quarta-feira, 21 de julho de 2010

Serra e as FARC

(Pára-militares Colombianos, provas-vivas de que o jogo é bem mais complexo do que Serra faz parecer)


Se existe uma coisa patente nesta campanha eleitoral é a quantidade de factóides produzidos por minuto. Impossível acompanhar todos, a menos que você esteja debruçado vinte e quatro horas sobre as eleições. Também não seria o caso de ficar jogando informação paranoicamente, essa não é proposta daqui d'O Descurvo - muito pelo contrário, o objetivo deste blog é matar a bola da overdose de informações no peito e cadenciar o jogo de forma racional. Em suma, a questão aqui é avaliar criticamente e sem sucumbir às exigências do "tempo". 

Para quem desconhece o termo, "factóide" é um suposto fato político, lançado no ar por algum candidato ou por um governante, que pode ser verdadeiro ou não - mas pela matéria que se trata ou pela pessoa a quem se refere, é possível, ainda que isso pouco importe, quem fala, não tem essa intenção. É difícil que algum adversário produza um factóide dizendo que Plínio de Arruda Sampaio recebe dinheiro de associações neonazistas do Grande ABC, mas o mesmo não se pode dizer de um factóide onde ele seja financiado integralmente por Cuba - embora claramente absurdo.

Pois bem, a questão é que a candidatura do candidato da oposição, o tucano José Serra, até agora, é uma sequência de factóides. Muitos das quais terceirizadas pela "grande" mídia que, via de regra, está alinhada com sua candidatura, além de outras tantas que começam a vir de sua boca e, em especial, do seu vice, Índio da Costa, numa campanha que é a dissimulação em estado puro - onde não se sabe se bolsa família é "bolsa-esmola" ou se foi invenção de FHC, sendo essa última, a falácia recorrente quando o discurso serrista toma um viés mais, por assim dizer, "social", o que pode ser facilmente desmentido.

No entanto, Índio, um vice obscuro escolhido à revelia do cabeça de chapa, é aquilo que pode se chamar de militante de direita padrão. Ele puxa a campanha de Serra para a direita. Vejamos, embora as dissimulações, a campanha serrista oscilava mais para dizer que a questão não era discutir o Governo Lula, mas sim em apresentar alternativas para depois, dizendo que o Brasil pode mais - fazendo até críticas por um viés desenvolvimentista. Mudava a plateia, claro, mudava o discurso, mas o a linha geral, para o "grande público" era a primeira, o que não era condenado pela segunda plateia, que via como uma "astúcia" em um jogo que vale tudo. Com Índio, a tese do bolsa-esmola torna-se mote.

Entre os factóides que o nobre deputado carioca soltou, o maior foi envolvimento do PT com as FARC. Pior, se antes algumas das besteiras que Índio soltou pelos cotovelos lhe valerem  repreensões da coordenação de campanha serrista, esta, Serra encampou publicamente. Uma resposta contundente, simples e precisa para a questão foi a de Brizola Neto:

"O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso defende publicamente a legalização da maconha como forma de superar o problema da criminalidade ligada ao narcotráfico. Concorde-se ou discorde-se dele, isso não dá a ninguém, exceto a quem seja um crápula, o direito de dizer que o ex-presidente é ligado ao uso de drogas. Seria uma infâmia, uma calúnia, um ato odioso. Se o PT e outras forças políticas defenderam ou defendem a negociação com o movimento guerrilheiro das FARC como forma de superar os impasses políticos que, há décadas, consomem vastas áreas da Colômbia, isso igualmente não dá a ninguém o direito de dizer que, por isso, são ligados ao terrorismo. É uma mentira infamante, um ato de oportunismo tão grande quanto o que se apontou no parágrafo anterior."
Ora essa, sabe-se que o PT sempre defendeu uma saída negociada para a Guerra Civil que vitima a Colômbia há quase meio século. Sabe-se que o PSDB, pelo menos no Governo, defendeu o mesmo - e que FHC declarou, publica e orgulhosamente, ter negado a proposta de Clinton segundo a qual o Brasil deveria ajudar - militarmente - a "normalizar" a situação do país vizinho. Mais do que isso, apesar de que tenha sido com algum atraso - coincidentemente depois do seu Governo -, hoje, o ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso se empenha na luta pela resolução do problema das drogas defendendo sua liberalização. Enfim, dizer como isso é essa afirmação de Serra não é apenas um factóide - e um factóide ruim por ser completamente ilógico -, Brizola Neto já o fez: Se o PT é ligado ao tráfico por isso, o PSDB também o é, mas evidentemente não é o caso. 


