quarta-feira, 7 de abril de 2010

Solidariedade à Cuba

Soube, hoje, que a UGT, União Geral dos Trabalhadores, central sindical ligada ao PSDB, estaria convocando uma manifestação em favor das chamadas Damas de Branco  amanhã, na frente do consulado cubano em São Paulo - e o motivo disso seria a questão dos presos políticos na ilha, mas segundo o Presidente da referida sindical, também seria contra o embargo que Cuba sofre. Por sua vez, o Movimento Paulista de Solidariedade à Cuba junto com MST e outras organizações pretendem organizar uma outra manifestação, de apoio à Cuba. 

É uma questão bastante complexa, pois goste-se ou não, o Governo Cubano mantém sim presos políticos bem como uma repressão à liberdade de expressão na ilha - e é bom não confundirmos alhos com bugalhos: Essa questão não se mistura ao fato da ilha ser vítima de um embargo comercial criminoso por parte da maior potência econômica do planeta ou, muito menos, se relaciona às conquistas sociais (e a manutenção delas) ali registradas desde a Revolução de 59.

Teoricamente, a manifestação em favor das damas de branco, toca num tabu de grande parte da esquerda brasileira que é a defesa integral de tudo que vem do sistema cubano - e ainda, inteligentemente, ataca a questão do embargo. Claro, pesam a profunda contradição de uma central sindical conservadora, ligada sim ao bloquinho PSDB-DEM-PPS, resolvendo tomar partido de uma questão ligada aos direitos humanos, basta ver a vista grossa em relação a toda a questão humanitária que tais partidos, na prática, façam - basta ver a própria ligação do bloquinho com organizações como a União Democrática Ruralista, defensora do velho direitos humanos para humanos para humanos direitos (ou nem isso). Isso aqui sem falar na proposta do seu presidente,  Ricardo Patah de que Cuba merece uma perestroika: Ninguém merece, seja troika ou perestroika, tudo aquilo foi um grande desastre por ser, no fim das contas, uma forma de construir um país, e depois de reconstruir um país. mediante decisões verticais e altamente centralizadas.

O ato resposta, dito "em defesa de Cuba", por outro lado, se mostra um tanto confuso, pois não é exatamente a defesa da ilha que está em jogo, mas uma opção política de seu governo. As pautas da manifestação serão a defesa da Revolução Cubana, do princípio da auto-determinação dos povos, do fim do bloqueio midiático à Cuba e, por último, direitos humanos praticados em Cuba. A confusão é enorme:

1. Há uma diferença crucial entre ato em defesa de Cuba e ato em defesa do Governo de Cuba; 

2. A questão da defesa do princípio da auto-determinação dos povos não vem ao caso aqui, o país não está tendo sua soberania ameaçada, mas sim está tendo políticas suas criticadas - há um caminho enorme entre ambos bem como não há princípios absolutos. Temos, inclusive de ponderar que sem a devida liberdade expressão e eleições livres, é difícil imaginar como o povo cubano esteja se determinando. Isso, sem falar que é uma muleta retórica cômoda silenciar o debate acerca de um problema interno usando-se desse truísmo;

3. Criticar o bloqueio midiático à Cuba é perfeitamente válido, mas também só uma parte da verdade, pois é necessário que se critique também o bloqueio que o próprio governo cubano impõe ao seu povo;

4. Não é possível defender direitos humanos defendidos em nenhum lugar em específico, direitos humanos não pertencem à nações, eles se estabelecem como um imperativo ético mínimo que implica em uma prática de proteção à vida de todos os seres humanos. Em Cuba, essa defesa é mais complicada ainda, porque a humanidade" parece estar sendo determinada de acordo com o lado que você está do governo.

Tais posições, em uma primeira vista perfeitamente nobres, as são parciais e expressam a profunda confusão da direita e da esquerda brasileira sobre Cuba que se extende há mais de cinquenta anos: Grande parte da direita brasileira, longe de defender uma forma de liberalismo ou de democracia-cristã dignos, sempre se viu como mero alto-falante de setores atrasados que viam na forma como a Revolução Cubana se deu um precedente que ameaçava seus interesses direitos assentados em práticas arcaicas, demonizando a ilha. Por outro lado, a esquerda sempre errou em santificar o modelo cubano, realizando uma análise romântica ao invés de extrarir suas conquistas e ser dura com seus equívocos.

