quarta-feira, 24 de março de 2010

Refletir para Lutar

Eu cresci num lar onde sempre se falou bastante de política - principalmente papai, um nacional-desenvolvimentista extemporâneo - e estudei numa escola onde as pessoas faziam o mesmo. Lembro quando eu ouvi pela primeira vez o termo "comunismo" e, de pronto, perguntei o que era isso para mamãe: Ela, estarrecida com a pergunta me disse que era "uma forma de se organizar diferente do que vivíamos onde ninguém era dono de nada e todos trabalhavam para o Governo que, em troca, os sustentava", eu perguntei como isso era possível e ela me respondeu que não sabia.

Na escola,eu me interessei muito cedo por estudar História e Geografia e sempre relacionava isso com o que acontecia na Política - tão logo desenvolvi simpatias pelo Socialismo, aquilo que eu via como um modo de organização alternativa a todo o descalabro que me cercava, ainda que eu não soubesse bem o que era o aquilo. Depois entendi melhor e uma perguntava que não calava era como e porque a União Soviética acabou: Meus professores, em geral esquerdistas, davam um sorrisinho amarelo; uns se saiam com raciocínios circulares e outros diziam que aquilo não era um socialismo verdadeiro.

O tempo passou-se e minha crítica ao que era e o que poderia ser foi se desenvolvendo. Foi na Faculdade que eu conheci, pela primeira vez, a política por dentro, em especial, os movimentos de esquerda. Isso trouxe à baila uma torrente de sentimentos que, de certa forma, já estavam lá nas minhas reflexões da adolescência: O fracasso do Socialismo, transformado em um sistema totalitário e ineficiente que simplesmente implodiu, seria culpa dele mesmo ou de uma distorção sua? 

Mais assustador do que isso é que na Faculdade, tomei contato com o pensamento anarquista - diabos, nossos pais nos mandam para a Faculdade de Direito e vamos estudar anarquismo! - e Bakunin, de forma enfática, antevê o formidável desastre que se anunciava - e, um pouco mais tarde, Kropotikin anteviu como a própria perspectiva bakuninista da revolução violenta estava fadada ao fracasso como a sombra profunda do netchaievismo nos prova até hoje.

O pensamento liberal, ainda que tenha produzido as linhas gerais da democracia contemporânea, não consegue dar respostas para as demandas gravissímas que afligem a humanidade hoje, impedindo a consubstanciação de uma verdadeira democracia; Se por um lado, os americanos, ao optarem pela via liberal, conseguiram conquistas importantes no que toca a liberdade de expressão, por outro, estão decadas atrasados nas demandas sociais - que não são piores ou melhores do que as demandas individuais, mas sim perfeitamente complementares. Tanto é verdade que o debate sobre a implantação de um sistema universal de saúde pública naquele país foi permeados por falácias de toda natureza - quando "não há a almoço grátis" é um dos principais argumentos num peleja, há pouco o que se dizer a respeito.

A Europa contemporânea, construída sobre os escombros da Segunda Guerra Mundial em cima dos ideais da social-democracia e da democracia-cristã, pelo seu lado, fracassa igualmente, pelos motivos inversos: A incapaciade em absorver os imigrantes devido a um ululante etnocentrismo é deveras preocupante. O Estado de bem-estar consegue prover, ainda, políticas públicas inimagináveis nos EUA, ao mesmo tempo em que as pautas ligadas ao indivíduo estejam mais atrasadas do que no outro lado do Atlântico - isso sem falar no que restou da Europa Oriental depois de décadas sob o julgo de regimes socialistas autoritárias que necrosaram diante da total opressão sobre seus cidadãos.

Esses itens levantam reflexões importantes sobre como a luta social é conduzida no Brasil. Seguimos a tradição intelectual europeia com alguns enxertos americanóides, mas, apesar dos avanços notáveis, ainda estamos longe de nos organizarmos como um Estado Legal burguês organizado. Por outro lado, a esquerda tropeça ainda nas falácias do vanguardismo e num idealismo mais ou menos acentuado - como se vê agudamente nas fileiras esquerdistas paulistanas - que faz um movimento pendular entre o voluntarismo e a crítica fácil, próprias de quem assiste a questão social de longe. Será que em muitos momentos não buscamos apenas caiar o Leviatã de vermelho? Por que não criar conceitos e formas de ação mais condizentes com a nossa realidade? É necessário a esquerda brasileira fazer uma reflexão séria sobre as demandas do nosso tempo e assumir um posicionamento francamente libertário e realista - do contrário a luta contra o liberalismo particulamente decadente do país perderá, em si, o significado.

