O NPTO levantou um debate interessante sobre a entrevista de Serra para Miriam Leitão, muito embora eu discorde de alguns pontos que ele colocou, não dá para não comentar o caso, que levanta bola para muita coisa importante para o futuro da condução da política econômica. Lá, o candidato da oposição trata de um ponto crucial, a política monetária e relação de uma eventual presidência sua com o Banco Central, o que revela alguns acertos em meio a uma visão mormente economicista de política, que parece ter dominado a cena política brasilieira de um anos para cá e é um câncer no PSDB - e de certa maneira polui um pouco a avaliação daquele arguto blogueiro.
Sobre a questão da autonomia do BC em si, não podemos nos esquecer que ele se trata de uma autarquia federal, portanto, ele tem autonomia administrativa, muito embora esteja debaixo do guarda-chuvas do Ministério da Fazenda. Evidentemente, o poder do Presidente da República sobre o BC é enorme por conta de uma distorção do próprio presidencialismo brasileiro - isto é, um problema do nosso sistema de freios e contra-pesos, nada específico. Mesmo Lula, ao manter Meirelles, agiu firmemente - quando você tem competência jurídica para decidir sobre algo conjugada com força política para tanto, não podemos falar em omissões, mas em ações de não-fazer, ou melhor, ação de manter. Em suma, Lula só não ficou dando pitacos no BC por opção polítca - seja vontade ou pelas contingências -, mas juridicamente poderia ter feito isso sim e tinha força política para tanto, nada de relevante mudou de FHC até ele e, portanto, se nada sistêmico for feito, se Serra ganhar e pensar - puder - diferente, as coisas mudarão mesmo.
Dentro daquilo que a Constituição Federal atual estabelece, pouco pode realmente ser feito. Poderíamos transformar o BC em ministério, mas ainda assim, ele estaria debaixo da vontade presidencial, ainda que se colocasse em pé de igualdade com a Fazenda. Outra opção seria transformar o BC numa "agência" - o termo é uma jabuticaba jurídica que remonta aos anos FHC, na verdade, elas são autarquias especiais - e criar mandatos que trespassassem os mandatos presidenciais, o rolo disso é que - não sem razão, mas aí é uma outra longa história -, mas se essa hipótese fosse possível, o BC teria de ser totalmente reformulado para que fosse garantido, na prática, que o processo de admissão e ascenção dos seus membros fosse rigorosamente meritocrático.
Pessoalmente, não tenho muitas ilusões. Na política não há espaços vazios e não há neutralidade onde há vida - especialmente vida humana -, e o BC sempre estaria submetido às forças reais de poder - não nos esqueçamos que a própria política, em si, é uma técnica -, portanto, não há soluções nem há iluminados que terão uma epifania e colocaram em prática uma espécie de solução universal. O BC precisa de mais republicanismo na sua forma de funcionar - sim, ele tem de deixar de ser uma porta-giratória mercado-governo -, mas não deve se perder de vista que ele deve estar submetido ao Estado Democrático de Direito - que para sobreviver no Brasil, necessita de uma urgente desconcentração de poder -; de forma prática - e na bucha -, quem mandará no BC nos próximos quatro anos será o Presidente mesmo, o que nós podemos decidir - enquanto nos organizamos para reivindicar uma reforma do Estado que passa, ao meu ver, pela sociedade civil - é quem estará naquela cadeira e, em especial, a quem ele serve.
Transformar o BC em uma "Agência", tipo Anatel, Aneel, Anac, Anta, etc, é assustador.
ResponderExcluirBasta ver como elas, as agências, foram "tomadas" pelos que elas devem ou deveriam fiscalizar.
Se hoje o BC já foi loteado e dominado pelo mercado, imagine o que seria se fosse uma agência.
É MUITO assustador.
Um BC de facto autônomo significa tornar o Estado refém do mesmo. Não nos esqueçamos do poder que é controlar a emissão de moeda.
ResponderExcluirAntonio Santos
ResponderExcluirPois é, com o perdão do trocadilho, na prática a teoria é outra quando falamos dessas gloriosas autarquias especiais que apelidamos carinhosamente de "agências" - por que não agencies de uma vez? -, a grande questão que paira entre os administrativas (os sérios, por favor) é se o problema dessas entidades se relaciona a forma como foram implementadas ou se o problema são elas mesmas - como defende o Professor Celso Antônimo Bandeira de Mello, certamente o maior administrativista brasileiro em atuação.
Não procurei ser muito conclusivo no meu post - diferentemente do que, em regra, faço por aqui -, mas esse risco que você levantou é evidente, ainda que o modelo atual também seja ruim porque, no duro, o nosso presidencialismo superpoderoso tem dado mais poder aos tecnoburocratas estatais do que ao Povo - e nesse sentido, dar um caráter especial à autarquia poderia fazer com que essa entidade caisse, muito mais facilmente, no colo do mercado do que no da sociedade civil, muito embora tirasse o poder dos tecnoburocratas e de eventuais arrivistas políticos.
Claro, a questão do BC é muito mais estrutural do que se pensa no que se relaciona às velhas falhas e distorções que já estão na Lei Maior de 1988 quando do seu nascedouro e são aumentadas ao longo da década de 90 quando FHC desfigurou a nossa Constituição. Em suma, para não ficar em cima do muro, creio que o correto seria manter o BC como ele está agora e tentar fazer uma necessária reforma no Estado para que a relação entre chefia do executivo, os órgãos da administração pública direta e as entidades da administração pública indireta se tornasse mais racional - e sim, eu penso que isso passa pelo crivo da adoção do parlamentarismo, ainda que por si só, medidas formais só resolvam uma parte do problema, a outra parte passa por uma real disposição e capacidade de pôr isso em prática pelas forças políticas do país (e é aí que a porca torce o rabo). Elas por elas, prefiro que fique como está mesmo.
Seja como for, a independência que muitos imaginam que o BC deveria ter, não apenas é de um idealismo - ou de um oportunismo - patente como é impossível à luz da ordem jurídica vigente neste país - sim, porque mesmo a autonomia da qual goza uma "agência" é bem diferente e menor do que isso e ainda digo mais: Ainda bem que assim o é, porque se trata de uma ideia de girico.
um abraço
Luis
ResponderExcluirUm BC de facto autonômo - juridicamente independente, portanto - seria poder paralelo mesmo, portanto, uma ofensa ao Estado Democrático de Direito e um elogio à Ditadura do oligopólio que controla aquilo que chamamos de Mercado. Em suma, só aconteceria por meio de um golpe - o que é improvável, mas não impossível. Verdade seja dita, o risco disso acontecer é menor hoje do que há quatro anos atrás por conta da natureza dos candidatos da Oposição - sim, Alckmin é pior do que Serra -, o medo, por ora, é que Serra não tem inserção na sociedade civil - e nem nunca quis ter, é um burocrata -, o que pode fazer com que suas convicções e entendimentos facilmente caim por terra diante dos interesses dos seus aliados.
um abraço