Não sou um homem de direita e mesmo sabendo que existem pessoas nesse campo que acreditam no que defendem - uma grande minoria pelo mundo e uma minoria maior ainda no Brasil -, não tenho condições para falar sobre o que as forças desse campo poderiam ou não fazer - porque acredito que mesmo o liberalismo, o melhor dentre as formas de pensamento daquele espectro, se assenta sobre equívocos irremediáveis (talvez defende os direitos humanos de maneira sistemática e incondicional seria um bom começo). Da esquerda ao qual pertenço - com um ceticismo padrão que me é peculiar - posso falar com alguma propriedade: Deveríamos sim orientar nossa posição em relação à Cuba de forma crítica, não é preciso tapar o sol com a peneira; Cuba é vítima em várias circunstâncias, um país maravilhoso em outras tantas - e que muito tem a nos ensinar -, mas, por outro lado, tem falhas terríveis que, essas sim, ameaçam mais o seu futuro, as suas conquistas e a sua autonomia do que o próprio embargo. A manifestação de amanhã bem que poderia ser usada para criticar sim o Governo Cubano e, ao mesmo tempo, para defender Cuba, atentando para o maniqueísmo com o qual a questão é abordada e o oportunismo equivalente.

6 comentários:

  1. Eu juro que, às vezes, desejo que Cuba explodisse. Literalmente, em mil pedacinhos. Só pra essa aporrinhação em torno da ilha, seu povo e seu governo, acabasse de vez por todas!

    Até o mundo mineral sabe que as manifestações marcadas para amanhã pouco tem a ver com a defesa dos direitos humanos em Cuba, ou à solidariedade ao povo cubano, mas sim com as eleições de outubro. Lula visitou Cuba há pouco tempo, e seu comportamento como chefe de Estado é que está em questão.

    Creio que você já leu o texto do Idelber para a revista Fórum. Como ele faz falta na blogosfera!

    Eu discordo de você quando diz que Cuba 'não está tendo sua soberania ameaçada', pombas Hugo, fosse o contrário a pedra no sapado da doutrina Monroe não mereceria tanta atenção midiática, tanta cobrança em relação aos direitos humanos, tanta propaganda de todos os lados. Ainda mais se considerarmos que faz tanto tempo desde que a desculpa da 'ameaça comunista' se foi há duas décadas (pouco se fala no Vietnã, por exemplo). A elite cubano-americana que perdeu suas propriedades durante a Revolução não mede esforços para manter a 'insignificante' ilhazinha sob os holofotes do planeta, contando com apoio direto do governo dos EUA - especialmente do partido Republicano - mantém vivo o sonho de recuperar suas terras, suas indústrias, seus negócios.

    Enquanto lia o resto do seu texto, me lembrei de um interessante artigo do Armando Chaguaceda, sobre 'Revolução' e 'Regime' em Cuba. Aliás, eu recomendo o sítio todo, é bem desmistificador, para dizer o mínimo.

    Um abraço!

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  2. Hugo,

    Nunca ouvi falar nesta tal de UGT, mas já lamento pelos desafortunados trabalhadores representados por ela. Uma central sindical ligada ao PSDB chega a ser uma contradição em si.

    Quanto a Cuba, este é um caso de amor ou de ódio em que as opiniões mais equilibradas são raras, geralmente ficando entre 08 e 80. Ou o regime cubano é defendido incondicionalmente ou é condenado, também incondicionalmente. Mas as opiniões mais equilibradas são mais comuns vindas de gente da esquerda que do centro (no Brasil ninguém é de direita).
    Eu nem questiono a legitimidade de uma manifestação contra o desrespeito aos direitos humanos por parte do governo cubano, mas porque não aproveitar para estender esse protesto a outros países americanos onde os direitos humanos também são desrespeitados, a começar pelo Brasil mesmo, Colombia e Honduras, só para citar alguns exemplos? Em Cuba, pelo menos, a voz dos dissidentes encontram eco na imprensa internacional. Em Honduras, e até mesmo na Colombia, países que se dizem democracias, a dissidência é calada à bala, com a conivencia, pelo silencio, da mesma imprensa preocupada com o tratamento dado aos presos políticos em Cuba.