O aspecto que me interessa - além de reiterar aos incansáveis frequentadores deste blog a minha decepção com o baixo nível do debate nesta campanha - é o quão Serra é temerário. Já não é a primeira vez que ele dá passos errados e comete erros gravíssimos para alguém que quer ser Presidente. Acusar mentirosamente o PT é o menor dos problemas que ele está causando quando faz afirmações como essas: A questão aqui é como a ambição pessoal do candidato é tão grande que ele é incapaz de considerar o quão delicado é o quadro humanitário da Colômbia, um dos países com um dos maiores números de refugiados de guerra do mundo. Nada disso, o que importa é a campanha e diz-se o que bem entende, pouco importando a gravidade da matéria da qual trata. 


Já não é a primeira vez que isso acontece, aliás, os acusações até agora sem provas contra a Bolívia, contra a viabilidade do Mercosul - à revelia dos números - atentam para essa nuance particular do candidato Serra. Sobra verborragia e falta conhecimento de política externa, sempre que na falta de ideias, repete-se o "exemplo chileno", como se um país do tamanho do Brasil pudesse seguir o exemplo do nosso vizinho, cujas características econômicas, ainda por cima, são totalmente diversas das nossas. 


Autismo político é sinal de falta de senso republicano, o que foi patente nos seus governos na Capital e no Estado de São Paulo. Isso, como discutimos aqui é um enorme perigo em termos de política legislativa, mas na questão da administração pública, principalmente em termos de Política externa, é fatal. Honestamente, esperava que Serra mudasse um pouco para a campanha presidencial, pelo menos sendo o Serra dos anos 90, mas a cada minuto que passa, as coisas ficam piores e os riscos são tremendos. Quando tudo, até mesmo guerras civis, passam a ser enquadradas na lógica de classificação reducionista, binarista e, sobretudo, desumana que divide os fatos - e as pessoas - em instrumentos e obstáculos, aí, sim, temos realmente nuvens negras no horizonte.

14 comentários:

  1. Tão lamentável que até hesitei em colocar, mas vamos lá: lembram quando o Hugo Chavez ajudou a libertar Ingrid e outras pessoas? A Veja disse que Chavez foi "embaixador do narcotráfico"! Os outros jornais do mundo disseram que Chavez ajudou na negociação. Aí sabe o que a tresloucada Veja diz? Que eles veem com tristeza que os jornais nacionais e INTERNACIONAIS são cooptadas pela esquerda, que todos são de ESQUERDA(!) e FINGEM bater na esquerda para enganarem o leitor e continuar defendendo o esquerdismo (exemplificam o apoio dos jornais ao Barack HUSSEIN Obama).

    Portanto Veja: o único jornal de direita DO MUNDO!

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  2. Célio,

    Sim, eu lembro. Tratou-se de um esforço ímpar da diplomacia venezuelana junto à Cruz Vermelha - quase atrapalhada pelas tresloucadas forças especiais colombianas - e, como era de se esperar, a mídia brasileira não poderia admitir isso e reagiu de maneira fria à operação assim como, pra variar, não denunciou Uribe.

    O fato é que eles odeiam Chávez com todas as suas forças porque ele fez uma coisa na Venezuela que assustou a todo Oligopólio midiático nacional: Não renovou um contrato de concessão pública. Algo perfeitamente legal.

    Qualquer iniciado no Direito Civil burguês sabe que as obrigações de uma espécie de contrato com termo final fixado a tempo certo - ou que encontram limitação temporal na própria Lei, o que era o caso - terminam quando da data da expiração. Fim de contrato, fim de papo.

