quinta-feira, 15 de julho de 2010
Matrimônio Gay Aprovado na Argentina
Ontem, o Senado da República Argentina, por 33 votos a 27, aprovou o Projeto de Lei que altera certos dispositivos de seu Código Civil que concernem ao matrimônio, estendendo, dessa maneira, o direito ao matrimônio aos casais homoafetivos. É uma conquista tremenda nos direitos civis para a humanidade numa semana negra marcada pela aprovação, na Câmara Baixa de seu Parlamento, da proibição de certas vestimentas típicas de algumas comunidades islâmicas na França - o que esperamos que seja revertido pelo seu Senado, embora, infelizmente, seja difícil. Particularmente, uma grande conquista argentina, país vizinho que despontou no Século 20º como sério candidato ao desenvolvimento, mas que depois de décadas de demagogia, militarismo e o liberalismo vulgar de Menem se viu perdido em meio a uma convulsão econômica, social e política aguda em 2001.
Grupos de defesa dos movimentos gays são particularmente fortes na Argentina, mas isso não quer dizer que não o sejam em boa parte do continente e, especialmente, no Brasil - ainda mais pelo fato de que nossa cultura laica seja mais profunda que a dos nossos vizinhos. A Argentina, por exemplo, ainda que seja Estado Laico tem religião oficial, justamente, a Católica Apostólica Romana. O grande diferencial no caso local - além dos índices de educação acima da média, não só do continente como do mundo - foi a intervenção pessoal da Presidente Cristina Fernández de Kirchner e de seu grupo político em favor da Lei.
Sim, o quadro político-partidário da Argentina não é nenhuma maravilha, o Partido Justicialista - chamado "peronista" - ao qual pertence Cristina sempre foi - e continua sendo - uma miscelânea que vai da direita à esquerda, os partidos socialistas nunca conseguiram se organizar de maneira minimamente razoável e a maior expressão de oposição sempre foi a antiga União Cívica Radical - uma agremiação social-democrata que, no entanto, nunca teve muita penetração nos setores proletários ou nos em meio aos excluídos da Argentina, hoje, menos ainda. Fora isso, restam todas as limitações intrínsecas de qualquer sistema político partidarizado. Ainda assim, o grupo político do casal Néstor e Cristina Kirchner, que governa o país desde 2003, conseguiu produzir os mais notáveis progressos naquele país em décadas, combinando política econômica desenvolvimentista, democracia e uma agenda firme e obstinada de direitos humanos - como nenhum outro grupo no continente.
Acreditem, não são muitos os governantes da face da terra que tem a capacidade e a coragem de assumir as posições que Cristina assume, seja quando declarou publicamente que a declaração final da Cúpula do G-20 foi um fracasso ou quando defendeu, recentemente e com todas as letras, que o se passa com os gays hoje daqui a algum tempo será tão anacrônico quanto o que se passava com os escravos na Antiguidade, com os negros nos Estados Unidos e com os judeus na Alemanha Nazista. Sim, não nego que muitas das posições tomadas em seu governo - e um bastante no Governo de seu esposo - me surpreenderam, chego a brincar que esperava de um overno da ala a qual eles pertencem do Peronista, algo parecido com o Governo Lula - e vice-versa.
Analisando a questão do direito dos gays se casarem - sim, não me refiro a mera União Civil, mas a Matrimônio mesmo, pelas implicações disso quanto a adoção -, não é assunto perfeitamente aceitável como necessária. Primeiro, temos uma realidade pré-existente mesmo, o que cria uma demanda social por reconhecimento - sim, não são as leis que fundam os fatos, mas o contrário, o que não quer dizer que tais fatos não demandem novas leis ou até dispositivos constitucionais para contemplar as necessidades que lhe sucedem -, depois que um Estado Democrático de Direito não é aquele no qual a Política Legislativa se norteia por qualquer convicção pessoal, mas sim por uma convicção pessoal do legislador fundada nas necessidades e na pluralidade o corpo social - mesmo de boa-fé, quem legisla de acordo com convicções individuais se equivoca, e o faz gravemente, porque usa a si mesmo como medida para algo que demanda a medida da sociedade em toda sua pluralidade.