    Não conheço os detalhes da manifestação de amanha, mas seria lamentável ver trabalhadores sendo usados, ingenuamente, para objetivos nada nobres.

    Abraço!

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  3. Ah Eduardo, o negócio rolou hoje mesmo, nós não prestamos atenção no horário do post - 00:16.

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  4. Luis,

    Respeito sua posição e discordo dela. Não dá para relativizar o que está acontecendo na Ilha por conta do histórico pregresso da UGT e das suas alianças. Mesmo que as possíveis motivações possam ser criticáveis, sim eles pegaram num calcanhar de aquiles de Cuba e do posicionamento do Governo Brasileiro que, sim, está tendo uma posição de aplicar dois pesos e duas medidas na América Central e Caribe - basta ver a postura em relação ao golpe em Honduras e a posição para com essa política cubana para com os dissidentes.

    Se isso respinga nas eleições é uma forma de bater uma Lula, que toda a esquerda comece a pautar o debate e assuma uma posição crítica frente ao que está acontecendo na Ilha (como muitos grupos já estão o fazendo) e, ao mesmo tempo, denuncie essa hipocrisia. O que não dá é para usar de lógica expansiva e ignorar as violações aos direitos humanos em Cuba. Só isso.

    Quanto ao texto do Idelber, concordo com o começo e discordo do fim; Política não se confude com Moral, mas também não é autonôma em relação a ela. De qualquer forma, o debate nem chega a esse ponto: A Constituição Federal, em seu art. 4º, é clara ao estabelecer que o Brasil dever ser orientar por princípios como a prevalência dos direitos humanos, a solução pacífica dos conflitos e a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade. Levar uma crítica aos governantes cubanos é válido sim, se você tem uma relação com um país, seja ele qual for, isso não implica na obrigação de afaga-lo e concordar com ele o tempo inteiro; relações bilaterais implicam em críticas também: O Brasil pode, como está fazendo muito bem, criticar os EUA pela sua posição na forma de negociar com o Irã. Isso é ferir a soberania americana? Creio que não.

    Evidentemente, que em uma série de outras situações Cuba tem sua soberania ameaçada, mas não nisso, não podemos confundir as coisas. Aliás, creio que uma ameaça muito grande à Revolução Cubana e a própria soberania, esse tipo de política.

    um abraço

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  5. Edu,

    Sim, o extremismo no debate sobre Cuba é terrível mesmo, não há matizes, não há gradações. Ainda assim, eu acho que um protesto contra os atos do Governo cubano não exige que, necessariamente, se proteste ao mesmo tempo contra Honduras ou Colômbia, mas por uma questão de coerência, nos momentos oportunos, seria muito bom ver a UGT fazendo isso também - o que eu acho difícil, justamente por isso eu questiono o posicionamento de parcelas da esquerda democrática sobre Cuba: Temos o dever de criticarmos o que se faz com os dissidentes políticos lá, não precisamos ter medo de fortalecer a direita ao nos colocarmos dessa maneira até porquê dificilmente a direita faria manifestações contra Uribe ou o Golpe Hondurenho (e se viesse a fazer seria uma gigantesca vitória nossa, como foi o fato da UGT protestar também contra o embargo).

    um abraço

    P.S.: Desculpem, a confusão de datas foi minha, eu falei "amanhã" em relação ao que deveria ser "hoje" porque eu comecei a escrever a postagem dia 06 e terminei passando um pouquinho da meia-noite.

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  6. Hugo,

    Gostei de sua resposta.

    É aquela coisa: claro, se o nosso chefe de Estado travasse um diálogo sobre DH com o chefe de Estado cubano - de igual para igual - seria ótimo, maravilha. Nada a se opôr aqui. Mas bater o pé e E-X-I-G-I-R que o Brasil faça o Julgamento de Anúbis tal qual os EUA e a Espanha o fizeram já são outros quinhentos.

    Um abraço

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