    No entanto, esse simples ato do Estado Venezuelano provocou o temor de todo essa gente, inclusive no Brasil. A mídia mais do que produtora de ideologia, é uma grupo de interesse específico, não necessariamente ela tem um projeto público - olha que ela até tem, mas isso não é seu foco principal -, mas sim certos objetivos privados claros. Para esse Oligopólio, o anti-imperialismo de Chávez - ou qualquer defeito seu, e olha que ele tem muitos - incomoda menos do que sua política de comunicação.

    A Veja, claro, é um caso extremo. O extremismo que ela ecoa é algo totalmente anormal. A única explicação que eu encontro para esse fenômeno foi a compra de parte do capital acionário da Abri, há alguns anos atrás, pela Naspers - sim, aquele grupo sul-africano que foi ligado ao regime do Apartheid.

    A revista tornou-se desde então um misto agudo de paranóia reacionária com ruindade técnica - o que são fenômenos paralelos, o extremismo de direita não prescinde do rebaixamento da linguagem (o que não se confunde com sua simplificação).

    um abraço

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  3. O Serra evocando o "modelo chileno" deve fazer o sogro dele dar voltas no túmulo.

    Aliás, se eu fosse a mulher do Serra dava um soco na cara dele se ele falasse isso.

    Obviamente que para implantar este tipo de política externa que está anunciando na campanha Serra teria que substituir todo o pessoal do Itamaraty.

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  4. Ecelente post, meu caro, amanhã farei postagem sobre o mesmo assunto e estarás mais que linkado1=)

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  5. André,

    Pois é, a política externa chilena atual é o resultado da Era Pinochet, quando a elite local voltou o Chile para o Pacífico e para os EUA - seja para se livrar dos incômodos políticos que um aprofundamento econômico com o resto da América do Sul poderia lhes provocar como pela própria dinâmica da economia local: O Chile produz minério em larga quantidade e precisa vendê-lo para o mercado internacional para trocar as divisas por uma série de produtos que o país não é capaz de produzir.

    Os anos de governos do Consertación - isto é, da coalizão entre democratas cristãos e socialistas - não mudou essa realidade. O Chile não aderiu, por exemplo, ao Mercosul depois da redemocratização - e esse gesto é mais político do que econômico-estratégico, a esquerda local, em plenos anos 90, sempre foi mais covarde do que deveria lidando com a direita e a elite local. Bachelet ousou um pouco mais encampando a proposta da Unasul, mas com sua derrota, as coisas voltam à estaca zero.

    Serra então acredita que o Brasil, com sua economia muito maior e mais diversa que a do nosso vizinho, sendo fronteiriço com praticamente todo mundo no continente - menos com o próprio Chile e com o Equador - pode adotar uma política externa quem mesmo no Chile, é fruto de uma tensão de forças anormal. Isso não faz o mínimo sentido.

    Mónica Allende, parente distante de Salvador Allende, talvez, tenha motivos para dar um soco na cara de Serra. Mas não necessariamente por conta da política - mas quase. Deixo no ar e vou-me.

    abração.

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  6. Tsavkko,

    Obrigado, meu velho. Escreva lá que lerei e comentarei com o enxerimento que me é peculiar.

    abração

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  7. Excelente post Hugo. Catilinária de viés udenista se tornou a principal arma do discurso oposicionista. Lamentável.

    PS.: surpreso de saber que vc é tão jovem. :-)

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  8. Marola,

    Pois é, Serra abriu mão de qualquer projeto de país pra assumir-se como candidato de um segmento e seus interesses infinitos.Com um discurso desse tipo. Até Índio sua campanha era uma espécie de demagogia de circunstância, agora, toma um sentido claro. Isso, eleitoralmente - por um ponto de vista tático, claro - é bom para os seus adversários, mas é ruim para o debate público nacional e, sobretudo, uma ameaça relevante.

    abraço

    P.S.: As pessoas dizem isso. Lembro que quando fiz O Descurvo e o Idelber o linkou, o nosso querido biscoiteiro em animação suspensa também ficou surpreso. Vai ver é o meu jeito de escrever :-)

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  9. Hugo,

    Tenho a impressão de que, confirmada a vitória de Dilma _ que assim seja! _ Serra e sua trupe terão menos dificuldade em apontar onde erraram que em contar, um a um, todos os seus erros de campanha. Para um político que se diz tão preparado quanto José Serra, o amadorismo e a falta de rumo da sua candidatura será a grande decepção das eleições desse ano. Pelo menos para seus aliados.