Outro ponto não menos espinhoso, bastante presente nas sustentações orais que eu vi no Senado local - aliás, sustentações que mesmo nos piores momentos foram muito superiores ao que podemos produzir por aqui -, era a questão da religião: Não estaria assim o Estado Argentino cometendo alguma violência contra o catolicismo? Não. O Estado Argentino não elabora normas internas para a Igreja, ele elabora normas para todos os cidadãos argentinos, o que inclui católicos, ateus, judeus e muçulmanos, se existe alguma coisa contra o homossexualismo no catolicismo, isso é uma questão interna daquela religião que deve ser resolvida pelos seus fiéis - e cuja intervenção do Estado só deve acontecer quando isso extrapolar o foro interno da religião. O princípio que garante a fé cristã ser professada na Argentina, assim como no Brasil, é a mesma que garante o ateu ser ateu ou o gay ser gay: É a liberdade de expressão. Não se trata de uma obrigação ou de uma proibição, mas sim uma faculdade, um direito subjetivo, que só encontra limitação quando isso fere de alguma maneira o corpo social - o que definitivamente não é o caso aqui, muito pelo contrário.
Sem querer ser chato, volto ao tema da burca na França e traço um paralelo com este daqui: Trata-se da mesmíssima coisa. A Democracia se funda no exercício por parte tanto de maiorias quanto de minorias daquilo que elas acreditam, salvo ameaça a todo corpo social. Não importa se você acha isso exótico ou errado. Ninguém está pedindo ou obrigando que você seja gay ou use burca pela força da Lei, apenas que as pessoas que julguem isso certo, possam fazê-lo. Sim, você pode discutir isso na esfera pública - e a Constituição e as Leis devem lhe garantir tal direito -, afinal, nenhuma cultura ou prática é intocável, o que não dá é esperar que o arcabouço normativo seja usado, tanto pela ação quanto pela omissão, para fazer valer esse ponto de vista. Por fim, reforço minhas congratulações à República Argentina e à sua Presidente.
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Gosto muito dos seus textos, Hugo, mas esse precisa de uma boa revisão, hein? tem umas passagens incompreensíveis. Dá uma revisada nele, menino.
ResponderExcluirObrigado, ajustei algumas coisas na pontuação e expliquei melhor algumas ideias, já faço mais concessões ao padrão do que devo ou que posso - lamentavelmente, tenho um certo grau de dislexia e por isso conto com a ajuda dos meus comentaristas, o que fica mais fácil quando eles me apontam o que não entenderam.
ResponderExcluirabraços
Para dar uma ideia do salto representado por essa lei, vale lembrar que Menem é de uma família de imigrantes sírios de religião muçulmana. Ele precisou se converter ao catolicismo porque a Constituição argentina só permitia que o cargo de Presidente fosse ocupado por católicos.
ResponderExcluirPatrick,
ResponderExcluirSim e só a partir de 1994 foi aprovada a Emenda Constitucional que dispôs sobre a possibilidade de um não-católico assumir a Presidência. Ontem, mesmo nas sustentações mais enfáticas em favor da Lei que eu vi, da senadora por Jujuy Liliana Fellner e do senador por Cordóba Luis Juez, havia um cuidado extremo para lidar com a questão do catolicismo. No Brasil, onde essa questão já está muito mais bem resolvida do que na Argentina, a posição dos partidos quanto ao tema, seja por falta de sensibilidade política ou capacidade, é muito mais retrógrada e omissiva.
abraços
Esse tipo de lei, restritiva aos direitos individuais, me assusta faz alguns anos, Hugo. E elas vêm aumentando, virou moda. Por trás delas, percebo sempre a mesma idéia terrível, fascista: a de que há uma maneira certa de se viver.
ResponderExcluirEntre nós a moda começou - ou foi quando dela me dei conta - com a obrigatoriedade do uso do cinto de segurança. Eu aceitava que fosse obrigatório dispor desse dispositivo de segurança, mas a imposição do uso me revolta até hoje. Quando alguém alega que a diminuição do número de lesões corporais em decorrência do uso de cinto desonera os gastos públicos com saúde, fico mais revoltada ainda. Já tenho de agüentar a porra dos economistas regendo a politica e aí eles ainda vêm meter o bedelho na minha vida pessoal?
Como bem disse meu avô, que sempre tinha uma saída bem-humorada pra tudo: "Se proibirem de se andar na rua de sandálias de dedo para cortar os custos com arranhões nos pés, vou sair por aí de patins!"
Um abraço
Errata:
ResponderExcluirMeu comentário anterior, eu deveria tê-lo postado no post anterior. Refere-se, claro, à lei anti-burka.
Anga,
ResponderExcluirSim, não resta dúvida disso. Em dadas ocasiões é necessário que se proíba ou obrigue determinada conduta, mas a medida para tanto deve ser a comprovada lesividade da conduta em relação ao corpo social. Chegar a tanto não é fácil, por isso, eu insisto que uso da ferramenta legislativa deve ser sempre criteriosa e razoável. No que toca, especificamente, a práticas comuns e próprias de determinados grupos sociais minoritários, nem se fala.
