domingo, 16 de maio de 2010

Brasil, sua Política Externa e suas Eleições

 (Lula e Medvedev, foto retirada daqui)

O Presidente Lula fez duas importantíssimas viagens diplomáticas, a primeira para a Rússia e a segunda para o Irã, ao mesmo tempo em que, no Brasil, sua candidata, Dilma Rousseff, ultrapassava o oposicionista José Serra. Mesmo que diretamente os dois acontecimentos não se liguem, a relação entre eles é óbvia: Como já dito aqui, a maior diferença que repousa entre PT e PSDB - e, acreditem, não é pequena nem pouco relevante - trata-se da visão de política de relações exteriores que tais agremiações possuem.

No caso das relações russo-brasileiras, desde o bizarro rompimento das relações com a antiga União Soviética, movido pelos interesses americanos, o Brasil se manteve distante de Moscou. Mesmo com o nascimento da moderna Federação Russa, a posição brasileira se manteve tacanhamente americanista - como nos atesta os anos FHC, onde para além de algumas tratativas pró-forma, não se buscou qualquer espécie de parceria efetiva, principalmente por conta da concepção atlantista de política de relações exteriores.

A Rússia, por outro lado, sempre esteve intimidada em tentar qualquer coisa para essas bandas por conta da manutenção da lógica da Guerra Fria, onde mesmo que não houvesse algum impedimento estratégico, tendia-se a respeitar "o quintal" do Outro - e o gigante do norte errou fragorosamente ao insistir numa política de mão pesada de superpotência quando, na verdade, a dinâmica das relações internacionais já permitia uma nova espécie de interação entre os Estados nos anos 90 ao mesmo tempo em que ele não deveria mais pensar ou agir como a superpotência que, a bem da verdade, já não era mais desde os anos 80. 

De tal forma, da relação entre o liberalismo anacrônico de Yeltsin e do atlantismo estéril de FHC pouco ou nada se produziu na relação bilateral entre os países. As coisas começar apenas a mudar com a ascenção de Putin na Rússia e de Lula no Brasil. A Rússia vai largando mão, aos poucos, de uma megalomania burra e começa a agir mais concretamente no seu fortalecimento concreto enquanto potência enquanto o Brasil larga o eixo Atlântico e resolve desbravar mares nunca dantes navegados.

A aproximação entre os dois começa a se dar por meio do heterogêneo BRIC, grupo que também reúne China e Índia, e vai se consolidando aos poucos, graças a coincidências como o malogro da tentativa de reaproximação entre Moscou e Pequim, principalmente com os chineses dando um chapéu nos russos no campo militar, as políticas chavistas em favor de uma aproximação dos russos para a região e o fortalecimento econômico que ambos os grupos políticos promoveram internamente em seus países.

Da viagem realizada essa semana por Lula para Moscou, resultaram enormes avanços na relação entre os dois países: O sistema dos vistos de entrada para russos e brasileiros será extinto a partir de 7 de Junho deste ano, os brasileiros serão convidados para integrar o desenvolvimento do Sistema Glonass - alternativa russa para o americano Sistema GPS - assim como o inúmeros acordos na área de cooperação militar foram realizados.

Os acordos de cooperação militar entre os dois merece um parágrafo a parte: Os russos viram-se traídos pela China, sua maior importadora de material bélico, que simplesmente clonou armamentos seus, abalando consideravelmente a relação econômico-política retomada nos anos 90, depois de décadas de tensão na relação sino-soviéticas. Por outro lado, a Rússia se saiu bem na parceria com a Índia, sua tradicional aliada, no bem-sucedido desenvolvimento dos jatos de quinta geração Pak-Fa, projeto que o Governo brasileiro não quis integrar nos anos 90, pelos sobreditos motivos.

As garantias que o Governo brasileiro ofereceu em relação ao respeito à propriedade intelectual bélica russa têm um impacto muito grande sobre o intercâmbio entre os países nessa área. Isso tranquiliza vários setores do Governo russo que temiam sofrer do Brasil o mesmo golpe que tomaram da China, permitindo que os países interajam nessa área onde são perfeitamente complementares: A Rússia precisa vender armamento e o Brasil precisa de material pesado e de qualidade - ainda que os problemas estratégicos do sistema de defesa brasileiros passem muito além disso.

No caso iraniano, temos um quadro muito mais complexo. O país do Oriente Médio trata-se de uma teocracia que desrespeita sim os direitos humanos e sufoca liberdades individuais ao mesmo tempo em que sofre pressões imensas de governos ocidentais que usam o legítimo discurso pró-democracia como forma de justificar uma pressão que, na verdade, expressa os interesses de certos grupos econômicos por conta do bom e velho petróleo, combustível fóssil em relação ao qual o Irã se constitui em um dos maiores produtores do mundo. Pesa ainda o fato dos iranianos estarem desenvolvendo sua tecnologia nuclear e ainda representarem um empecilho estratégico para Israel, fiel aliado dos mesmos interesses naquela região do globo.

Dentro desse cenário, o Brasil assumiu uma postura independente de negociação e de diálogo com Teerã que irrita os americanos - sim, aqueles mesmos que tiveram aquela participação suspeita no golpe em Honduras - e tangencia uma linha muito perigosa - e tênue - que separa a simples realização das necessidades táticas do Brasil (além do cumprimento do imperativo da manutenção do diálogo) da anuência com infrações claras aos direitos humanos, que nem pelo fato de serem utilizadas como álibi, deixam de ser reais, o que fere o interesse estratégico do Brasil que depende do fortalecimento da Democracia no mundo.

