segunda-feira, 31 de maio de 2010

Israel e a Escalada do Terror de Estado

 (protestos em Londres - Luke MacGregor/reuters, retirado do Guardian)

Pois bem, o principal tema no noticiário internacional até ontem era a questão do programa nuclear iraniano, o que passava pelo acordo trilateral que o Brasil junto com a Turquia travaram com aquele país. Em cima disso, os debates, análises e conjecturas sobre os problemas do Irã e o que se esconderia (ou não) sob o véu de seu Programa Nuclear eram abundantes e soltavam faíscas - e o blog trouxe algumas análises sobre o assunto.

Um dos eventos mais estarrecedores divulgados por esses dias, como registrado,  a comprovação de que Israel tentou vender armamento nuclear para o regime do apartheid nos anos 80 Pesado isso, mas é real. Que Israel tem armas nucleares, até as pedrinhas da rua sabem. Que Israel apoiou o apartheid na Áfica do Sul, é público e notório. Agora, o Guardian - não um pasquim qualquer, mas um dos maiores jornais do Reino Unido - aparecer com provas de que Israel tem mesmo armas nucleares - e que quase forneceu isso para o regime do apartheid, é um negócio chocante, coisa de desacreditar na humanidade mesmo, mas foi o que aconteceu.

Quando ainda tentava racionalizar o impacto, me deparo, hoje, com a notícia do que Israel fez com os navios que levavam ajuda humanitária para Gaza: Depois de passar alguns dias tentando bloquear seu, avanço, acabaram atacando a pequena frota, matando, até as informações que eu tenho agora, dezenove ativistas e prendendo mais de oitenta. É inacreditável a ação. Ela é totalmente desproporcional, fora de qualquer norma de direito internacional e, sobretudo, de uma desumanidade ímpar.

Não creio que seja fora de contexto debater a questão da opressão histórica contra os judeus pela História ou, especialmente, a política genocida em massa engendrada pelos ideólogos da eugenia das sociedades industriais europeias já do século 19º quando se fala de Israel, o problema é como isso entra na conversa: O meu ponto é que, odiosamente, isso tem servido de álibi para setores de interesse específico de Israel e do Ocidente - que usa aquele Estado como uma espécie de proxy no Oriente Médio -justificarem toda sorte de políticas, portanto, isso nada tem a ver com judaísmo, proteção dos judeus ou com tudo que os judeus já sofreram. Simples assim.

Comparações entre o regime nazista e o modus operandi dos dirigentes israelenses são um tanto descabidas, ao meu ver. A conjuntura histórica é diferente, não há nazismo em Israel e, ao fazê-la, bate-se por bater, usando um ponto particularmente - e justamente - doloroso para os judeus de todo o mundo - pró e contra as políticas de Israel -, o que ao mesmo tempo que é cruel, também ajuda a alimentar a ideologia que a classe dominante local usa para justificar sua megalomania e incompetência. A grande questão aqui é a questão do Estado de Exceção, fenômeno recorrente nos Estados de inspiração greco-romana e cujas raízes, suspeito, são o calcanhar de aquiles dessa forma de organizar politicamente, seja há dois mil atrás ou nos dias de hoje, talvez uma falha intrínseca ao modelo, talvez algo mais profundo, de fundo antropológico, não sei dizer.

Israel tornou-se um Estado bélico no qual a regra é afastada à exaustão internamente de tal forma que passou a ser afastada no plano externo também, provocando um esgarçamento não apenas da sua legitimidade enquanto Estado - aqui no plano formal - quanto na reiteração de decisões cada vez mais irracionais - e perigosas, no plano material. No atual momento, tomar uma atitude como a de matar ativistas que levavam ajuda humanitária aos palestinos e estavam desarmados é, sobretudo, um sinal de loucura. 

Além da tragédia em si, ela enfraquece Israel perante a comunidade internacional e fortalece a posição do Irã por contraste. Em suma, Israel não ganhou nada com isso, nem mesmo aqueles dirigentes aos quais eu me referia, muito menos seu povo, o que é uma ilustração dessa insanidade - por fim, uma expressão da contradição do Estado de Exceção estourando. Há quem diga que isso caiu como uma luva para, no momento atual, bloquear a escalada contra o Irã, trata-se de um ledo engano, esse é apenas mais um fio desencapado do Oriente Mèdio - o maior e mais perigoso deles, é verdade - soltando faíscas e se mostrando fora de controle. Isso é um problema para o Irã, para seus vizinhos e para toda comunidade internacional. No duro, em que pesem todos os riscos que o regime dos aiatolás represente para o mundo - ele representa -, nada se compara à Israel atualmente e se ele não for neutralizado pela comunidade internacional, provocará, cedo ou tarde, um desastre incontrolável.



