sexta-feira, 30 de abril de 2010

O STF e a Lei de Anistia

- sejamos fiéis à Memória, senhores, à Memória -

Entre quarta e quinta-feira desta semana, o Supremo Tribunal Federal decidiu pela manutenção da Lei da Anistia, norma que remonta ao ano da graça de 1979, quando a Ditadura Militar já agonizava, mas ainda não estava claro no horizonte próximo o que se sucederia em seu lugar. No período de 15 anos entre o pérfido golpe de 1º de Abril de 1964 e a data de sua promulgação, a Ditadura Militar se mantivera no poder a base do esmagamento violento da oposição, seja tanto a pacífica quanto aquela que pegou em armas contra ela alguns anos mais tarde - a Lei de Anisitia, por sua vez, cobria um período que ia de setembro de 61, mês subsequente à queda de Jânio e a ascenção de Jango. O Estado brasileiro, ali ocupado por uma corja de usurpadores, jogou sujo, praticou toda sorte de torturas em seus porões: Tivemos desde sessões de choques até estupros.

O clima político brasileiro dos fins dos anos 70, quando o modelo econômico elevado à potência pela ditadura tinha chegado ao limite e a comoção nacional provocada pela assassinato de Wladmir Herzog e de Manoel Fiel Filho nos porões minavam o regime, permitiram uma retomada de fôlego que a esquerda não tinha desde o AI-5. Ali, se passou a reivindicar uma Anistia Ampla, Geral e Irrestrita, que servisse como primeiro passo para uma saída negociada para o fim da Ditadura, permitindo que aqueles que estavam presos, na clandestinidade ou no exílio pudessem voltar à vida pública - e isso era uma reivindicação fruto de um equilíbrio de forças que não permitia sequer a hipótese de uma derrubada do regime (mesmo que decrépito).

O resultado foi uma Anistia estreita, específica e restrita que, ainda assim, permitiu o início do fim do regime, a base para aquilo que viria a se tornar o movimento pelas Diretas e, mais tarde, na bola de neve que resultou na Constituição de 88. No entanto, os torturadores passaram incólumes, enquanto muitos presos políticos continuavam nos porões, afinal, o texto da lei previa claramente o seguinte:

Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexo com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares [grifo nosso].
        § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política.
        § 2º - Excetuam-se dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática de crimes de terrorismo, assalto, seqüestro e atentado pessoal [grifo nosso].
        § 3º - Terá direito à reversão ao Serviço Público a esposa do militar demitido por Ato Institucional, que foi obrigada a pedir exoneração do respectivo cargo, para poder habilitar-se ao montepio militar, obedecidas as exigências do art. 3º.

Portanto, a própria Lei não foi feita para proteger ninguém que tenha agido em nome da Ditadura. No máximo ela cobriria os militares que, no decurso do Governo Goulart, articularam o Golpe - mas como se sabe,  praticamente ninguém foi punido por esse motivo, isso não faria sentido. Nenhum torturador do Regime foi prejudicado por ato institucional algum e não foi sequer admitida tortura nos porões do regime, no máximo, algum laranja aqui ou ali sofreu alguma punição esparsa, mas nem ao menos se admitiu a prática sistemática de tortura nas prisões - em suma, como assim dizer que isso anistiou quem sequer foi investigado por conta da natureza do regime?

O "crime político" em questão, aliás, nada mais, nada menos, do que as afrontas à Lei de Segurança Nacional - outra infâme aberração jurídica do regime. Crimes como terrorismo, assalto, sequestro e atentado pessoal não foram cobertos, portanto, o que faltou ao país foi vontade política de mexer nos recônditos dessa época obscura para trazer à tona os crimes contra a humanidade que aconteceram no período e transcendem ao direito posto no momento - até porque a ordem instituída era meramente factual e a própria responsável por todo estado de coisas do regime, além de que o que estava em jogo na ADPF 153 era, claramente, um pedido de reinterpretação da norma em questão.

Longe de mim acreditar que o punitivismo é o melhor caminho para resolver o que quer que seja, mas é razoável imaginar que evidentemente, ali se trata de um caso extremo. Também é curioso como um país que ainda se ostenta no em sua Legislação Penal o crime de vadiagem - e se pretende moderno e respeitável - consiga ter juristas que produzam discursos tão sofisticados em prol da "conciliação" como se viu nos dois últimos dias na plenária do Supremo é no mínimo um espetáculo exótico. Assistir a um voto como o dado por um Eros Grau - um sujeito que foi perseguido pela ditadura como ele - foi repugnante. De repente, ele soltou algo como "a mesma OAB que lutou pela mesma Anistia que agora quer derrubar" - sim, cara-pálida, a conjuntura ali era igualzinha: Quando se equipara lutar por uma tentativa de normalização das relações políticas (o que obviamente deu errado porque a Anistia evidentemente não foi ampla, nem geral ou muito menos irrestrita) com uma tentativa de trazer à tona crimes contra a humanidade (pois, ainda que tivesse sido ampla, geral e irrestrita, não cobriria crimes desse escopo) algo de muito grave está acontecendo.

Em que pese todo o exposto, mais grave do não levar ao banco dos réus quem quer que seja pelos crimes que cometeu, por mais graves que tenham sido, são os efeitos da exaltação ao esquecimento, à alienação e à inconsciência que se concretiza na Lei de Anistia - e não, eu não vejo como o aspecto jurídico da coisa possa ser cindível da conquista da verdade histórica em relação ao período; descontruir a doutrina estabelecida sobre a lei em questão era (e ainda é) um passo fundamental para a conquista do segundo ponto. Como esperar que alguma Democracia de verdade se construa com uma cortina de fumaça dessa espessura separando os seus cidadãos do direito de conhecer a verdade histórica da coletividade a qual pertence?

domingo, 25 de abril de 2010

Cuba, Yoani e o Socialismo

O debate sobre Cuba, como eu sempre insisto em dizer, é uma dos debates mais viciados do nosso tempo. Não cabem aqui observações contrafactuais sobre 1959,  processos genuinamente revolucionários como aquele não são feitos, mas sim se fazem por si próprios:  A Revolução é uma consequência necessária de um determinado estado de coisas - um conjunto de decisões políticas ao longo do tempo, somado a questões estratégicas e peculiaridades econômicas -, onde o poder político estabelecido não é mais capaz de responder às demandas econômicas, de modo que a ordem posta não é consegue mais se sustentar e algo novo irremediavelmente nascerá - sobre esse "algo novo" cabe uma análise, afinal, as consquências de uma Revolução não estão estabelecidas de forma definitiva no momento de seu clímax, diferentemente da sua ocorrência em si, onde encontrados certos pressupostos, está posta. Isso se diferencia do próprio Golpe de Estado, pois nesse caso há uma crise de liderança que acaba, por algum motivo e de qualquer forma - especialmente violenta -, sendo trocada; a ordem política estabelecida não caiu - porque não estava em xeque mesmo -, apenas foi transformada com a inserção de uma nova liderança.

A Cuba dos anos 50 estava às voltas com o estouro de uma Revolução, pois a ordem estabelecida na sua tardia - e sui generis - independência, temperada com a Emenda Platt, estava alcançando um estado de insuficiência crítico - e a crise, no sentido grego da palavra, o momento onde esse decide e distingue às coisas, se conecta em seu modo mais puro e profundo ao conceito de Revolução. Muito embora pode se alegar que a vida em Cuba era melhor do que no restante da América Latina naquele momento, aqueles que se usam dessa argumentação se esquecem ou simplesmente ignoram dois fatores (I) A ordem estabelecida não tinha mais meios para se sustentar daquele momento em diante; (II) Citando de ouvido um conservador como Simonsen, se você corta uma pessoa ao meio, coloca a cabeça no forno e os pés na geladeira, a média entre as temperaturas levará a crer que tudo está bem com ela - ora pois, a boa qualidade de vida no período era uma miragem estatística, em um lugar onde alguns viviam como cidadãos do mundo desenvolvido e outros viviam na miséria, logo, essa foi uma das causas do próprio esgarçamento da ordem.

