terça-feira, 27 de julho de 2010

A Economia Enquanto a Banda Passa

Neste exato momento, enquanto as atenções no Brasil se voltam para o debate eleitoral - ou isso que classificamos como tal -, a roda da economia continua a girar. Sim, a Crise Mundial segue. Seu movimento sinuoso é também singular. O movimento inicial, que veio à tona em 2008 era a concretização de uma tragédia anunciada, decorrência necessária da esquizofrenia das desregulamentação desvairada dos anos 80 e 90 e da irresponsabilidade americana durante os anos Bush. O aporte trilionário feito pelos Estados, refreou a crise - sem implicar em expropriações (pelo menos de parte) ou, ao menos, punição de executivos das grandes corporações. Por outro lado, políticas de contenção fiscal passaram a ser novamente defendidas, enquanto os atores políticos são incapazes - por uma série de motivos - de examinar a natureza dos gastos públicos, não distinguindo assim o joio do trigo, o que é fundamental para saber o que deve ser cortado e no que deve ser investido.


Confusões e hesitações como essas são normais em momentos nos quais a ordem dominante - por sinal, capitalista - se vê em xeque, suas válvulas de escape estão entupidas e não há para onde direcionar a pressão produzida. Algumas saídas são muito simples, mas ela se contrapõe a interesses de grupos - cuja influência na esfera política é certamente maior do que a produtividade econômica delas. É mais ou menos como a questão da indústria bélica americana, que necessita de guerras para funcionar, muito embora tais conflitos nem sempre tragam retorno para o sistema - muito pelo contrário, no atual momento. A ordem capitalista tem às mãos saídas que resultariam em seu próprio suicídio - o que em outra palavras, seria um suicídio inverso, pois tal sistema, em si, constitui-se em um Programa Suicida como bem anota Paulo Arantes -, o que está fora de cogitação, portanto, rumina-se saídas dentro do próprio sistema.


Caso retomemos o primeiro link, leremos o liberal Krugman falar na raridade de momentos como este, falando que embora recessões sejam normais, as depressões são fatos completamente excepcionais na "história econômica" - claro, na história capitalista. Certamente são essas depressões os momentos que devem ser chamados crises: O momento da decisão e da diferenciação, quando, diante de uma bifurcação, a Ordem precisa se reorganizar para voltar a responder à maior parte das demandas sem deixar de se auto-sustentar - ainda que possa, e até precise, fazer concessões para tanto -, o que nem sempre é instantâneo ou retíleneo. A pressão dos setores explorados constitui outra variante na planilha - especialmente caso se organizem, levando em consideração ainda o seu grau de consciência e compreensão conjuntural. Ordem capitalista, compreenda-se, nem sempre se confunde com o próprio Governo do Estado


O Brasil não está fora desse mundo. Em que pese ter saído mais rápido do momento incial da crise, ela descreveu uma curva. Ademais, temos alguns descompassos. Se por um lado, fizemos, ao longo do tempo, uma política inteligente de estabilidade fiscal desde o início do Governo Lula, com a adoção de superávits e de uma política contraciclíca, por outro, a regulagem da taxa de juros pelo Banco Central sempre esteve descalibrada ao longo dos últimos anos - ainda que no atual governo se pratique taxas menores do que no Governo FHC, não resta dúvida que seu valor excede o nível de aquecimento da economia - bem como a política cambial esteve à deriva. Se de um lado o crescimento aumentado pelas políticas do PAC - e depois o aporte bilionário junto ao setor produtivo durante a Crise - provocaram uma absorção dos impactos, do outro, a demora do BC em cortar as taxas de juros, oneraram a economia - pelo gasto que ela provoca e pela maneira como colabora para a valorização da moeda, o que de uma vez só, reduz o superávit comercial e aumenta o gasto público. Isso é péssimo. 