6 comentários:

  1. Hugo,

    Não acredito mais que israel possa ser controlado. Pelo menos não num futuro próximo.

    O recente ataque a uma missão humanitária e pacifista complica as coisas para os EUA e para a União Europeia, pois torna ainda mais difícil defender o Estado de Israel, mas apesar dessa dificuldade não faltaram argumentos e constorcionismos retóricos para manter esse apóio, que no caso dos EUA é praticamente irrestrito.

    Quanto a Israel, o que me parece é que este país percebeu que não vai conseguir manter muitos dos "amigos" atuais se levar adiante seu seu projeto de Estado, que é consolidar o Grande Israel, uma nação predominantemente judaica (ou seja, livre de árabes) em terras que compreendem toda a Palestina Histórica, o que inclui a Cisjordãnia. Como pretende levar esse projeto adiante não faz muito sentido agradar agora "amigos" que, mais cedo ou mais tarde, lhe virarão as costas.

    Enquanto puder contar com o apoio dos EUA nada poderá atingir israel, nem mesmo os protestos internacionais contra o ataque de ontem.

    Espero estar errado e que a reação internacional _ e a propria população israelense _ pressione por uma mudança de rota, mas... as proximas horas dirão.

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  2. Outra visão interessante
    AndreB

    do
    http://blogdogadelha.blogspot.com/

    terça-feira, 1 de junho de 2010
    O principal alvo do ataque israelense foram os Estados Unidos

    Vamos deixar claro uma coisa: os dirigentes israelenses são truculentos, mas não são burros. Eles estavam carecas de saber que o mundo inteiro condenaria a matança que fizeram na Flotilha da Liberdade, e não se preocuparam com isso. A grande preocupação israelense é com a posição americana que, ultimamente, tem desagradado a seus interesses.
    A Estratégia de Segurança da Era Obama não está afinada com Israel. Os Estados Unidos procuram acabar com os conflitos no Oriente Médio e empurrá-los para o Extremo, mais para perto da China. Cedo ou tarde, os Estados Unidos forçarão a criação do Estado Palestino e até mesmo chegarão a um acordo com o Irã. Para manter o poder em mundo de perfil mais multipolar, Obama sabe que é melhor perder alguns anéis (mesmo sendo valiosos) a perder as garras. Esse novo quadro causa preocupação a Israel, cercado de árabes, turcos e iranianos por todos os lados. Teme perder terreno e água (o Rio Jordão, em território Palestino), teme pela sobrevivência. Mas Israel conta com um grande aliado: o eleitorado americano.
    Dia 2 de novembro é dia da Declaração de Balfour, feita pelos ingleses, em 1917, sob inspiração sionista, determinando a criação de um “lar” para o povo judeu, em pleno território palestino. Também no próximo 2 de novembro ocorrerá mais uma dramática eleição americana, renovando toda a Casa dos Deputados e um terço do Senado. Obama, evidentemente, aposta tudo em uma vitória dos Democratas. Mas sabe que isso significa ter que agradar a poderosa AIPAC (American Israel Public Affairs Committee), ou seja o lobby israelense nos Estados Unidos.
    Israel está chantageando Obama. Procura frear seus movimentos rumo a um mundo menos favorável aos interesses israelenses. Usando como refém o eleitorado americano, Israel tensiona, encosta Obama contra a parede e trata de garantir seu espaço – mesmo que seja matando meio mundo.
    Leia também o artigo do escritor israelense Uri Avnery, no CounterPunch.