No processo revolucionário, é o Movimento Revolucionário 26 de Julho, de Fídel, Che e tantos outros que se sai vitorioso, para pouco depois, com a reação americana, jogam a nova Cuba que nascia para o outro lado da Cortina de Ferro - o que também não é fruto apenas disso, como também da posição ideológica de muitos dos combatentes, como o próprio Che e Raul Castro, o que empurra a figura que emerge da Revolução como uma liderança, Fídel Castro, para os caminhos do Marxismo. Cuba se torna uma economia planificada, com todas as vantagens e defeitos de uma delas, precisa suportar o duro golpe do embargo americano - pesadissímo, principalmente se levarmos em conta que inscipiente porém necessária indústria cubana estava estruturada sob o modelo americano, dependendo do comércio de peças e maquinário com o grande irmão do norte. Os revolucionários que apenas em 65 se organizam em torno de um Partido Comunista - único, incontestável, vanguardista - já desde 59 criavam mecanismos de distribuição de renda, uma rede de proteção social, adaptavam o padrão industrial ao soviético, apostavam de forma crescente na solidariedade internacional e, também, restringiam certas liberdades civis e perseguiam homossexuais como se sua condição fosse um "desvio burguês".

A opção pelo marxismo-leninismo, forjada pela necessidade conjuntural e por alguma convicção, melhora a vida em Cuba, ainda que traga novos dramas à tona. A Liberdade que motivara a Revolução pode ser sempre posta de lado, pois sempre surge uma justificativa, uma explicação "racional" para tanto. A política lá pode não ter chegado aos níveis de opressão policial do Leste Europeu, mas ela não está nas ruas ou em praça pública, a existência de um Politburo - um escritório político - já é por si só emblemática no sentido de onde está confinada a Política. O país, no entanto, prossegue melhorando materialmente até que a avalanche do colapso soviético lhe traga, jogando-lhe numa gravíssima crise econômica entre os fins dos anos 80 e metade dos anos 90. Economicamente, a vida de Cuba de 1995 para cá, não vai mal, segunda a CIA e a CEPAL a produção cresce, em especial de 2003 para cá (entre 11% e 12%), seja pelo seu intercâmbio com seus parceiros tradicionais do Ocidente - notadamente Canadá e alguns europeus -, pelo crescimento latino-americano e, também, pelo crescimento chinês e a recuperação da economia russa - cessada pela atual crise mundial -, parceiros seus dos tempos da Guerra Fria.

Uma cada vez mais complexa ilha, onde o impacto da globalização se faz presente expõe as limitações que qualquer regime tecnocrático de partido único possui; a doença de Fídel Castro, líder máximo do país, que acaba tirando-o do poder é emblemática nesse sentido; a passagem do poder para seu irmão mais novo - e também revolucionário - Raul, demonstra a incapacidade do sistema em se renovar e suscita que alguma reforma mais profunda se opera nos escritórios onde o poder se encontra guardado - as próprias reformas de Raul são um exemplo disso. A própria questão da dissidência cubana começa a aparecer com mais força. É nesse cenário que aparece a figura da filóloga e blogueira Yoaní Sánchez, uma personagem complexa que ganha projeção mundial, com um blog traduzido para 18 idiomas (!), fazendo, por coincidência, oposição ao regime.

Para entender bem esse fenômeno, é bom compreender que a lógica do nós contra eles, em relação a qual o próprio Castro bebeu na fonte por décadas para governar, não existe. Não há uma guerra entre revolucionários e a "máfia cubana de Miami" nem entre tiranetes bolsheviks e amantes da liberdade e da democracia. Dentre os grupos que se opõem ao Regime, vamos encontrar desde social-democratas como um Osvaldo Payá até uma liberal bem extremada como Sánchez - subestimada ao extremo pela extrema direita mundial, sempre ciosa de fatos novos de novos argumentos para justificar sua posição paranoicamente anti-cubana -, ademais,  dentre os membros do partido, há quem queira mais abertura e um desenvolvimento do socialismo no sentido da democracia - e não faltam, entre os vários atores políticos cubanos, quem odeie Castro porque gostaria de estar no lugar que ele ocupou por décadas.

Voltando a Yoani, o que ela faz em seu popularíssimo, blog, o Generación Y não deixa de ser um castrismo às avessas. Em recente entrevista a Salim Lamrani, especialista em relações cubano-americanas poe Sorbonne, muitas das contradições de Yoani vem à tona. A entrevista é um verdadeiro massacre porque pega em questões cruciais como o suposto sequestro que ela sofreu e nunca provou ou a suposta censura sistemática que ela sofre do governo cubano - bem com sua posição bem liberalecas sobre o que ela entende pela transição em Cuba, em suma, o receituário porra louca utilizado pelos oligarcas 'comunistas' nos anos 90 e que resultaram na sabida tragédia econômica por aquelas bandas. Lá dá para ver diálogos como:

 

SL - A senhora não pode negar que o jornal espanhol El Paístem uma linha editorial totalmente hostil a Cuba. E alguns acham que o prêmio, de 15.000 euros, foi uma forma de recompensar seus escritos contra o governo.

YS - As pessoas pensam o que querem. Acredito que meu trabalho foi recompensado. Meu blog tem 10 milhões de visitas por mês. É um furacão.

SL - Como a senhora faz para pagar os gastos com a administração de semelhante tráfego?

YS - Um amigo na Alemanha se encarregava disso, pois o site estava hospedado na Alemanha. Há mais de um ano está hospedado na Espanha, e consegui 18 meses gratuitos graças ao prêmio The Bob's.

SL - E a tradução para 18 línguas?

YS - São amigos e admiradores que o fazem voluntária e gratuitamente.

SL - Muitas pessoas acham difícil acreditar nisso, pois nenhum outro site do mundo, nem mesmo os das mais importantes instituições internacionais, como as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional, a OCDE, a União Europeia, dispõe de tantas versões de idioma. Nem o site do Departamento de Estado dos EUA, nem o da CIA contam com semelhante variedade.

YS - Digo-lhe a verdade.
Ou:
SL - Como a senhora chegou até Obama?

YS - Transmiti as perguntas a várias pessoas que vinham me visitar e poderiam ter um contato com ele.

SL - Em sua opinião, Obama respondeu porque a senhora é uma blogueira cubana ou porque se opõe ao governo?

YS - Não creio. Obama respondeu porque fala com os cidadãos.

SL - Ele recebe milhões de solicitações a cada dia. Por que lhe respondeu, se a senhora é uma simples blogueira?

YS - Obama é próximo de minha geração, de meu modo de pensar.
Só são algumas partes, o resto dá tédio de copiar e colar. É o tipo da coisa que você se depara e diz: Ah, tá! Enfim, não colabora em nada para o debate sobre Cuba ou sobre os rumos do Socialismo na ilha - ou, quem sabe, da própria contestação do socialismo enquanto sistema funcional. Nhecas. simplesmente uma argumentação tão sofisticada quanto aquilo que podemos ler na Veja todas as semanas. Note, peloamordedeus, que não é porque Yoani Sánchez ser fraude intelectual que muitos dos problemas cubanos deixem de existir ou que certas denúncias dela não seja realmente válidas, apesar dos pesares. O problema é saber analisar o jogo, delimitando quem são os atores, quais seus interesses e qual a situação real da ilha. Eis o ponto.

P.S.: Nada é tão simples e este humilde blogueiro segue acreditando que o socialismo é o melhor caminho para lá - ou mesmo para essas bandas -, esperando abertamente por argumentos que provem o contrário (ou não), ainda que saiba que sem republicanismo e democracia, a tendência é mesmo que medidas socializantes se desmanchem no ar.

sábado, 24 de abril de 2010

O Futebol Nacional às Vésperas da Copa

A Copa do Mundo da África do Sul se aproxima com o time treinado por Dunga como mais um dos favoritos, junto com a Inglaterra e a Espanha. A Holanda e a Argentina também estão por ali - e não nos enganemos com o time e Maradona, não é pelo motivo dele ter chegado à Copa aos trancos e barrancos que ele não possa chegar lá; basta ver o exemplo do Brasil de Felipão. No duro, no duro mesmo a África do Sul é mais casa neutra do que o Japão e a Coreia - ou mesmo os EUA - foram. Nem o torcedor local mais fanático consegue imaginar sua seleção vencendo a Copa do Mundo, basta ver todos os problemas que ela teve no intervalo entre as copas e a dificuldade histórica do futebol sul-africano se afirmar. Por outro lado, as principais competições clubísiticas vão se aproximando do fim. Vamos a uma breve análise:

Libertadores

Todos os brasileiros seguiram para a fase posterior e fomos o país a emplacar mais times nas oitavas - apesar dos pesares, claro: Pouca gente jogou bem. Corinthians X Flamengo nas oitavas é um duelo que nunca vai deixar de abalar as estruturas, mas as equipes, na atual temporada, mostraram um futebolzinho pouco consistente e regular: Enquanto o primeiro ficou de fora da segunda fase do Paulistão, o segundo, mesmo tendo o melhor elenco do futebol carioca, foi superado nas duas finais dos dois turnos pelo Botafogo, provando ter dificuldades em superar qualquer adversário que, embora inferior tecnicamente, saiba jogar com seriedade. Eu ainda apostaria no Corinthians, ainda que ache que dificilmente o time paulista leve o torneio. Acho que o São Paulo passa bem - mas não tão folgado pelo Universitário - e o Cruzeiro passará sofrendo pelo Nacional - num suposto confronto entre os dois, o time de Minas levaria uma boa vantagem pela moleza do time paulista, na atual temporada, em jogos pesados. O Inter também passa pelo Banfield e mesmo jogando um futebol mais discreto do que na temporada passada, o time me parece mais competitivo este ano - mas tudo depende muito do que pode acontecer na decisão do Gaúcho contra o Grêmio, uma derrota ali pode produzir um impacto psicológico negativo para a Libertadores.