11 comentários:

  1. Ótimo texto, Hugo.

    Subscrevo integralmente sua conclusão, no parágrafo final.
    Abração

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  2. Minha 'estória política' é um tanto parecida com a tua, Hugo, só que fui me meter em fazer engenharia elétrica...

    Um abraço

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  3. Bem, Luis, a gente precisa de gente infiltrado em todas as partes mesmo - e engenharia elétrica não é nada estranho se comparado com direito ;-)

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  4. Pois é, Hugo, se a gente pensar que ambos (direito e engenharia) são competẽncias baseadas no uso de fórmulas que expressam, no máximo, uma simplificação da realidade. Uau.

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  5. Hugo, sempre que possivel o leio.Minha verve da politica aflorou-se mais na faculdade mesmo, e inclusive faço direito.Mas eu concordo com você ao final a esquerda brasileira precisa tomar as rédeas do que se propõe para as próximas gerações e repensar quais são os ideais a serem construidos.Habitualmente há muito discurso, ou muita luta mas sem união.Precisa amadurecer a esquerda e se unir, existe uma tradição da esquerda sempre "rachar", enfim fico feliz pelo que escreve.Abraços e ótimo blog.

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  6. Obrigado, Mayara. É um desafio enormíssimo mesmo. O respeito e a aceitação da dialeticidade e do respeito. Não sei quando e como isso será possível, mas é questão de continuar lutando.

    beijos

    P.S.: Onde você estuda?

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  7. uahsuahsu.Eu estudo na Direito São Bernardo, tive muitas influências dos professores marxistas nos dois primeiros anos de gradução, agora estou cursando o terceiro ano e vc qual ano está?Você gosta da puc? E eu me sinto ignorantissima quanto a política por que não li quase nada do que é indispensável, mas a medida do possivel tenho tentado estudar e ler a respeito.E sobre o direito como você o vê? Mecanismo de transformação social?

    Beijos!

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  8. Mayara,

    Eu também estou no terceiro ano. Muito da minha formação política foi na escola mesmo, tive professores bem críticos e ativos nesse sentido. Sobre a PUC, eu gosto do que ela foi e do que ela é em potência - mas não de como ela é hoje. A situação é feia. A intervenção da Igreja, a mercantilização do ensino, a mudança cada vez mais radical - e rápida - do perfil do estudante que lá entra - falo da elitização - é preocupante. Desde que eu entrei lá a PUC piorou bastante, mas não deixo isso me entristecer, mas sim lamentar - e lamentar é bom, pois você está reivindicando, e a isso, como diria Deleuze é o combustível para a luta e para a poesia, ao contrário da tristeza que se concretiza na resignação ou mesmo na servidão voluntária (que é pior do que a morte).A luta é muito dura.

    beijos e apareça mais por aqui

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  9. Entendo sua posição, hoje tudo se tornou um comércio inclusive a educação.O pior é que as universidades, que em tese, deveriam criar pensadores constroem "operadores do direito" que apenas se importam com o prórpio umbigo.Enfim eu passei por uma crise durante a graduação, mas a superei, mas você não me respondeu.Acredita no direito como mecanismo de transformação social??
    Beijos
    ps: Eu escreveria muito mais a respeito de direito, ideologias e afins.Como você arranja tempo para escrever, eu particularmente tenho vergonha de escrever e expressar um monte de coisas, grata pela atenção!

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  10. Então, Mayara, o Direito não é outra coisa senão instrumento de transformação social: É por meio dele que a política se realiza com resultados bons ou ruins, mas sempre dinamicamente - não, não sou monista. Agora, se a sua pergunta é se a advocacia, o ativismo judicial e afins podem ser instrumentos de melhora da sociedade, sim, são, ainda que tentar fazer uso das brechas que o direito estatal tenha severas limitações práticas - mas sim, é importante ter gente fazendo isso também.

    E que nada, eu procuro não desprezar os meus leitores e o que eu posso compartilhar com eles. Beijão.

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