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  3. Eduardo

    Eu compartilho do seu pessimismo em relação a Israel. O problema é que se analisarmos o histórico econômico da coisa, veremos que se o sionismo não interessava ao imperialismo ocidental e Israel nasce em meio a enorme confusão do imediato pós-guerra, para logo depois se efetivar como Estado, justamente no momento em que resolve servir como o tentáculo ocidental no Oriente Médio, uma espécie de acampamento militar, avançado cuja indústria bélica é financiada pelo grande capital internacional e, por sua vez, construiu toda uma teia de relações que corrompeu de vez a política e a sociedade israelense: Tal ponto de inflexão é, ao meu ver, a Primeira Guerra do Líbano, pois é nesse momento em que Israel deixa de ser um país com uma grande indústria bélica, para ser um complexo bélico-industrial que tem um país. Houve breves momentos onde a possibilidade de um desvio de rota chegou a ser mostrar, mas desde que Sharon chegou ao poder lá, as coisas degringolaram de vez. Será que ainda há oomo reverter isso? Eu, honestamente, duvido cada vez mais, seja pelo que aconteceu na Segunda Intifada, na Segunda Guerra do Líbano, no Massacre de Gaza e agora. Mais do que uma pressão política da sociedade civil israelense pela paz, a única forma do país sair dessa encruzilhada seria por meio de uma ação efetiva de seus agentes políticos no sentido de superar a sociabilidade do capital bélico-industrial, buscando uma reorganização do seu sistema produtivo, incluindo, inclusive os palestinos - ou seja, eu ainda fico com Tony Judt na defesa de um Estado único e binacional naquela região, por mais difícil que isso pareça.

    um abraço

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  4. Anômino,

    É uma visão válida, mas eu acho que administração Obama passa longe de ser desfavorável a Israel e que haveria meios mais inteligentes de pressão nesse sentido. Fazer isso teria sido um ato de burrice extremo porque tal ato foi o mesmo que tirar o foco da mídia internacional do Irã e jogar sobre si próprio, fortalecendo a posição de Teerã - que é a ameaça agora? Ademais, os EUA, mesmo destinados a não condenar na sua devida intensidade o que aconteceu, ficaram em outra situação complicada, mas que não forçaria uma política mais pró-Israel - o que seria, ao meu ver, impossível -, muito pelo contrário. Esse ataque e o acordo trilateral Brasil-Turquia-Irã foram duas das maiores derrotas que a Política - de Estado - americana de relações exteriores sofreu nos últimos anos.

    um abraço

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  5. Concordo com você, Hugo.

    A solução "um Estado para dois povos", apesar de rejeitada pelos dois lados, vai acabar sendo a única possível daqui a poucos anos, se já não é. E isto pela propria política israelense de ocupação e colonização dos territórios palestinos. A cada dia sobra menos espaço para um futuro Estado Palestino independente.

    Isso pode acontecer de várias formas e com vários resultados diferentes. Exercitando minha imaginação penso em dois cenários:

    Depois de recortarem toda a Cisjordânia com assentamentos judeus e estradas ligando esses assentamentos, os Israelenses percebem que sobrou duas saídas: expulsar todos os palestinos dos territórios ocupados _ o que geraria uma violenta reação da comunidade internacional _ ou aceitar incorporá-los ao Estado de Israel, porém com direitos de cidadania limitados em relação aos judeus, ou seja, criariam, oficialmente, um novo apartheid.

    Outro cenário, menos provável, mas mais desejável, seria a construção de uma federação árabe/israelense em Israel, talvez até com um outro nome. Nenhuma das duas partes teria condições de chegar a esta soluço sozinhas, por isso o processo teria que ser levado pela ONU ou por um grupo de países até que fosse consolidado, inclusive com uma solução aceitável para os milhões de refugiados palestinos.

    Não sei o que vai acontecer daqui a cinco, dez ou vinte anos, mas não vai ser possível manter a situação atual indefinidamente.

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  6. Pois é,Edu, a possibilidade de incluir todos os palestinos no projeto poderia ter sido lentamente tocada, mas, na verdade, isso descaracterizaria o projeto sionista - que é o de existir um Estado necessariamente judeu, capaz de incluir, no máximo, outras minorias enquanto minorias, seja qualitativamente ou quantitavamente. O ponto é esse mesmo, o Estado de Israel, ou melhor, o establishment local nada tem a oferecer aos seus cidadãos, exceto mentiras e uma propaganda ufanista que, na prática, serve para mantê-los enquanto bucha de canhão ou simples escudos humanos. Mais do que isso, Israel equivale hoje ao elemento que poderia desestabilizar qualquer projeto de um Estado Palestino ou a paz no Oriente Médio. O ponto é que se surgisse um Estado Palestino, mesmo com as fronteiras anteriores a Guerra dos Seis Dias, ele não seria viável - a menos que Israel resolvesse trabalhar para construi-lo, o que não me parece crível, mas se fosse, equivaleria, no duro, a criar uma relação que os transformaria numa coisa só mesmo. É preciso pensar na criação de uma organização política para seres humanos e não para "judeus", "palestinos" ou coisas do tipo. O fato é que as soluções atuais são inválidas e o quadro insustentável.

    um abraço

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