Copa do Brasil

O grande jogo das quartas de final, sem dúvida, será Santos e Atlético-MG. Enquanto o primeiro é a melhor equipe do Brasil atualmente, o segundo é fruto de mais um trabalho competente de Luxemburgo - depois de um ano e meio fazendo besteira por onde passou (Palmeiras e Santos ), ele finalmente resolveu botar os pés no chão e trabalhar. Evidentemente, o time paulista é favorito, mas vai ter de jogar com seriedade para levar. O vencedor desse jogo pega aquele que levar outro confronto enroscado: Grêmio e Fluminense. Ainda que o Flu tenha um time melhor, as incertezas pela crise decorrente da má campanha no carioca - que deram na demissão de Cuca - podem atrapalhar o time contra o Grêmio de Silas - que acabou tendo seu trabalho atrapalhado por uma série de lesões no elenco. Eu aposto no primeiro, por ser mais copeiro. Do outro lado da chave temos Vasco x Vitória e Palmeiras x Atlético-GO. No caso do primeiro confronto, o Vasco que retornará este ano para a Série A não anima, muito pelo contrário, fez uma campanha muito ruim no Carioca e vem se arrastando por aqui enquanto o Vitória, que está na final do Baiano, chega às quartas da Copa do Brasil depois de sapecar boas pancadas no Náutico e no Goiás e é favorito, ao meu ver. Do outro lado, o Palmeiras, que a despeito do bom elenco, fez uma péssima campanha no Paulistão - onde, curiosamente, só jogou bem nos clássicos - e pega o Atlético-GO, que já foi uma surpresa subindo ano passado para a Série A e agora vem jogando bem na Copa do Brasil; o verde é favorito, mas não será fácil, pior do que isso, mesmo sendo o melhor elenco, no papel, desse lado da tabela, ele vai precisa melhorar muito para chegar à decisão.

Estaduais

Em São Paulo, o Santos é favorito contra o Santo André, mas se não entender que o seu adversário não está aí à toa, vai acabar tendo uma surpresa muito negativa - é sério, não dá para entender como um time como Santo André, que foi tão mal no Brasileirão passado, passou a jogar um futebol tão redondo no estadual, quem o viu jogando, sabe que não foi um acidente ele ter chegado aí. No Rio, o Botafogo, merecida e surpreendentemente venceu os dois turnos e levou antecipadamente. Em Minas, Vandeco Luxemba emplacou o Atlético-MG na decisão contra o Ipatinga e deve levar, com algum sufoco, mais essa. No Rio Grande do Sul, teremos a melhor final com Grenal, eu aposto no Inter, mas não é nada fácil. No Paraná, o Coritiba foi mais um que caiu e depois resolveu jogar bola, ganhando o título de forma surpreendente. Em Santa Catarina, Avaí e Joinville fazem a final, eu fico com o primeiro. Na Bahia, teremos Ba-Vi, mas o Vitória me parece mais equipe agora. Em Pernambuco, depois de uma longa primeira fase de dois turnos, o Sport liderou confortavelmente, mas não conseguiu vencer o Náutico em nenhuma ocasião (0x0; 0x2) e isso acaba sendo o ingrediente para animar essas finais - onde ele pega o Central, quarto colocado, e Náutico e Santa Cruz se enfrentam do outro lado.

sexta-feira, 23 de abril de 2010

O Andamento da Campanha

Entre factóides, pesquisas estranhas, um número enorme de eleitores ainda indecisos - ou mesmo que ainda não se deram conta que Lula não pode ser candidato em Outubro -, as coisas vão se delineando nos bastidores.

A aliança entre PT e PMDB, que é dita e sobredita, com Lula já admitindo como razoável o cargo de vice para Temer, é uma dos pontos mais relevantes para o que pode acontecer no final do ano - e, se a empreitada der certo, um evento com efeito considerável para os próximos quatro anos. O PMDB pode assumir a mesma postur cínica dos últimos anos e se beneficiar de quem ganhar a eleição ou pode se arriscar e ganhar algo mais. O PT ganha eleitoralmente com essa aliança, quer seja pelo tempo de televisão ou pela alianças nos estados (tirando palanques de Serra, por exemplo), mas dependendo como faça essa amarração, pode se complicar nos próximos quatro anos.

O PSDB, por sua vez, se apóia na incerta liderança de Serra, que permanece em primeiro nas divergentes pesquisas estimuladas ao mesmo tempo em que perde para Dilma e também para Lula (?!) em todas as pesquisas espontâneas - entender porque as espontâneas se parecem entre si e as estimuladas divergem certamente é uma coisa que aguça a minha imaginação... também pesa o atual cenário onde muitos eleitores ainda estão indeciso, embora tendam a votar na continuidade pela forma como aprovam o Governo Lula. Pesa contra o PSDB também a crise no DEM e no PPS, o que pode dificultar a situação de um Serra eleito no Congresso.

As coisas vão caminhar com pequenas alterações pelo próximo mês - ou mesmo qualquer mudança mais brusca poderá ser revertida durante a época da campanha na televisão, o que realmente importa, por mais triste que isso seja. Em Junho, claro, as coisas param por conta da Copa, mas o resultado do Brasil ali não terá reflexos eleitorais - a não ser, claro, pôr a questão eleitoral na própria criogenia. Julho as coisas pegam e esquentarão mês a mês. Na briga da TV, veremos qual marketeiro se sairá melhor. Nos palanques estaduais, a aliança do PT com o PMDB no Sul pode ser fatal para Serra, desde que os palanques em São Paulo e em Minas sejam razoáveis - aliás, o primeiro discurso de Mercadante foi bom, o que forçará o enfraquecido Alckmin a trabalhar para ele mesmo e para Serra com mais afinco.

Do ponto de vista do que conta mesmo, o fato é que o exército de reserva de mão de obra está baixo e, nos últimos anos, apesar da renda do capital não ter sido direta e imediatamente ameaçada, a renda do trabalho aumentou - o que se manifesta pelo aumento do poder de reivindicação dos sindicatos, por exemplo. Isso gerará um movimento muito forte nos últimos anos e é por isso que muitos setores empresariais mantêm-se firmes na candidatura Serra, que exige um esforço pesado. 

Por outro lado, existem determinados setores capitalistas que estão com o PT porque vislumbram que esse eventual fortalecimento da classe trabalhadora passará por dentro do partido da estrela e assim ele será neutralizado - ou mesmo que, pelos próximos quatro anos, o projeto petista além de não ameaçar ninguém, ainda vai ajudar bastante. Do ponto de vista dos sindicatos e dos movimentos sociais, ficam algumas conquistas alcançadas no Governo atual - e um ressentimento por certos recuos diminuído tanto pela ideia do medo do PSDB quanto pela falta de opções.

O que o PT quer não está claro, mas muito provavelmente é continuar tocando uma política de articulação capital-trabalho bastante engenhosa - tanto que continuou funcionando bem em plena crise mundial, ainda que traga em seu interior certas incongruências que, cedo ou tarde, virão à tona. O PSDB, com seus eternos candidatos mais chegados a um projeto pessoal, encampam quem está insatisfeito com esse projeto ou quem o enxerga com desconfiança. Em suma, por vias oblíquas, não estamos falando de um confronto muito diferente daquele se via entre PTB e UDN nos fins dos anos 50 - claro, ressalvadas todas as diferenças.

