domingo, 23 de maio de 2010

Datafolha: Day After

Como é de costume, me presto a analisar aqui as coisas com um certo distanciamento de tempo. O fato político de ontem foi a divulgação do resultado da pesquisa Datafolha mostrando o empate entre Dilma e Serra, depois da petista, supostamente ter subido 7 pontos e o tucano ter caído 5. Como é sabido, a última pesquisa do mesmo instituto apontava para uma vantagem serrista de 12 pontos percentuais, uma tendência que claramente contraduzia os demais institutos e, pior, foi justamente o Datafolha, às vésperas do lançamento da candidatura de Serra, que começou a apresentar pesquisas que, no duro, eram pontos fora da curva, incongruentes, inclusive, com sua própria pesquisa espontânea, que demonstrava a liderança de Dilma nos mesmo níveis dos demais institutos.

Quando do primeiro ponto fora da curva do Datafolha, o Sensus e o Vox Populi registravam empate técnico entre os candidatos. Em um primeiro poderia-se dizer que alguém errou, depois, com uma nova série de pesquisas demonstrando a mesma contradição, só era possível que alguém estivesse mentindo e, assim, começou uma guerra de acusações, com uma pressão imensa sendo jogada sobre o Sensus e o Vox Populi - institutos desprovidos de um meio de comunicação próprio, ao contrário do Datafolha, para conseguirem se debater publicamente de igual para igual. Ao mesmo tempo em que isso acontecia, o Eduardo Guimarães e o pessoal do Movimento dos Sem Mídia entraram com uma ação no Ministério Público pedindo a investigação das pesquisas eleitorais pela PF. 

Acusações de um lado, acusações de outro, talvez a perspectiva fosse essa mesmo: Institutos demonstrando resultados diferentes até as eleições - o que geraria uma tensão absurdamente grande até lá. Ainda assim, os dados do Datafolha eram inexplicáveis, depois de meses registrando uma leve e constante queda de Serra e uma ascenção vigorosa de Dilma, ele passou a apresentar uma curva diferente sem ter acontecido nenhum fato novo relevante para tanto. As últimas pesquisas do Sensus e Vox Populi, inclusive, demonstraram que Dilma ultrapassou Serra. De repente, de uma penada só, aparece o Datafolha de ontem com uma pesquisa mostrando uma incrível variação de Serra para baixo e Dilma para cima.

Ao passo em que isso acontece, surge uma argumentação recorrente e aparentemente coordenada nas páginas da Folha: Dilma cresceu por conta da propaganda fora do tempo na qual Lula aparece ao lado de sua ex-ministra. Como se Serra não tivesse super-exposto, como se não tivesse feito propaganda da Sabesp pelo país inteiro. Evidentemente, todo o movimento da pesquisa estranha do Datafolha, a forma como os demais institutos foram atacados nas páginas da própria Folha de São Paulo e a maneira como o recuo se deu com a tese da responsabilização do crescimento de Dilma por conta de "trapaça" - ecoando pela edição inteira de ontem -, é tudo mera coincidência.

Em suma, nada de novo sob o Sol. A Folha perdeu o prumo já não é de hoje. O episódio da Ditabranda foi emblemático, um divisor de águas numa escalada que, no entanto, não começou ali. A Folha foi o jornal que mais colaborou com a Ditadura em si, apesar da família Frias ter colaborada menos do que os Mesquita com o Golpe de 64. O problema é que o velho Frias movia seu produto para o lado em que o vento apontava e nisso ele era bom, de repente, a reformulação que ele promoveu no jornal nos ano 80, jogou todo os ônus de colaboracionismo para o Estadão. Nos anos 90, ainda que com o apoio ao tucanato, nunca faltaram páginas para os petistas porque qualquer iniciados na brasilianística sabia que o telhado do projeto de FHC era de vidro. 

O erro está com Otavinho, o menino que quis fazer o vento em vez de segui-lo: Ele conseguiu acabar de uma vez só tanto com aquela ideia do jornal que ouvia "os dois lados" - transformando seu jornal em um panfleto serrista - e, ao mesmo tempo, trouxe à tona os esqueletos guardados no armário, que estavam ali, vejam só, desde os anos de chumbo. Agora, foi a vez de destruir a reputação do Datafolha, um instituto consagrado ao longo dos anos 80 e 90. A direção atual da Folha conseguiu a proeza que uma geração inteira de esquerdistas, muitos deles estranhamente entusiastas daquele jornal, não conseguiu.

Por outro lado, resta a tristeza quanto aos rumos da jovem - e quem sabe pretensa - democracia brasileira, cujo debate público se resume atualmente à guerra de pesquisas. Dilma representa uma continuidade de um projeto que conseguiu ter mais prós do que contras, diferentemente de todos os outros que lhe antecederam - um projeto que, suspeito, ainda conseguirá fazer o mesmo pelos próximos quatro anos, depois, depende de sua reinvenção -, enquanto Serra representa o desequilíbrio de uma oposição perdida, que não sabe se quer se assumir como a continuidade ou como o arauto do antipovismo - ainda que, na prática, seja a segunda opção mesmo. O PV está rachado e a candidatura Marina não consegue pautar o que quer - o que não sei exatamente se seria bom. No PSOL, Heloísa Helena conseguiu provocar danos demais ao partido, o que enfraqueceu a própria posição de um Plínio de Arruda Sampaio em estabelecer-se como um contraponto produtivo à esquerda - ainda que em termos projetivos, evidentemente, não havia esperança alguma quanto a isso. Por ora, é o que temos.

2 comentários:

  1. Olá Hugo,
    A falta de debate das propostas é algo que me preocupa mais do que as possíveis manipulações nas pesquisas. Ainda mais preocupante é o descaso com as esferas estaduais, já que para quem acompanha somente a "velha mídia" tem a impressão de que a eleição este ano é somente para presidente. Ainda com relação às pesquisas, caso queiram, conseguem desconsiderar candidatos mesmo quando estão disparados na frente,e sem uso de manipulação, a exemplo da eleição municipal passada, onde nos grandes portais choviam notícias da briga nas pesquisas entre Alckmin e Kassab pelo segundo lugar, sem sequer citarem a Marta, como se ela nem fizesse parte da eleição em questão.

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  2. Paulo,

    Sim, como o amigo sabe, eu compartilho da mesma angústia. Sobre essa história da maneira como a mídia cobre formalmente as eleições - pondo de lado aqui eventuais manipulações a favor de sicrano ou beltrano -, a maneira como o enfoque leva a maior parte das pessoas a entenderem o processo como se vivêssemos numa espécie de monarquia eletiva é sintomático. Nesse sentido, os políticos brasileiros, seja por oportunismo ou desconhecimento de causa - ou ambos -, acompanham a mídia, deseducando o eleitorado em relação ao próprio funcionamento do sistema - isso merece um livro, como a mídia colabora para o fortalecimento do poder executivo e a relação simbiótica disso com o executivismo que boa parte de nossas agremiações política alimentam.

    um abraço

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