O que me irrita mesmo é aquilo que eu chamo de infantilismo legislativo, isto é, produzir normas gerais e abstratas a torto e a direito de acordo com o que, pessoalmente, creio. Isso é mais desonesto do que aprovar uma lei por interesse financeiro próprio. O triste é que alguns segmentos humanistas e racionais, não raro, compactuam com isso. Não é questão de uma tolerância hipócrita, mas sim de que o espaço para querelas, disputa por ideias e críticas a certas culturas, não deve estar no plano legal, senão você está usando a máquina estatal para convalidar o que você pensa.
abraços
Hugo,
ResponderExcluirQuem diria que a Argentina saria na frente do Brasil quanto ao reconhecimento legal da união entre pessoas do mesmo sexo. Aliás os argentinos tem nos dado bons exemplos como a nova legislação que põe fim ao monopólio da mídia. Para um país que já teve a pretensão de ser um farol de progresso a servir de guia para toda a América Latina, nossa lanterna anda um pouco baixa.
Acho muito difícil que algo parecido ocorra no Brasil, pelo menos num futuro muito próximo. A força da Igreja Católica é muito grande, mas acho que o que mais atrapalha da discussão sobre o projeto de união civil (aqui nem se fala em matrimônio gay) é a bancada evangélica. Não sei como está disposto o Congresso atual, mas a coisa de quatro anos atrás a representação evangélica no Parlamento era proporcionalmente muito maior que a parlela de participação dos evangélicos na sociedade brasileira. Posso estar exagerando, mas acho que politicamente a força dos evangélicos, hoje, é maior que a da Igreja Coltólica, ou pelo menos é tão forte quanto ela. Católico nem sempre vota em católico, mas evangélicos sempre votam em evangélicos (ou em que é apoiado pela Igreja).
Não sei se algo assim acontece na Argentina.
Anga,
ResponderExcluirNão se preocupe, os posts dialogam entre si. É a questão do uso da Lei para legitimar posições contrárias às minorias. O ponto é que, muito embora setores da extrema-direita sejam contrários a ambos - e deve haver alguém de extrema-esquerda que ainda vê o homossexualidade como "desvio burguês", ainda que seja minoritário -, em muitos casos, alguns setores da esquerda veem ambas as questões como 'conquistas' - por uma concepção falsa de História, onde o religioso é o "atraso", admitindo medidas legais coercitivas para varrer isso do mapa, ainda que por vezes se digam contra a própria ideia de Estado.
abraços
Edu,
ResponderExcluirBem lembrado, meu velho, a Lei de Mídia recentemente aprovada naquele país - que, inclusive, debatemos aqui - foi outra grande conquista do Governo de Cristina Kirchner. No Brasil, realizamos debates como a CONFECOM e pouco que vai para o papel, é praticamente reduzido a uma carta de intenções - o que não deixa de ser positivo, mas poderia ser mais do que isso.
Sobre a questão religiosa na argentina, em primeiro lugar, a Igreja goza de mais força política lá do que aqui - isso é uma constante nos países hispano-americanos -, inclusive porque as melhores cabeças do clero local sempre foram conservadores ou reacionários, diferentemente da Igreja brasileira que foi muito enfraquecida nas últimas décadas por suas posições consideravelmente mais progressistas do que a média mundial - sobretudo no que toca os dois últimos papas.
Sou de família católica e estudo numa universidade que não obstante o fato de ser católica, é também pontifícia, e sei a gravidade da crise da Igreja no Brasil - no mundo não está fácil, aqui, nem se fala. O problema é que o clero atual subiu ao poder com o boicote e uma verdadeira caça às bruxas contra a Teologia da Libertação, falta-lhe projeto, na verdade, eles têm apenas um anti-projeto - ainda que seja válido ressaltar que mesmo alguns setores progressistas da Igreja em termos de direitos sociais, seja retrógrado no que toca os direitos individuais também.