Se Serra ganhar e mantiver a política de confrotação que se vê em São Paulo - ainda mais para os fins que ele está sendo projetado como candidato -, ele terá problemas, se por bom senso recuar, terá de mostrar a habilidade negocial que sempre lhe faltou; Dilma teria mais tranquilidade num primeiro momento, mas teria de lidar com a necessidade de renovar de maneira viável o projeto petista nos próximos anos. PSOL e PV terão uma função importante na próxima eleição, com o primeiro pautando a crítica ao Capitalismo - o que infelizmente vai ser prejudicado por suas deficiências internas e a dissidência que se vê no momento - e o segundo trazendo à baila a questão ecológica - que não é perfumaria nem se desvincula da questão econômica, muito pelo contrário.  

O Brasil tende a se transformar bastante nos próximos anos, quem não tiver em mente isso ou mesmo a capacidade de catalisar criativa e sustentavelmente o processo, terá problemas. Seja como for, a aparente calmaria dos anos Real tende a ser rompida. Seja lá qual for o Governo eleito, o próximo quadriênio será marcado por uma especial necessidade da nossa democracia se aprofunda e se sofisticar, pois as demandas tenderão a ser aproximar em complexidade.

terça-feira, 20 de abril de 2010

Breve Análise da Cobertura da Corrida Eleitoral

A corrida eleitoral continua assim mesmo,  muito corrida e pouco pensada, pouco refletida e menos debatida ainda. Dos meios de comunicação tradicionais, o único que anda fazendo um trabalho decente é a CartaCapital - e goste-se ou não de Mino Carta (eu, por exemplo, discordo de muita coisa dele), mas o fato é que ele produz hoje o melhor semanário do país e, novamente, faz a melhor cobertura das eleições, dando espaço para todos os candidatos (Plínio e Marina tiveram um bom espaço na edição que está nas bancas). A Carta segue uma postura transparente que deverá resultar em declaração de voto em Dilma tão logo, provando que um meio de comunicação ser honesto quanto aos seus ideais, não influi negativamente na sua capacidade crítica, muito pelo contrário. De resto, temos o tradicional apoio velado dos maiores órgãos de mídia para o candidato mais conservador; a singela capa da Veja com Serra sorrindo é uma prova disso, mas temos de ressalvar que desta vez há coisas piores do que a revista que abriga RA e Mainardi: Um comercial da Globo, que supostamente deveria servir à comemoração os 45 anos da emissora, usando-se da enorme coincidência para colocar um número 45 enorme num fundo azul, usando, ainda por cima, o slogan de Serra foi um fato simplesmente jocoso - e nos lembra que não importa o que aconteça ou quanto tempo passe, mas a Vênus Platinada continua a mesma. 

domingo, 18 de abril de 2010

Spinoza, Deleuze e a Função da Tristeza na Dominação

Quando eu passo da idéia de Pedro à idéia de Paulo, eu digo que minha potência de agir é aumentada; quando eu passo da idéia de Paulo à idéia de Pedro, eu digo que minha potência de agir é diminuída. Isso equivale a dizer que quando eu vejo Pedro, sou afetado de tristeza; quando eu vejo Paulo, sou afetado de alegria. E sobre essa linha melódica de variação contínua constituída pelo afeto, Spinoza irá determinar dois pólos, alegria-tristeza, que serão para ele as paixões fundamentais: a tristeza será toda paixão, não importa qual, que envolva uma diminuição de minha potência de agir, e a alegria será toda paixão envolvendo um aumento de minha potência de agir.Isso permitirá que Spinoza, por exemplo, realize uma abertura em direção a um problema moral e político muito fundamental, que será sua própria maneira de estabelecer o problema político: como acontece que as pessoas que têm o poder, não importa em que domínio, tenham necessidade de afetar-nos de uma maneira triste? As paixões tristes como necessárias: inspirar paixões tristes é necessário ao exercício do poder. E Spinoza diz, no “Tratado teológico-político”, que esse é o laço profundo entre o déspota e o sacerdote: eles têm necessidade da tristeza de seus súditos. Aqui, vocês compreenderão com facilidade que ele não toma "tristeza" num sentido vago, ele toma "tristeza" no sentido rigoroso que ele soube lhe dar: a tristeza é o afeto considerado como envolvendo a diminuição da potência de agir.
(Trecho de uma aula de Deleuze sobre as ideias, os afetos e afeccções em Spinoza)

Recentemente, em uma conversa por e-mail sobre Spinoza, a minha amiga Flávia Cera - dona da excepcional Mundo-Abrigo -, me deu uma excelente dica sobre o pensador luso-holandês: O Webdeleuze, site onde está publicado uma quantidade interessante de cursos que ninguém mais, ninguém menos do que Gilles Deleuze deu sobre pensadores como Kant, Leibniz e, claro, o próprio Spinoza, além de manuscritos, imagens e aúdios. Ontem, estava lendo um desses cursos, datado de Janeiro de 78 - onde o pensador francês trata das ideias, dos afetos e das afecções em Spinoza - e topei com esse trecho, absolutamente genial que me provocou um estalo.

Resumindo um pouco do que se trata o texto, encontramos que, embora Spinoza adote, a princípio, a definição clássica de ideia como um símbolo representantivo de alguma coisa, ele afirma que as ideias, em si, são uma coisa própria e se diferem dos seus ideados - a coisa representada -; mais do que isso, nossa relação com o mundo não se resume às ideias que temos sobre ele, mas também aos afetos - no sentido de sentimento mesmo - que temos sobre as coisas que conhecemos - quando você, meu caro leitor, entra neste blog, você não apenas tem certa ideia do que ele significa, mas também sente alguma coisa, portanto, sua compreensão sobre ele não se limita a como você o representa mentalmente, mas também como você o sente. Além disso, há outra espécie, que são as afecções, grosso modo, o resultado da interferência de uma corpo sobre o outro, mas não vou entrar nessa parte em específico.

O que me chamou a atenção mesmo foi esse parágrafo em especial que eu transcrevi. Uma sacada de Deleuze sobre uma das muitas ideias que Spinoza levantou no Tratado Teológico-Político (mas também tem algo da Ética aí): A dominação política tendo por fundamento a tristeza. O trecho fala por si próprio. Spinoza, que era um intelectual profundamente atuante em seu tempo, lutou tanto contra as superstições que fundamentavam a dominação religiosa quanto contra o despostismo esclarecido da Casa de Orange - que era esclarecido, mas não deixava de ser despotismo -, portanto, ele sabia muito bem sobre o que falava.

Exemplos históricos não nos faltam. Desde a forma de dominação realizada pelo bolshevismo na União Soviética, responsável por arruinar a Revolução com o maior potencial emancipatório da história humana - bem como os seus regimes derivados pelo mundo -, até a esquizofrenia do nosso mundinho globalizado e pós-modernoso se sustentam na necessidade de ter pessoas frustradas, apáticas e, portanto, incapazes de exercer seu potencial criativo, estando, assim, submetidas à sujeição.

No nosso tempo, as pessoas estão submetidas a um sistema que lhe rouba o significado na vida e as condiciona a guiarem suas ações para um enriquecimento meramente material, elemento que lhes permitirá adquirir coisas de todos os tipos de coisas, vendidas sob as promessas de servirem como o bálsamo definitivo para essa lacuna nas suas existências, mas esse vazio nunca fecha; quanto mais consumimos, mais nos sentimos frustrados por não termos mais. Estamos tristes o tempo inteiro. Quanto mais a sociedade de consumo avança, mais estamos consumidos enquanto os donos do poder, aqueles que ganham o que gastam, estão incólumes. 

Para fechar o quadro, os setores que se prestam a promover o discurso e a ação contra-hegemônica, nos mais variados espaços, não raro, trazem em seu interior uma lógica de dominação; quantos partidos de esquerda não se organizam numa estrutura profundamente hierarquizada, que barra a ação criativa e criadora de seus membros de modo decisivo, repetindo internamente a mesma lógica de dominação que dizem combater? O bolshevismo russo é um belo exemplo disso, seja enquanto organização contra-hegemônica ou, depois, enquanto corporação total - e totalizante - da União Soviética - bebendo na frustração aguda de uma sociedade que não podia se expressar, onde o exercício da política, assim como de todas as outras artes, era monopólio exclusivamente seu.

