(Goya - El Tres de Mayo de 1808)
A palavra "mentira" traz, em seu significado, uma carga necessariamente moral, pois ela não implica em unir duas ou mais ideias cuja relação possa ser falsa no plano de uma argumentação (ficção) - ou mesmo não implica na expressão do que não é a natureza de uma coisa (falsidade) -, mas sim na união deliberada de duas ou mais ideias que, em sua unidade, necessariamente se opõe à Verdade. Mentir, portanto, implica numa quebra da garantia ética mínima que nos faz nos comunicarmos - você, meu caro leitor, só lê este blog porque nutre uma confiança prévia de que as informações que são veiculadas aqui sejam, no mínimo, narradas de boa-fé, só em um segundo momento, você avalia todos os outros aspectos do que é escrito aqui. A Mentira é o rompimento dos elementos básicos dos quais depende essa confiança.
O uso da mentira para atingir fins elevados - uma traição do bem como um artimanha para realiza-lo - cai num debate que não é nada simples porque como a história nos ensinam, muitas vezes é necessário adequar os meios para se atingir determinados fins, no entanto, os meios são sim capazes de corromper a consecução de deter. Tanto distorcer informações para despistar um agente de uma polícia secreta no intuito de salvar um companheiro da morte certa, quanto um político dizer que educação pública no país vai bem são mentiras, mas suas consequências são diferentes.
Evidentemente, nem sempre essa divisão é tão clara. É possível mentir com o intuito de fazer o bem, por exemplo, podemos negar a existência de uma epidemia para não alarmar as pessoas e assim acabar provocando o aumento dela - quando se faz isso, no entanto, está se quebrando o minímo ético comunicacional, mas sem o interesse de subvertê-lo, ainda que a consequência prática concretizada destoe da consequência prática desejada. De tudo que envolve a mentira, o pior mesmo é torna-la uma prática permanente - o que só é possível no caso em que emissor passa a tentar se autoconvencer da validade do que diz.
O mandamento goebbeliano de contar uma mentira quantas vezes for necessário para ela se tornar uma verdade é uma concepção que se coaduna perfeitamente com o conceito schmittiano de soberania ("o soberano é aquela que revela na crise e decide sobre a exceção", logo, de Exceção também): A afirmação da doutrina de consecução dos fins a despeito, de forma total, dos meios que precisem ser empregados, o meio para tanto é a eleição de um desvalor total - a banalização do mal a qual se refere Arendt. O antípoda de Schmitt, Hans Kelsen fazia o inverso ao alheiar o Direito de valores - como se fosse possível existir uma forma de linguagem neutra -, ele promoveu um doutrina rigída de procedimentalização jurídica, onde tudo o que é importa é o meio - um valor tão absoluto que deixa de sê-lo por sua totalidade -, seja lá quais forem os fins que produza. Os dois pensamentos, naturalmente, são totalitários - em que pese a polêmica travada pelos dois.
Na São Paulo contemporânea, o descalabro do nosso tempo se soma ao fantasma dos tempos de Schmitt e Kelsen, ao passo em que medidas de totalidade regulatória se somam a medidas de totalidade exceção, conforme a conveniência do momento; considerar o Capitalismo como a causa desse fenômeno não se trata de um erro, mas não chega a ser suficientemente certo. O que se esconde por detrás disso, são as especificidades do processo de desindustrialização paulista - uma das consequências mais prováveis que decorreram da forma pela qual São Paulo foi industrializada no período militar. Antes que alguém intervenha, eu não estou tomando o acidente pela causa, a causa dessa problemática não é o Capitalismo pura e simplesmente, pois se fosse, necessariamente isso tudo iria acontecer - e assim tomaríamos todas as particularidades do processo de industrialização paulista como se fossem inerências do sistema.
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