Primeiro, depois de uma retomada aguda do crescimento, vem uma desaceleração provocada pela nova oscilação do mercado externo. Para além do catastrofismo, essa matéria do Estadão, ilustra a situação de deterioração das contas externas - no entanto, ela simplesmente não explica de onde veio o gasto público. Parece que falamos de algo que surgiu do nada, citar que existem problemas é normal, afinal, a culpa é atribuída ao atual governo - no entanto, silencia-se a respeito desses fatores, pois eles favorecem precisamente alguns interesses que o referido jornal está junto. Um ponto lateral, mas de relevo foi, entretanto, surpreendentemente lembrado: O aumento agressivo das remessas das multinacionais para seus países-sede como forma de cobrir balanços. Isso, no entanto, nutre uma relação com o próprio valor do câmbio apreciado.


E política cambial é matéria de controvérsia na teoria econômica. Grosso modo, os defensores do dito "câmbio livre" partem do pressuposto que as interferências do Estado na cotação cambial - como no caso mais radical de fixação do valor da moeda nacional - provoca distorções, postulando que a função do câmbio é servir muito mais como um transmissor de informação para o Estado regular suas políticas econômicas em cima do valor dado - que seria a expressão real das necessidades econômicas. O câmbio flutuaria, portanto, naturalmente. Os opositores dessa tese afirmam que nunca haverá a expressão real dessas necessidades econômicas, pois a construção do dado cambial é uma decorrência da atuação de determinados agentes visando o estabelecimento do seu valor - ou produzindo efeitos sobre ele em decorrência de decisões suas -, deixado livre, o valor cambial poderia, portanto, ser facilmente distorcido por  certos agentes, o que pressupõe uma descrença na auto-regulação do mercado e a ideia da construção do dado cambial como forma de alavancagem do desenvolvimento. Se para os primeiros, ele é praticamente um indicador, para os segundos, ele se trata de um instrumento. Como a primeira hipótese pressupõe a neutralidade dos agentes no processo de construção do valor cambial, logo, tendo a discordar dela.


A divergência em tela, entretanto, passou batida porque momento da economia mundial produzia um efeito interessante, onde os liberais poderiam dizer que a estabilidade era fruto do equilíbrio natural produzido pelo câmbio livre enquanto seus variados opositores podiam dizer que a estabilidade era fruto do aquecimento do mercado mundial que mascarava os efeitos do câmbio valorizado. Os atuais movimento apontam para a segunda hipótese. Evidentemente, o câmbio livre sempre chega a um equilíbrio, mas esse ajuste por se dar por bem ou por mal: Todo avião que levanta voo, desce, não importa como, caindo ou pousando. Isso é o que está em questão aqui. Construir uma política cambial clara e por fim ao descompasso entre as necessárias políticas de aceleração de crescimento e a política monetária são itens urgentes ainda do atual governo - e do próximo. 


Por si só, não bastará, claro, o desenvolvimento econômico demanda aumento da gestão social do patrimônio econômico e uma ação propositiva acerca do impacto da produção sobre o equilíbrio do meio-ambiente - o que se encontra dentro de um agenda reformista, o que não é solução para o problema central, o que, até a criação de uma vontade organizada revolucionária de novo tipo, é o que nos resta, embora a primeira seja tática e a segunda dificilmente possa ser construída por dentro do Estado. Seja como for, a saída para o Capitalismo não é, certamente, o descapitalismo. Nesse sentido, a candidatura Serra vociferando contra o descompasso da política econômica soa estrepitosamente falso, seja porque não tenha força para empreender um tensionamento com o setor financeiro ou por suas declarações estabanadas acerca de política externa possam ter resultados econômicos negativos imediatamente. Isso não isenta Dilma de ir além do Governo Lula, o que será necessário não só na campanha como também em seu eventual Governo. A candidatura Marina se perde nas divagações liberais de sua equipe enquanto a de Plínio acerta na coisa, mas erra nas proporções e na velocidade por subestimar a complexidade do processo e das variáveis. Em suma, trata-se de uma questão que exige uma resposta no curto prazo dos candidatos e o PT prossegue menos distante nesse assunto.

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