sábado, 27 de março de 2010

A Greve dos Professores

(Foto: Rodrigo Coca/AE, tirada daqui)

A repressão violenta às manifestações dos professores no estado de São Paulo é um fato da maior gravidade. Só para recapitular, certamente uma das das maiores mazelas - se não for a maior - do tucanato em São Paulo é a desagregação da Educação Pública, vítima da péssima remuneração dos professores, das bisonhas condições de trabalho e da escalada da burocratização do sistema - sendo que no cenário atual 25% do orçamento está, curiosamente, alocado no gabinete do secretário. O pior de tudo é a inexistência de qualquer tipo de projeto na área ou qualquer boa vontade dos sucessivos governos tucanos em dialogar de forma honesta com a classe - muito pelo contrário, assim como ontem, a regra geral é a pancada como narrou de perto o Eduardo Prado.

O Edu nos traz alguns outros dados importantes: O último reajuste salarial real que os professores receberam foi em 1996 e boa parte dos elementos componentes da remuneração vem de gratificações que, obviamente, não são consideradas para o cálculo das aposentadorias - além de inexistir qualquer coisa que mereça ser chamado de Plano de Carreira. Ainda assim, esse pessoal se presta a acordar cedo e dormir tarde trabalhando em áreas muito pobres, marcadas pela desagregação familiar e pela violência.

Os interesses que rolam em torno desse quadro vão desde, digamos, a falta de critérios republicanos para admitir pessoas na burocracia de uma Secretaria de Eduacação que tem inchado nos últimos anos, tanto em gastos quanto em contingente - que, veja só, às vezes coincide com certas lideranças de pequeno porte pró-governo desempregadas. Há também o lobby de algumas redes de colégios privados e de cursinhos - sendo que algumas empresas mantém ambos ao mesmo tempo - que se tornaram um negócio promissor dos anos 90 para cá atacando uma clientela de classe média que não pode pagar colégios de elite e não quer os filhos na escola pública.

No entanto, do mesmo modo que nos anos 90, a máquina tucana instalada no Governo Federal vendeu com certo êxito o "senso comum" de que o que é privado funciona melhor - e que estatais são meros cabides de emprego destinadas a dar prejuízo ao estado -, aqui nós vemos algo parecido: A Escola Pública não funciona porque é pública e a Escola Privada é boa porque as pessoas estão pagando - ou pior, que os professores são os verdadeiros culpados por essa situação.

Tais sofismas podem ser facilmente desmascarados com a divulgação de dados concretos - como a ausência de remuneração digna ou de plano de carreira para a classe magisterial ou mesmo o apontamento de que há, nas escolas públicas, muito mais burocracia do que nos colégios privados para resolver as mesmas coisas -, mas isso não quer dizer que eles não estejam funcionando há algum tempo, tocados adiante pela máquina de propaganda.

Por outro lado, temos o que é próprio do Governo Serra: Para além do descaso com os investimentos (próprio dos governos tucanos por todo país em todos os tempos), o confronto de ontem soma-se à Invasão da USP pela Tropa de Choque e à Guerra de polícias no que toca a política serrista de lidar com reivindicações populares -  e todas essas intervenções foram absolutamente desnecessárias mesmo sob um ponto de vista cínico de fazer política, o que não quer dizer que não tenham sido pensadas (ainda que mal pensadas); Serra se mostra alguém completamente despreparado para lidar com situações que exigem uma mínima sofisticação negocial, seja pela sua falta de capacidade ou pelo desequilíbrio provocado pela sua obsessão em ser Presidente da República custe o que custar.

Atualização de 27/03 às 21:31: Há controvérsias se a foto que estampa o post seria de um professor socorrendo uma policial ou se seria de um policial infiltrado na manifestação - como declarou a PM. O fato é que se a PM disse isso para desmistificar a foto, se deu mal porque entregou que havia P2 lá dentro, caso não seja, ela se entregou pior ainda e agravou o que já não era bom.

