Tarkovsky: Eu estou pasmo com o baixo padrão. Eu não compreendo. Por um lado, eu achei tudo altamente profissional, por outro lado, tudo era totalmente comercial. Por exemplo, trataram de um assunto que era limitado para ser do interesse de todos: o problema do movimento da classe operária, ou o relacionamento entre a classe operária e outros segmentos da população. E toda ela foi feita com tal olho às audiências, com tal desejo de agradar [grifo nosso]… tive realmente a impressão que todas as películas tinham sido editadas por uma e para a mesma pessoa. Mas na película, a coisa mais importante é estar ciente do ritmo interno. Assim, o que poderia ser individual teve o lugar comum tornado vulgar. É extraordinário. Mesmo a película de Fellini sobre Roma, a película mais interessante de todas, mostrou-se fora do festival apropriado. É uma regra do jogo, dar-se combinado com a audiência; o ritmo editorial é assim, que com lisura faz-se sentir ofendido em nome de Fellini. Eu recordo planos seus, onde os tiros, o comprimento dos tiros e seu ritmo foram amarrados ao estado interno do caráter e do autor. Mas este retrato foi feito com um olho para o que está agradando a audiência. Eu acho aquilo repugnante. De qualquer modo, a película não nos diz nada de novo sobre Fellini ou sobre sua vida.
Trecho de um entrevista de Tarkovsky para Zbigniew Podgórzec, realizada em 1973, quando o cineasta russo, uma dos maiores gênios da história do cinema, tece suas considerações sobre melhor do cinema ocidental, exposto em Cannes junto com o seu Solyaris. Com efeito, a avaliação de Tarkovsky transcende o Cinema e revela dois aspectos fundamentais da ideologia burguesa que atingem, hoje, seu ponto máximo: (I) A afirmação do discurso por meio de sua legitimação formal, artifício que sem a proclamação de um universal ideal seria simplesmente possível - e está presente, até mesmo, em discursos contra-hegemônicos (II) a construção de uma identidade coletiva por meio de uma doutrina individualista tão exarcebada que o resultado que se opera, como não poderia ser diferente, é a massificação completa da expressão e do pensar - os indivíduos são reduzidos ao indivíduo e a própria individualidade é diluída numa ditadura do coletivo. O filme é feito para o indivíduo que todos devem ser.
Que é isso, Tarkovsky. Só petardos em Cannes naquele ano. Claro, era uma época pré-Guerra nas Estrelas, mas Elio Petri 'comercial' é difícil de engolir...
ResponderExcluirÉ uma crítica dura, mas faz sentido - não é em relação ao conteúdo, mas à forma.
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