Aí, chegamos ao elemento evangélico. Sim, ele é um problema. Existe um desrespeito muito mais agudo em relação à laicidade do Estado por parte dos parlamentares evangélicos do que por parte dos católicos - o que não é pouca coisa. As pessoas se esquecem que se esse equilíbrio é ameaçado, você pode abrir uma caixa de pandora que pode ser usada para a perseguição do seu próprio grupo. Os ortodoxos, na Rússia, experimentaram isso da forma trágica. Ainda assim, os melhores quadros evangélicos - como uma Marina Silva, por exemplo - chegam a desrespeitar os eixos tirados pelo seu próprio partido para fazer valer uma posição que é sua enquanto fiel. O modo como as bancadas partidárias se desmontam quando da votação de projetos de lei que tratam de direitos e garantias individuais, surgindo bancadas "católicas" e "evangélicas" é ridículo. Ainda assim, retomo, os quadros católicos de esquerda conseguem fazer essa distinção entre o que são convicções pessoais e política legislativa, creio que o Plínio de Arruda Sampaio seja um bom exemplo disso.
abração
E concluindo meu raciocínio, Creio que seria mais fácil aprovar o matrimônio gay no Brasil do que na Argentina. pesados prós e contras, o Brasil tem uma cultura mais laica do que a Argentina, o que falta é uma força política organizada disposta a correr riscos e catalizar o apoio da sociedade - para fazer valer o que está na própria Constituição. E não me venham dizer que é questão de medo de perder eleições, porque as principais forças partidárias nacionais da atualidade são laicas e (supostamente) defensoras do Estado Laico.
ResponderExcluirEspero que nossos legisladores brasileiros, não tenham a mesma idéia de aprovar o homomonio entre pessoas do mesmo sexo, porque já começamos a sentir na pele o que essa lei aqui na Argentina está fazendo. Em plena 15h da tarde com as crianças vendo tv, passando vários casais homossexuais se beijando, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo.
ResponderExcluirA mim me parece ótimo o que está acontecendo na Argentina. Aqui é só questão de tempo e um pouco de vontade política.
ResponderExcluirabraços
Sou espanhol e morei na argentina quatro anos e no brasil, outros quatro anos. Eu nao concordo com a ideia do que no brasil seria mais facil aprovar a lei de matrimonio gay. Contrariamente ao que todo o mundo acha, Argentina e muito mais liberal do que o brasil. A clase media argentina e completamente a favor do matrimonio do mesmo sexo. Nas boates heterosexuais de buenos aires, onde costumava ir com minha namorada, voce podia ver casais gays se beijando sem ninguem falar nada pra eles. Isso voce nunca ve no brasil, so nas boates de publico alternativo.
ResponderExcluirnas ruas de buenos aires, voce ve casais gays de maos dadas, no brasil nao; na tv argentian, voce ve beijos gay no horario da tarde, no brasil nao. A presidenta argentina se manifesta publicamente a favor dos direitos gays, sem receio nenhum, nao brasil, lula prefere ficar caladinho. E absimal a diferenca. E atribuo isso a um altissimo nivel cultural da clase media argentina, q supera ampliamente ao do brasil.
Anônimo,
ResponderExcluirA nossa discordância é que enquanto você acredita que a situação na Argentina é mais favorável aos homossexuais do que no Brasil porque, entre outras coisas, os políticos de lá intervêm com mais dureza em prol dos direitos dos gays, eu penso o contrário: O Brasil é um campo menos minado para avançar se avançar nessa luta, o problema, é que faltam soldados - isto é políticos e agremiações políticas suficientemente organizadas para empreender essa luta. Enfim, a situação argentina é fruto de intervenções racionais de atores políticos relevantes, ao Brasil, falta isso - falta organização e coragem. Nada vem do nada.
Quando digo que seria mais fácil aprovar o matrimônio gay no Brasil do que na Argentina é que, aqui, a conjuntura é mais razoável do que pensa. Falta uma vontade organizada em torno disso. Veja, por que diabos até 1994 o Presidente da Argentina deveria ser obrigatoriamente católico e o Estado já era laico no Brasil há mais de um século? Quem tem culpa no cartório são partidos de esquerda - PT inclusive - e o próprio movimento gay - que se organiza mal nesse sentido.
Peguemos, por exemplo, a enorme Parada do Orgulho Gay em São Paulo: Ao mesmo tempo em que ela revela essa questão da vontade política - afinal, quando a petista Marta Suplicy se decidiu em favor de sua realização conseguiu implementar isso com relativa facilidade -, ela também revela um grau de inépcia dos movimentos de reivindicação que ao invés de darem um viés agudamente político para aquele dia - para poder festejar livremente todos os dias do ano -, acabam errando a mão na sua carnavalização. Essa minha avaliação do segundo aspecto da Parada coincide, aliás, com o que pensa o grande teatrólogo brasileiro - e homossexual - José Celso Martinez Côrrea: Se houvesse mais seriedade ali, uma parada que reúne mais de um milhão de pessoas conseguiria, pelo menos, pautar o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
abraços