Em suma, tudo isso faz um enorme sentido. A verdadeira ação política libertadora deve ser norteada pela alegria, pela superação do binarismo e representar, assim, uma subversão da prática da dominação, não a sua substituição - onde entraria em cena um leviatã escarlate, demiurgo social, cujo lider, revolucionário e herói, estará destinado a ser ser déspota e sumo-sacerdote do credo oficial.

sexta-feira, 16 de abril de 2010

As Pesquisas, de Novo

O debate eleitoral prossegue sendo pautado pelas pesquisas e pelo tapetão. O grande ponto que eu vejo é: Existe uma elefantíase da importância das pesquisas, já não é de hoje, no debate eleitoral no Brasil. O ponto peculiar, diz respeito às peculiaridades da campanha deste ano; a disputa acirrada entre o Lulismo e o anti-Lulismo personificado por Serra antecipou em um ano o debate e produziu intrigas particularmenente mais quentes do que a média. Isso faz com que a figura as pesquisas, essa figura tão onipresente, ganhassem uma nova figura.

O raciocínio é simples: Lula é enormemente bem avaliado - seja pelos seus êxitos ou pela incapacidade da oposição em pautar propostas que lhe superem - e isso significa transferência sim de voto para seu candidato. O ponto é que no Brasil, como em qualquer outro lugar, há um ano das eleições, o candidato da oposição tende a aparecer bem colocado nas pesquisas  porque é seu eleitorado que está mais mobilizado, quando as eleições se aproximam, aí as coisas costumam se desenhar, muito em virtude de como os eleitores veem o governo em exercício. 

Como normalmente, o eleitor brasileiro é bastante complacente com a situação nos planos estadual e nacional, então as coisas sempre são complicadas para o candidato oposicionista. Basta ver que a única mudança de rumo numa eleição presidencial que nós já aconteceu por aqui foi em 2002, quando o projeto tucano já estava à deriva há pelo menos dois anos. Serra foi o candidato ali e a diferença entre aquela situação e essa pode ser resumida numa definição apócrifa que eu pesquei lá no blog do João Villaverde: "Em 2002, [Serra] era continuidade tentando mostrar que não era. Agora, não é continuidade tentando mostrar que é".
  
Para demonstrar um exemplo às avessas, lembremos da derrota de Marta Suplicy (PT) em São Paulo para o situacionista Kassab. Uma conjuntura muito parecida, onde ela disparou, mas não conseguiu converter sua liderança inicial em uma liderança real - em suma, não consegiu, discursivamente, provar para os eleitores porque eles deviam mudar o voto e perdeu.

Voltando ao caso em questão, temos duas polêmicas centrais: A do caso da pesquisa do Datafolha que apresentava um crescimento de Serra do nada, o que foi recebido com frieza pelos próprios jornalistas da Folha, para ser logo desmentido pela pesquisa Vox Populi e, finalmente, ser soterrada como um mero ponto fora da curva pela mais recente pesquisa CNT/Sensus - contra a qual, os tucanos entraram na justiça. 

No primeiro caso, eu levantei suspeitas sobre a efetividade da primeira pesquisa porque ela não se encaixava com sua própria pesquisa espontânea, com a de avaliação do Governo Lula e com a opinião dos colunistas da Folha. No caso atual, a tendência que vem desde Dezembro do ano passado apenas se consolidou mais, só que o fato dela ter demonstrado empate entre os dois principais candidatos gerou um impacto moral sobre o PSDB. Resultado: Nova ação tucana na Justiça. 

Isso nos traz ao outro problema, a problemática sobre a justiça eleitoral, algo frucral numa Democracia. Temos um Código Eleitoral antigo, uma legislação confusa e uma estruturação mais confusa ainda na Justiça Eleitoral - tanto é que as regras mudam a todo momento. O caso assustador que aconteceu com Jackson Lago no Maranhão não sai da minha cabeça, por exemplo.

Em suma, o que deveria ser um debate eleitoral, se tranforma num show de horrores onde as pesquisas e o tapetão substituem mesmo o debate raso da democracia representativa clássica. Nesse sentido, o PSDB se supera e colabora para esvaziar mais ainda - e até sabotar - o andamento das coisas, perto disso, o exaurimento do debate interno no PT - e consequentemente do externo - parece fichinha.

Atualização de 18/04: Saiu o resultado da pesquisa Datafolha indicando Serra com 10 p.p. a frente de Dilma. As pesquisas posteriores, do Vox Populi e da CNT/Sensus, mostraram uma movimentação de crescimento da candidata petista no que resultou no empate dela com Serra, transformando em ponto fora da curva a tendência de crescimento sustentada pela penúltima pesquisa Datafolha - e vimos nas páginas da Folha uma desqualificação prévia e posterior de ambas as pesquisas, o que é muito estranho e inédito na história de pesquisas eleitorais no país. Agora, essa nova pesquisa Datafolha indica a tendência de sua última. Se o resultado da anterior já era muito estranho, essa é mais ainda, afinal, dúvidas interessantes sobre sua metodologia já estão sendo levantandas. A chance de um erro ou manipulação na última Datafolha é real, agora, ao repetir a tendência com uma metodologia questionável, sabemos que ou alguém está errando feio ou usando o potencial inerente às pesquisas eleitorais: Provocar comportamentos de manada e esvaziar o debate político.

quarta-feira, 14 de abril de 2010

Honduras Ainda

A diplomacia brasileira, seja comercial ou propriamente política, tem obtido êxitos interessantíssimos no atual governo, apesar de alguns poucos erros. Um dos maiores, foi a nossa reação postura firme em favor da Democracia na América Latina, o que impediu a escalada golpista na Bolívia e resultou numa pressão muito forte contra o golpe hondurenho - um espetáculo tétrico, onde os EUA, a despeito da condenação momentânea ao acontecido, viram suas pegadas na ocasião serem, aos poucos, descobertas. Honduras é um país pequeno, mas é um ponto estratégico na América Central. O Governo Obama, por sua vez, dá sinais confusos desde o seu início e não se sabe exatamente se a Casa Branca anda se comunicando tão bem com a Secretaria de Estado, ainda que a militarização do nosso continente (ver Colômbia) é um bom indicativo do que se pretende - ainda que os gastos militares sejam, objetivamente, a maior ameaça à estabilidade econômica americana num futuro próximo. Entretanto, ainda nos vemos diante da problemática hondurenha: Zelaya foi deposto de forma bizarra, eleições foram puxadas sob estado de sítio e um candidato conveniente foi eleito, enquanto as infrações aos direitos humanos prosseguem acontecendo. Por outro lado, a construção de uma base aeronaval no país, pelos EUA, não parece também um sinal muito animador depois de tudo que aconteceu. É necessário abrir os olhos por aqui e os interesses que nos circundam.

domingo, 11 de abril de 2010

Cartas na Mesa

 (imagem retirada daqui)

Agora, em meados de Abril, as cartas foram postas na mesa para as eleições 2010. Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), que já tinha se descompatibilizado dos seus respectivos cargos no começo do mês, concorrerão com Marina Silva (PV) e com Plínio de Arruda Sampaio, candidato do PSOL - escolhido ontem, na terceira conferência nacional do seu partido. Muito provavelmente, o PSTU lançará candidato também nesse ano, diferentemente de 2006 quando apoiou a candidatura Heloísa Helena. Comenta-se sobre a possibilidade do PT do B lançar candidatura própria, mas a julgar pelas propostas de seu pré-candidato, não quero acreditar nessa hipótese. Fora isso, algum partido de menor expressão pode acabar lançando algum candidato - como PCB ou PCO, por exemplo.

A julgar pelas pesquisas e pelo aparato à sua disposição, as candidaturas do PT e do PSDB são disparadamente as favoritas; primeiro porque o sistema brasileiro colabora ao favorecer os partidos maiores, seja por conta da divisão do horário de televisão ou pelo financiamento de campanha ser misto, o que impede uma regulamentação que garanta a equidade entre os candidatos. Além dos aspectos formais, também pesa a favor das duas legendas o fato de que os dois outros maiores partidos do país, PMDB e DEM, deverão estar nas suas chapas - nesse ponto, ainda que não tenha havido uma formalização disso, Michel Temer, presidente nacional do PMDB, deverá ser o vice da chapa de Dilma, enquanto o DEM, apesar da crise acachapante pela qual passa, deverá escolher o vice de Serra. O PV vai de chapa puro-sangue e o mesmo pode se dizer do PSOL, as duas outras candidaturas com consistência mínima.