Evidentemente, é muito mais fácil para o Brasil negociar com a Rússia, que apesar dos pesares é uma democracia pró-forma - que sofreu inegáveis avanços nos direitos sociais durante os anos Putin, muito embora os recuos nos direitos civis possa coloca-los a perder -, do que com o Irã. Não despropositadamente o constituinte de 88 colocou na nossa Lei Maior uma série de princípios acerca da atuação do Brasil no plano externo sobre a defesa da democracia e a prevalência dos direitos humanos, que devem ser compatibilizados com as necessidades táticas imediatas - e, acreditem, não é uma compatibilização fácil de se fazer, ainda que ousadia demonstrada apenas reforce um considerável amadurecimento. Seja como for, o Brasil mais e mais vai mostrando ao mundo que não é a mesma nação subserviente e irrelevante no debate interncional de outrora, ao mesmo tempo em que, internamente, decide se quer continuar a seguir esse caminho ou se quer voltar a ser o que era.

6 comentários:

  1. Hugo,

    A velocidade com que o Brasil redirecionou sua política externa e se inseriu no campo das relações internacionais é surpreendente. Não faz muitos meses a revista veja _ que há muito não é boa referencia pra nada _ chamava a politica externa do governo lula de "diplomacia megalonanica".

    Por hora acredito que deixar de ser coadjuvante para ser um dos atores principais no cenário internacional pode ser bom para o país, mas no futuro talvez isso traga uma carga de responsabilidades que não sei se valeira a pena pagar.

    Eu particularmente gostaria que a liderança do meu país se desse pelo exemplo no respeito aos direitos humanos, incluindo aí o tratamento dispensado aos presidiários e as pessoas sob tutela do Estado. Gostaria que meu país fosse referencia no desenvolvimento sustentável, no cuidado com o meio ambiente, na correta aplicação da justiça; que fosse referencia na igualdade de oportunidades, na liberdade de expressão, no respeito a democracia... mas acho que estou querendo de mais.

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  2. Edu,

    Eu já que você não é querendo nada fora do normal não, você quer apenas o justo - e o que não é justo senão aquilo que implica no que é devido para garantir a vida humana sobre a Terra?

    Ademais, a postura brasileira é muito positiva, creio que as responsabilidades do Brasil no plano externo, seja naquilo que nos interessa enquanto brasileiros ou aquilo que interessa à toda humanidade - e a nós mesmos enquato seres humanos -, já existia, ela só era escondida sob um discurso omissivo e covarde desde o fim da Segunda Grande Guerra - tirando alguns momentos do Governo Sarney, do segundo Governo Vargas pasme, algo da Ditadura Militar. Ainda assim, o que vemos hoje é uma verdadeira revolução no modo do Brasil se relacionar com o resto do Globo.

    um abraço

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  3. Mas graças a Deus nós, brasileiros, não temos nada parecido com um Destino Manifesto que resulte na busca de uma imposição de nossos valores na arena internacional, por mais louváveis que sejam. É justamente isso que permite ao Brasil conversar melhor com o "inimigo da civilização ocidental" da vez, atualmente o Irã.

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  4. Hugo,

    Dá uma olhada nisso. Estão acusando o Brasil de produzir secretamente a Bomba.

    É pra rir ou pra chorar?

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  5. Grande Luis,

    Pois é, mas eu não interpretaria o Destino Manifesto como um discurso baseado em valores próprios dos EUA que os americanos julgam tão corretos a ponto de acharem perfeitamente justo sua imposição goela abaixo de qualquer um: Para mim, estamos falando de um argumentação que se usa da argumentação iluminista para depois trai-la, usando dados reais - o desrespeito aos direitos humanos no Irã, a falta de liberdade de expressão na Rússia etc - como álibis para tocar uma política de dominação. Essa sua descrição, ao meu ver, corresponderia muito mais àquilo que Napoleão fez na Europa do século 19º e cujos efeitos não foram necessariamente ruins - muito menos do que uma política de dominação, o modo como Bonaparte interferiu na Europa foi um processo incivilizado de levar a civilização, deixando um legado dúbio: Se as bases das racionalistas espalhadas por toda a Europa coloboraram fortemente para o desevolvimento do continente, por outro lado, o meio como isso foi desencadeado, nada-nada, deixou sementes malignas que vieram a eclodir da pior forma no século 20º.

    Eu, pessoalmente, acredito num universalismo de convergência firmemente pacífico, que é basicamente o que está na Carta Magna de 1988, na Declaração Universal dos Direitos Humanos da qual o Brasil é signatário e, ao mesmo tempo, considero que o nosso país deve ter uma política externa mundialista - e não primeiro-mundista como antes - e buscar defender os nossos interesses estratégicos. Não vejo nenhuma oposição entre as duas coisas, ainda que considere a dificuldade de compatibilização disso em vários momentos - aliás, creio que essa avaliação decorra de como o debate sobre política externa esteja viciado pelo binarismo nacionalismo x internacionalismo.

    Nesse sentido, apesar de algumas navalhadas, o Governo Lula se saiu muito bem. No Governo FHC, o que havia era apenas um alinhamento automático aos interesses americanos.

    um abraço

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  6. Luis,

    Sobre o boato do Brasil e a bomba, não é para rir ou pra chorar, simplesmente para ficarmos de olho no seguinte: Factóides estão sendo plantados para tentar deslegitimar a interlocução do Brasil com o Irã - e também para lançar suspeitas sobre o projeto de reconstrução das Forças Armadas com compra de materiais. É parte de um jogo sujo de determinados grupos de interesse específico que querem ver um Brasil desarmado assim como querem pavimentar o caminho para um conflito armado contra o Irã - o último constituiria um descalabro imenso.

    um abraço

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