7 comentários:

  1. Bom, essa destruição a que estamos assistindo no sistema público de ensino de São Paulo é fruto de uma opção política tomada pelo PSDB no estado, qual seja, a de não investir em educação. Isso começou com Mário Covas, que não sem motivo tomou muitas "cadeiradas" dos professores quando tal política teve início.
    Olha, Hugo, além do que você citou quanto aos lobbyes e coisas deste jaez, há um outro aspecto que se soma a isso tudo: o de que Serra representa o interesse estritamente privado da indústria paulista, a quem não interessa pessoas politizadas reivindicando melhores salários. Assim, Serra destrói a educação e, como não é tão trouxa, cria e investe massissamente nas ETE's, pois a mesma indústria, a quem interessa uma massa amorfa de alienados, precisa de pessoas que saibam apertar parafusos, com qualidade, tudo "up to date".
    Um Abraço e parabéns pelo post.

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  2. Você viu que o camarada da foto pode ser P2, não?

    http://tsavkko.blogspot.com/2010/03/greve-dos-professores-e-o-massacre-do.html

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  3. Pois é, Carlos, é um processo que vem de longe - desde o sucateamento do estado pela dupla de dois caras formada por Quércia e Suplicy até a "reforma" para resolver isso tocado pela tucanagem.

    E, vi sim no teu blog, Tsavkko (e repito o que disse lá): Ou é uma baita mentira da PM para desmistificar a foto ou eles deram com os burros n'água ao revelarem a "verdade" sobre a existência de P2's nas manifestações. Triste isso.

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  4. Belo artigo, hugo!

    A repressão da polícia, ontem, foi Punk, hehehe... A única experiência parecida com essa que eu já presenciei foi na saída do Pacaembú depois de um corinthians X palmeiras, ha quase vinte anos. Mas dessa vez fiquei muito mais exposto.

    Se esta greve serviu para alguma coisa, pelo manos terá sido por mostrar a incapacidade do Governador José Serra em lidar com opiniões diversas as suas, ignorando e desqualificando as críticas em contrario. Não é capaz de ouvir, de conversar, de negociar, o que o torna incapaz para governar. Em relação a educação a maior falha do seu (des)governo é pensar o ensino público pelo lado da despesa, quando na verdade, pelo menos para um país com pretensões à potência, ele seria um investimento. É desse pensamento distorsido que resulta todos os erros da sua desastrosa política educacional.

    Voltando a falar da manifestação de ontem, um dado da maior gravidade foi a presença, entre os professores que buscavam abrir o diálogo com o governo, de policiais a paisana _ a referência que o Tsavkko faz acima. Na descida para o Morumbi, quando a estava bastante escuro, conversei com um grupo de professores do interior que contaram terem sido agredidos com socos e pontapés desferidos por homens trajando roupas comuns. A agressão, segundo eles foi tão inesperada e violenta que eles nem conseguiram perceber quantos eram. No decorrer da Assembléia ouvi outros relatos parecidos.
    E é assim que o governo Serra em São Paulo chega ao fim, despido de qualquer vestígio de decencia e espirito democrático.

    Obrigado pela referência e pelos links.

    Valeu!

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  5. Sabe que estrategicamente, acho inteligente a opção do Serra pelo confronto? Uai, a mídia vai relatar as coisas do jeito que o serra quer. Qualquer confronto é culpa dos manifestantes, desses professores burros e preguiçosos que não querem ser avaliados. Apeosp virou palavrão. A população gosta de governador com pulso firme como o Serra.

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  6. Anônimo,

    Fazer uso da força, como foi feito, é próprio não de quem traçou uma estratégia, mas de quem não sabe como agir. A mídia pode narrar como bem quiser, mas isso não quer dizer que a "versão oficial" vai prevalecer necessariamente - como não aconteceu nas eleições presidenciais de 2006 -, mesmo por uma perspectiva maquiavélica, ele tinha milhares de outras formas de dirimir a questão - e todos esses confrontos funestos podem sim ser usados contra ele.

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  7. Edu,

    De nada, meu caro - eu que agradeço pelas informações que você trouxe! É a tese que eu sempre insisto: Serra, se eleito presidente, não governa por conta da complexidade do país e pela sua incapacidade negocial - somada aos interesses que teria de atender...

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