Os processos que decidiram as escolhas dos candidatos, no entanto, não foram nada animadores: Dilma foi delegada por Lula para ser a candidata petista e, ainda que tenha sim reconhecida competência - tendo se destacado ao atuar em duas casas de marimbondo, as Minas e Energia e a Casa Civil -, não houve debate interno no PT para conduzir-lhe à candidatura. No caso tucano, sem dúvida, falamos de algo pior: José Serra e seu grupo foram capazes de sabotar a candidatura de seu próprio correligionário, Geraldo Alckmin, nas eleições municipais, para que ele não tivesse força para pleitear a candidatura este ano; não satisfeito, Serra também disputou uma luta fraticída contra o governador mineiro, Aécio Neves, para impedir de qualquer modo o debate interno e prévias no PSDB. 

No PV, Marina Silva saiu do PT ano passado já convidada para ser candidata à Presidência da República pela nova agremiação (e também para conduzir um processo de refundação dela). No PSOL, Heloísa Helena era tratada como "candidata natural" do partido pela votação que obteve em 2006, até declarar que não se sentia confortável em concorrer com Marina e assim movimentar a sua corrente no partido, o MES (corrente principal do partido), para conduzir o partido do solzinho a apoiar a candidata verde - deu errado, quando o partido voltou atrás, o racha, que já estava claro ano passado, se aprofundou com HH apoiando um pré-candidato, Martiano Cavalcante contra Plínio de Arruda Sampaio e Babá (que ontem retirou sua candidatura em favor de Plínio), numa campanha dura, marcada até pelo sequestro do site nacional do partido pelo MES - que deu ontem na escolha de Plínio por unanimidade, depois que os delegados pró-Martiniano boicotaram a III Conferência do Partido.

Em suma, não é preciso escrever mais do que um parágrafo para provar que o modelo partidário passa por uma gravíssima crise no Brasil - como no mundo, mas a degeneração vista aqui nos últimos dois anos é gravissíma por certas peculiaridades nossas. Nem estou entrando (ainda) no mérito das candidaturas - todas figuras de relevo em suas respectivas áreas nessas terras -, mas como, formalmente, os processos de escolha se deram de uma maneira horrível, há de se ligar uma luz amarela (ou vermelha, sabe-se lá) sobre o futuro; mesmo nos EUA, onde o sistema, por si só, produz um bipartidarismo artificial - que depura as demandas sociais de um nação continental resultando num binarismo -, temos o processo de prévias que, pelo menos, acaba servindo como um elemento que impede a necrose total - e o mesmo pode se dizer da França. Evidentemente, lá, como aqui, os partidos são quem representam, quem mediam, essas demandas servindo como esse adequador delas, antes mesmo - e arrisco em dizer, mais ainda - do que o próprio Estado, agindo assim enquanto fins em si mesmos - supondo que podemos distinguir um do outro, haja vista que, pelo menos aqui, Partido Político é conceito constitucional.

Isso suscita dúvidas; pelo menos nosso sistema tem como um dos sustentáculos elementares a Democracia, o governo da maioria, em respeito as minorias, portanto, é curioso como não se cobre uma reforma política que faça valer tal princípio, por simetria, para todos os estatutos partidários - o que não significa perda de autonomia, mas sim adequação de um ente constitucional à lógica da própria Constituição. Para além do aspecto constitucional, temos a questão política em si: Qual a coerência de partidos que pleiteiam cargos numa Democracia e não a observam internamente? E não me venham dizer, pura e simplesmente, que "Democracia é confronto": Ela é confronto dentro de regras pré-estabelecidas e fundadas em uma intuição comum de universalidade, mediante a qual os integrantes da disputa, antes de reconhecerem como adversários, se reconhecem como integrantes de um todo, onde compartilham da mesma vida pública, o que os torna, por suposto, partes legítimas - em suma, a Democracia não é neutra, como a própria vida não é, mas ela é neutralizante.

Nos processos internos de disputa, não se viu essa concepção posta em prática, o que não é nada animador. As falhas do sistema brasileiro, já presentes na Consituição de 88 e depois agravadas pelas seguidas emendas, podem continuar a se aprofundar. Por outro lado, isso ilustra uma crise na esquerda, que não consegue se afirmar como superação ao estabelecido justamente porque continua subestimando a importância de se preocupar com as estruturas formais da política - quanto forma e matéria, na verdade, se relacionam de modo profundo. Os limites do Governo Lula, em que pese todos os fenomenais avanços que ele promoveu, estão na incapacidade de promover uma organização racional aquém e além da Presidência da República - isto é, dentro do Partido e na República, com o intuito de extrair a potencialidade de ambos. A busca pela resolução pela via material - aqui enquanto via "concreta", "factual" - é parte do esquecimento de que mesmo o universal concreto é também um ideal. O PSOL também cai na mesma falha e repete muitos dos erros do PT - e eles se ligam exatamente ao que eu comentava no parágrafo anterior: Os integrantes do partido só se veem como partes legítimas nos casos das concordâncias, enquanto nas discordâncias e nas disputas, o adversário é tratado automaticamente como um ente polticamente ilegítimo, processo do qual resulta a ditadura de um grupo ou fragmentação aguda. 

Dilma será candidata de um partido unido pela força da figura carismática de Lula, Plínio será candidato de um partido fragmentado pela incapacidade de seus pares - não dele, ressalte-se - em saber discordar. Para além deles, espreita a figura de um Serra que se tornou o candidato dos atores mais arcaicos da política nacional, uma espécie de direita pós-colonial que quer uma democracia sem povo e um liberalismo sem qualquer liberdade que não lhe resulte em lucro particular e estrito. As cartas estão na mesa. Pouca coisa irá mudar até as eleições, salvo algum grande desastre pessoal. A missão agora é, ou pelo menos deveria ser, desenvolver meios para superar, ou pelo menos subverter, a (i)lógica partidária: Bons eram os tempos em que partidos, nos meios pensantes, eram vistos no máximo enquanto meios, ainda assim, o fragmentarismo que eles representavam, suspeito, nada mais foram (e são) uma expressão (assim como uma antevisão, em dado período histórico) da própria fragmentariedade que é a característica fundamental do pós-moderno. Seja como for, mesmo que mantenhamos a crença de que é do confronto de partes separadas, unidas enquanto separado - como diria Deleuze sob forte influência de Spinoza -, que chegaremos a resolução dos problemas gerais, é necessário que elas funcionem de forma coerente.

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Solidariedade à Cuba

Soube, hoje, que a UGT, União Geral dos Trabalhadores, central sindical ligada ao PSDB, estaria convocando uma manifestação em favor das chamadas Damas de Branco  amanhã, na frente do consulado cubano em São Paulo - e o motivo disso seria a questão dos presos políticos na ilha, mas segundo o Presidente da referida sindical, também seria contra o embargo que Cuba sofre. Por sua vez, o Movimento Paulista de Solidariedade à Cuba junto com MST e outras organizações pretendem organizar uma outra manifestação, de apoio à Cuba. 

É uma questão bastante complexa, pois goste-se ou não, o Governo Cubano mantém sim presos políticos bem como uma repressão à liberdade de expressão na ilha - e é bom não confundirmos alhos com bugalhos: Essa questão não se mistura ao fato da ilha ser vítima de um embargo comercial criminoso por parte da maior potência econômica do planeta ou, muito menos, se relaciona às conquistas sociais (e a manutenção delas) ali registradas desde a Revolução de 59.

Teoricamente, a manifestação em favor das damas de branco, toca num tabu de grande parte da esquerda brasileira que é a defesa integral de tudo que vem do sistema cubano - e ainda, inteligentemente, ataca a questão do embargo. Claro, pesam a profunda contradição de uma central sindical conservadora, ligada sim ao bloquinho PSDB-DEM-PPS, resolvendo tomar partido de uma questão ligada aos direitos humanos, basta ver a vista grossa em relação a toda a questão humanitária que tais partidos, na prática, façam - basta ver a própria ligação do bloquinho com organizações como a União Democrática Ruralista, defensora do velho direitos humanos para humanos para humanos direitos (ou nem isso). Isso aqui sem falar na proposta do seu presidente,  Ricardo Patah de que Cuba merece uma perestroika: Ninguém merece, seja troika ou perestroika, tudo aquilo foi um grande desastre por ser, no fim das contas, uma forma de construir um país, e depois de reconstruir um país. mediante decisões verticais e altamente centralizadas.

