se dizer da França. Evidentemente, lá, como aqui, os partidos são quem representam, quem mediam, essas demandas servindo como esse adequador delas, antes mesmo - e arrisco em dizer, mais ainda - do que o próprio Estado, agindo assim enquanto fins em si mesmos - supondo que podemos distinguir um do outro, haja vista que, pelo menos aqui, Partido Político é conceito constitucional.

Isso suscita dúvidas; pelo menos nosso sistema tem como um dos sustentáculos elementares a Democracia, o governo da maioria, em respeito as minorias, portanto, é curioso como não se cobre uma reforma política que faça valer tal princípio, por simetria, para todos os estatutos partidários - o que não significa perda de autonomia, mas sim adequação de um ente constitucional à lógica da própria Constituição. Para além do aspecto constitucional, temos a questão política em si: Qual a coerência de partidos que pleiteiam cargos numa Democracia e não a observam internamente? E não me venham dizer, pura e simplesmente, que "Democracia é confronto": Ela é confronto dentro de regras pré-estabelecidas e fundadas em uma intuição comum de universalidade, mediante a qual os integrantes da disputa, antes de reconhecerem como adversários, se reconhecem como integrantes de um todo, onde compartilham da mesma vida pública, o que os torna, por suposto, partes legítimas - em suma, a Democracia não é neutra, como a própria vida não é, mas ela é neutralizante.

Nos processos internos de disputa, não se viu essa concepção posta em prática, o que não é nada animador. As falhas do sistema brasileiro, já presentes na Consituição de 88 e depois agravadas pelas seguidas emendas, podem continuar a se aprofundar. Por outro lado, isso ilustra uma crise na esquerda, que não consegue se afirmar como superação ao estabelecido justamente porque continua subestimando a importância de se preocupar com as estruturas formais da política - quanto forma e matéria, na verdade, se relacionam de modo profundo. Os limites do Governo Lula, em que pese todos os fenomenais avanços que ele promoveu, estão na incapacidade de promover uma organização racional aquém e além da Presidência da República - isto é, dentro do Partido e na República, com o intuito de extrair a potencialidade de ambos. A busca pela resolução pela via material - aqui enquanto via "concreta", "factual" - é parte do esquecimento de que mesmo o universal concreto é também um ideal. O PSOL também cai na mesma falha e repete muitos dos erros do PT - e eles se ligam exatamente ao que eu comentava no parágrafo anterior: Os integrantes do partido só se veem como partes legítimas nos casos das concordâncias, enquanto nas discordâncias e nas disputas, o adversário é tratado automaticamente como um ente polticamente ilegítimo, processo do qual resulta a ditadura de um grupo ou fragmentação aguda. 

Dilma será candidata de um partido unido pela força da figura carismática de Lula, Plínio será candidato de um partido fragmentado pela incapacidade de seus pares - não dele, ressalte-se - em saber discordar. Para além deles, espreita a figura de um Serra que se tornou o candidato dos atores mais arcaicos da política nacional, uma espécie de direita pós-colonial que quer uma democracia sem povo e um liberalismo sem qualquer liberdade que não lhe resulte em lucro particular e estrito. As cartas estão na mesa. Pouca coisa irá mudar até as eleições, salvo algum grande desastre pessoal. A missão agora é, ou pelo menos deveria ser, desenvolver meios para superar, ou pelo menos subverter, a (i)lógica partidária: Bons eram os tempos em que partidos, nos meios pensantes, eram vistos no máximo enquanto meios, ainda assim, o fragmentarismo que eles representavam, suspeito, nada mais foram (e são) uma expressão (assim como uma antevisão, em dado período histórico) da própria fragmentariedade que é a característica fundamental do pós-moderno. Seja como for, mesmo que mantenhamos a crença de que é do confronto de partes separadas, unidas enquanto separado - como diria Deleuze sob forte influência de Spinoza -, que chegaremos a resolução dos problemas gerais, é necessário que elas funcionem de forma coerente.

2 comentários:

  1. Hugo, excelente análise, mas uns apontamentos...

    O MES não é a principal corrente do PSOL. Junto ao MES está o MTL que é muito próximo da HH e que deu força à idéia de lançar o Martiniano, mas a APS e o CSOL são igualmente grandes, especialmente a primeira, da qual o CSOL é um racha e a corrente do Plínio.

    O CSOL se organiza como "Campo", aglutinando outras tendências menores como o Revolutas.

    Quanto À crise dos partidos, isto é fato. MAs não só deles, mas do sistema. Urge uma reforma política profunda! E a própria esquerda precisa se reinventar. Sectarismo, quinhentas correntes... não contribuiem! A esquerda hj tem dificuldade em ganhar até DCE de tão rachada.

    No mais, aplaudo!=)

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  2. Tsavkko,

    Seja como for, meu velho, ainda assim o MES quase emplacou o que queria, não fosse a inabilidade aguda de HH...Acho que para além da crise no sistema partidário - algo antigo por essas terras -, temos uma crise do próprio conceito de partido mesmo e sua funcionalidade nos dias atuais. Acho que a esquerda está num processo de transformação no Brasil, ainda que isso tem o seu lado bom - acho que tendências libertárias tem avançado -, por outro, estamos muito longe de construir uma organização que seja suficiente para as demandas do nosso tempo - o PSOL é, em grande parte, um bom exemplo disso.

    um abração

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