O ato resposta, dito "em defesa de Cuba", por outro lado, se mostra um tanto confuso, pois não é exatamente a defesa da ilha que está em jogo, mas uma opção política de seu governo. As pautas da manifestação serão a defesa da Revolução Cubana, do princípio da auto-determinação dos povos, do fim do bloqueio midiático à Cuba e, por último, direitos humanos praticados em Cuba. A confusão é enorme:

1. Há uma diferença crucial entre ato em defesa de Cuba e ato em defesa do Governo de Cuba; 

2. A questão da defesa do princípio da auto-determinação dos povos não vem ao caso aqui, o país não está tendo sua soberania ameaçada, mas sim está tendo políticas suas criticadas - há um caminho enorme entre ambos bem como não há princípios absolutos. Temos, inclusive de ponderar que sem a devida liberdade expressão e eleições livres, é difícil imaginar como o povo cubano esteja se determinando. Isso, sem falar que é uma muleta retórica cômoda silenciar o debate acerca de um problema interno usando-se desse truísmo;

3. Criticar o bloqueio midiático à Cuba é perfeitamente válido, mas também só uma parte da verdade, pois é necessário que se critique também o bloqueio que o próprio governo cubano impõe ao seu povo;

4. Não é possível defender direitos humanos defendidos em nenhum lugar em específico, direitos humanos não pertencem à nações, eles se estabelecem como um imperativo ético mínimo que implica em uma prática de proteção à vida de todos os seres humanos. Em Cuba, essa defesa é mais complicada ainda, porque a humanidade" parece estar sendo determinada de acordo com o lado que você está do governo.

Tais posições, em uma primeira vista perfeitamente nobres, as são parciais e expressam a profunda confusão da direita e da esquerda brasileira sobre Cuba que se extende há mais de cinquenta anos: Grande parte da direita brasileira, longe de defender uma forma de liberalismo ou de democracia-cristã dignos, sempre se viu como mero alto-falante de setores atrasados que viam na forma como a Revolução Cubana se deu um precedente que ameaçava seus interesses direitos assentados em práticas arcaicas, demonizando a ilha. Por outro lado, a esquerda sempre errou em santificar o modelo cubano, realizando uma análise romântica ao invés de extrarir suas conquistas e ser dura com seus equívocos.

Não sou um homem de direita e mesmo sabendo que existem pessoas nesse campo que acreditam no que defendem - uma grande minoria pelo mundo e uma minoria maior ainda no Brasil -, não tenho condições para falar sobre o que as forças desse campo poderiam ou não fazer - porque acredito que mesmo o liberalismo, o melhor dentre as formas de pensamento daquele espectro, se assenta sobre equívocos irremediáveis (talvez defende os direitos humanos de maneira sistemática e incondicional seria um bom começo). Da esquerda ao qual pertenço - com um ceticismo padrão que me é peculiar - posso falar com alguma propriedade: Deveríamos sim orientar nossa posição em relação à Cuba de forma crítica, não é preciso tapar o sol com a peneira; Cuba é vítima em várias circunstâncias, um país maravilhoso em outras tantas - e que muito tem a nos ensinar -, mas, por outro lado, tem falhas terríveis que, essas sim, ameaçam mais o seu futuro, as suas conquistas e a sua autonomia do que o próprio embargo. A manifestação de amanhã bem que poderia ser usada para criticar sim o Governo Cubano e, ao mesmo tempo, para defender Cuba, atentando para o maniqueísmo com o qual a questão é abordada e o oportunismo equivalente.

domingo, 4 de abril de 2010

O Discurso e o Patriarcalismo na Política Brasileira

 (A Liberdade Guiando o Povo - Delacroix)

O Brasil sofreu mudanças muito profundas nesses últimos anos. A grande narrativa estabelecida pela esquerda para derrubar o regime militar nos anos 70 foi, sem dúvida, a protagonista de tal metamorfose que vai dos fins do século 20º até o momento presente e dá a impressão que daí eclodirá algo novo. Complexa ao extremo, ela possuia uma estrutura muito mais principiológica na medida em que consubstanciava em uma intuição de justiça socialmente comungável, metas gerais e abstratas em comum, do que por uma fórmula pronta e estanque como era até ali. Os discursos, flexibilizados, continuavam a existir em profusão, mas o seu não raro antagonismo deixava de ser motivo para rachas insuperáveis porque existiam vigas estruturantes que de certa forma as atavam, nem que fosse pela intenção comum.

Havia princípios, nortes, mas isso, por óbvio, não dispensaria uma formulação mais regrativa, isto é, determinante e específica. Em suma, a ideia de um projeto, metas mínimas já deixavam de ser suficientes porque se fazia necessário criar planos de execução. Isso vai provocando a erosão desse consenso; o que também é marcado pela natural saída dos grupos anti-ditadura que não estavam preocupados em construir uma saída contra-hegemônica, mas mesmo dentre os que compartilhavam dessa saída, surge um dilema, especialmente nas fileiras do PT no que vai de 89 a 02 - seja pela sobrevalorização da disputa no sistema de representação burguês ou pelo fracasso em construir uma estrutura que comportasse o discenso de forma construtiva. A Carta ao Povo Brasileiro foi esse documento necessário que, no entanto, não se construiu coletivamente, ao contrário foi a prevalência de um discurso interno sobre vários outros - o que não quer dizer que era o pior plano, mas que não foi construído da melhor maneira.

O ponto é que o Governo do PT foi um sucesso dentro de várias áreas. Ainda que, insisto, tenha apenas arranhado algumas potencialidades do próprio projeto de 88, qualquer comparação elementar entre o Governo atual e os outros três que tivemos de lá para cá, concede uma ampla vantagem para Lula. A crise no projeto petista, uma crise nas suas estranhas provocada pela maneira como a elaboração do Plano saiu, o enfraqueceu, mas eis aí que foi hora do Plano B do petismo tomar força: O Lulismo. O uso do simbolismo do Pai como forma de realizar o projeto até o final. Isso está em Lenin, o uso do simbolismo nacional de modo subversivo, o direito sendo produzido para quando atingir o seu fim ser removido e o mesmo para o Estado-nação; aqui, falamos na figura do Pai - Na União Sovietica isso foi um desastre, será que o mesmo vai se operar aqui?

É à sombra dessa figura magnânima que se desenrola a política brasileira de hoje, vamos investiga-la: A figura do patriarca é o elemento central da política nacional; o pai que paira e que pode ser visto tanto como aquele que nos protege e nos guia quanto como aquele que nos reprime - e essa é a máscara que usaram os maiores líderes do país, Pedro I, Pedro II, Vargas e, como simulacro, em Lula. A revolta que deu origem à república foi a de uma elite que já se considerava madura o suficiente para se aceitar tutelar, o ato que transformou Vargas em nosso Monarca Absoluto, um gesto de arrependimento cristão da mesma elite, que agindo como filhos pródigos elegeram nosso guia. A Ditadura Militar foi uma tentativa de negação do patriarca, instalando o projeto que os oligarcas rurais barraram, a República da Espada - e a História se repetiu como farsa. O patriarcalismo lulista, no entanto, é uma farsa calculada destinada a realizar o projeto democrático e popular, uma artimanha que, como toda farsa calculada, pode se tornar verdade.

Vamos voltar um pouco mais, o país pós-ditadura era, sobretudo, um país esvaziado em termos narrativos. A grande narrativa nacional acabou porque seu último sustentáculo, a aura de pureza em torno dos militares, se esvaziou. Esse foi o tempo em que se massificaram as narrativas modernização, em grande parte estrageiras, que deu origem à Grande Narrativa a qual eu me referia no começo. A luta no Brasil dos anos 80, 90, para além da luta interna no campo da esquerda, foi uma luta disso contra a anti-narrativa da direita que depois da sua derrota acachapante, travou a agenda do país para negociar o processo de transformação baseado no velho mandamento do "mudar tudo sem mudar nada". Isso se consubstancia no Plano ironicamente chamado de Real, sem dúvida a maior ilusão em massa já vista por essas terras, o escolhido para ser seu guia foi FHC, figura ímpar na história nacional, intelectual de relevo - mas longe de ser o que ele se julga - que na tentativa de materializar seu desejo de poder, assumiu uma máscara política que nada mais é do que ridícula caricatura maquiavélica.

O FHC de hoje é uma figura que dá pena. Derrotado, o seu pesadelo onde ele é esquecido cada vez mais se aproxima, seja pela força do Lulismo diretamente ou, indiretamente, pelos efeitos eleitorais que isso produz e leva seus próprios correligionários a escondê-lo. O que FHC faz? Algo mais do que seus companheiros de partido, haja vista que se presta a debater publicamente, ainda que o resultado disso, a via de regra, seja pífio - como a entrevista dele ao Estadão , uma peça de afirmação do Lulismo pela negação, onde Lula é o bicho-papão cuja sombra pesa sobre os seus quase-mea-culpa de sorriso amarelo, as ilações do que poderiam ser um Governo Dilma beiram as teorias conspiratórias udenistas e, no fim das contas, o que está posto é uma crítica às virtudes do atual governo (por um misto de inveja com discordância idelógica) e não aos seus defeitos; FHC diz:

"Hoje, em lugar de procurarmos combinar representação clássica com participação, corremos o risco de substituir tudo isso pela figura do tutor. É um perigo. Daniel Bell (professor de filosofia na Universidade Tsinghua, de Pequim) escreveu um artigo dizendo que os chineses têm uma ideia diferente dos ocidentais: com a generalização do voto e o desejo da massa de contar com uma figura simbólica, eles têm medo de não eleger os mais capazes e sim os de maior poder de comunicação."

Em cada gesto, em cada análise, existe o ranço contra o Lulismo, a democracia como um massa amórfica, pronta a assumir a forma necessária para cumprir um fim, a destruição da figura do Patriarca, o monstro que ele achou ter destruído por duas vezes, mas voltou mais forte ainda das profundezas do inferno; se por um lado ele acausa Lula e Dilma de planejarem transformar um Brasil numa China com o seu economicismo, por outro lado, a ideia da meritocracia chinesa, algo que de certa forma remete ao feitiche-mór dos nossos bacharéis, aparece de forma simpática: O que melhor se comunica pode não ser o melhor político, a arte política perde sua autonomia e se torna apenas um espaço vazio a ser ocupado por intelectuais dos mais variados setores que, por certo, irão colocar ordem. O discurso do PSDB hoje, não existe, é um anti-discurso, não raro terceirizado, trata-se de um anti-lulismo, um anti-povismo, nem mais como engôdo ele serve - como se comprova na fala de FHC onde ele, ao tentar deslegitimar o movimento reivindicatório dos professores paulistas, acaba contradizendo tudo que disse sobre educação e ainda demonstra um esgotamento da sua narrativa em dirimir contradições.

No fim das contas, o que temos é a velha dicotomia entre o Coronel e o seu filho Bacharel, a eterna relação esquizofrenia que dita os rumos da nossa política. O grande ponto é que o Lulismo, a grande marionete da qual o petismo faz uso para se realizar, assume-se na figura do Coronel para desmontar o jogo. Quando Roberto Jefferson plagia um artigo de Olavo de Carvalho, não temos apenas uma cena que remonta ao ridículo da nossa história política, mas também, nada mais nada menos, do que denúncia - e o pânico da nossa elite - de que Lulismo está, na verdade, corrompendo a oligarquia rural e não o contrário, como sempre aconteceu; Aí, temos um ponto de inflexão sim, numa tática que pode ser sim desvirtuada - e talvez pela própria espectativa de ser desvirtuada é que ela esteja rendendo frutos até agora. Veremos até quando, na política quanto mais você radicaliza no alcance dos fins que você pretende, mais você se aproxima de passar por cima dos valores que possibilitam que você chegue lá, portanto, não é fácil saber o que acontecerá e a causa disso é que o jogo se dá longe da praça pública demais para termos alguma visão mais exata dele.


sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Mentira e o Estado de Exceção


A palavra "mentira" traz, em seu significado, uma carga necessariamente moral, pois ela não implica em unir duas ou mais ideias cuja relação possa ser falsa no plano de uma argumentação (ficção) - ou mesmo não implica na expressão do que não é a natureza de uma coisa (falsidade) -, mas sim na união deliberada de duas ou mais ideias que, em sua unidade, necessariamente se opõe à Verdade. Mentir, portanto, implica numa quebra da garantia ética mínima que nos faz nos comunicarmos - você, meu caro leitor, só lê este blog porque nutre uma confiança prévia de que as informações que são veiculadas aqui sejam, no mínimo, narradas de boa-fé, só em um segundo momento, você avalia todos os outros aspectos do que é escrito aqui. A Mentira é o rompimento dos elementos básicos dos quais depende essa confiança.

O uso da mentira para atingir fins elevados - uma traição do bem como um artimanha para realiza-lo - cai num debate que não é nada simples porque como a história nos ensinam, muitas vezes é necessário adequar os meios para se atingir determinados fins, no entanto, os meios são sim capazes de corromper a consecução de deter. Tanto distorcer informações para despistar um agente de uma polícia secreta no intuito de salvar um companheiro da morte certa, quanto um político dizer que educação pública no país vai bem são mentiras, mas suas consequências são diferentes. 

Evidentemente, nem sempre essa divisão é tão clara. É possível mentir com o intuito de fazer o bem, por exemplo, podemos negar a existência de uma epidemia para não alarmar as pessoas e assim acabar provocando o aumento dela - quando se faz isso, no entanto, está se quebrando o minímo ético comunicacional, mas sem o interesse de subvertê-lo, ainda que a consequência prática concretizada destoe da consequência prática desejada.  De tudo que envolve a mentira, o pior mesmo é torna-la uma prática permanente - o que só é possível no caso em que emissor passa a tentar se autoconvencer da validade do que diz. 

O mandamento goebbeliano de contar uma mentira quantas vezes for necessário para ela se tornar uma verdade é uma concepção que se coaduna perfeitamente com o conceito schmittiano de soberania ("o soberano é aquela que revela na crise e decide sobre a exceção", logo, de Exceção também): A afirmação da doutrina de consecução dos fins a despeito, de forma total, dos meios que precisem ser empregados, o meio para tanto é a eleição de um desvalor total - a banalização do mal a qual se refere Arendt. O antípoda de Schmitt, Hans Kelsen fazia o inverso ao alheiar o Direito de valores - como se fosse possível existir uma forma de linguagem neutra -, ele promoveu um doutrina rigída de procedimentalização jurídica, onde tudo o que é importa é o meio - um valor tão absoluto que deixa de sê-lo por sua totalidade -, seja lá quais forem os fins que produza. Os dois pensamentos, naturalmente, são totalitários - em que pese a polêmica travada pelos dois.

Na São Paulo contemporânea, o descalabro do nosso tempo se soma ao fantasma dos tempos de Schmitt e Kelsen, ao passo em que medidas de totalidade regulatória se somam a medidas de totalidade exceção, conforme a conveniência do momento; considerar o Capitalismo como a causa desse fenômeno não se trata de um erro, mas não chega a ser suficientemente certo. O que se esconde por detrás disso, são as especificidades do processo de desindustrialização paulista - uma das consequências mais prováveis que decorreram da forma pela qual São Paulo foi industrializada no período militar. Antes que alguém intervenha, eu não estou tomando o acidente pela causa, a causa dessa problemática não é o Capitalismo pura e simplesmente, pois se fosse, necessariamente isso tudo iria acontecer - e assim tomaríamos todas as particularidades do processo de industrialização paulista como se fossem inerências do sistema.

É esse descalabro formidável do qual decorrem dois fenômenos diversos porém relacionados, o primeiro é a efetivação de uma máquina burocrática ambivalente que vai da tecnoburocracia do Estado propriamente dita e se intersecciona com a sua contraparte privada; o segundo, a desorganização da sociedade como um todo, em especial dos trabalhadores, por conta das estratégias tocadas ao longo do tempo, há uma inegável desmobilização - que pode ser identificada de um modo bastante simples pelo alheamento das pessoas em relação ao próprio espaço público. Episódios como a controvérsia de que o policial - aquele, da célebre foto - era mesmo um infiltrado e o caso de tortura contra um manifestante são símbolos muito fortes dessa tragédia em ato. Não podemos, no entanto, nos entregarmos à situação, o presente só é por conta de uma série de tragédias que foram frustradas, esse é o ponto.