    Mesmo que a revista Veja saia em seu socorro e traga na próxima edição uma reportagem de capa reforçando o factoide PT = Farcs _ o que não seria surpresa alguma em se tratando de Veja _ e que essa capa repercuta nos jornais dos dias seguintes _ o que também não seria surpresa nenhuma_, duvido que isso altere significativamente as intensões de votos em benefício do Serra. Vai apenas reforçar a ojeriza de quem já não votaria mesmo na candidata do PT.

    É um tipo de acusação que vai causar mais desgaste que benefícios. Talvez já seja uma demonstração precoce de quem já vislumbra a derrota e não se conforma por ser passado para trás. Coisa de menino birrento, que é isso que o Serra parece ser.

    Apaguei o comentário anterior sem querer :D

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  10. Edu,

    Concordo plenamente, mas cá entre nós, já imaginou o baque? O momento que essa gente cair em si. Porque isso, cedo ou tarde, vai acontecer. Como Serra derrotado ou no durante o Governo - a diferença é que na segunda opção nós também vamos sentir o baque, o que eu honestamente espero que não aconteça.

    Quanto à Veja, até hoje não entendi com qual intenção ela faz aquilo: Seria apenas interesse mercantil? Isto é, "explorar um nicho de mercado"? Ou alimentar um gueto minoritário, pautando-o politicamente? Ou eles acreditam que com isso estão se opondo mesmo ao Governo Lula (porque parece que não está funcionando muito)? Um dia vou entender isso, ainda que eu suspeite que o peso político daquele tipo de "jornalismo" é maior que a questão mercantil em si.

    abração

    P.S.: Pronto, dei um jeito ;-)

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  11. Hugo,

    Acho que tem um pouco dos dois, isto é, de mercantil e de politica. No Anti Tucano, o blog do Lucas Santos, tem uma frase que bem pode explicar o primeiro: "Com o tempo, uma imprensa cínica, mercenária, demagógica e corrupta formará um público tão vil quanto ela mesma." - Joseph Pulitzer (1847-1911). No caso da veja, que cabe direitinho nesta descrição, acho que, leitor e editora, um alimenta o outro. Mas há outros interesses de ordem econômica que precisam de garantias políticas para se materializarem. É o caso do mercado educacional paulista, por exemplo.

    Como você sabe eu sou professor da rede pública. Todas as apostilhas que o estado distribui para serem utilizadas por professores e alunos, seguem os componentes curriculares das coleções Ática e Scipinone, ambas da Editora Abril. Tem mais, a Abril também fornece o Guia do Estudante para os alunos do Terceiro ano do Ensino Médio e são os seus profissionais que elaboram e apresentam os cursos de formação continuada que a Secretaria da Educação oferece aos professores da rede estadual. Se não bastasse tanto privilégio ainda tem a revista Nova escola e Ensino Médio, publicações que tem a assinatura de dezenas de milhares de exemplares garantida pelo governo do estado. Imagina o prejuízo que a perda dessa mamata representaria para a Editora.

    Não é pouca coisa.

    Abraços!

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  12. É uma boa hipótese, Edu. Como você está lecionando na rede pública tem seguramente mais subsídios do que eu para avaliar o peso dessa aliança entre a referida empresa e o sistema de educação pública de São Paulo. Ainda tem o lance das assinaturas de revistas pela rede pública, não é mesmo? Como isso funciona?

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  13. Hugo, No ano passado teve uma história muito mal contada envolvendo assaturas da revista Nova Escola para todos os professores efetivos da rede. Assinaturas que seriam pagas pelo governo do estado. Alguns blogs exploraram bastante esse assunto que acabou parando nas páginas dos jornais.
    O fato é que depois da polêmica a entrega das revistas foi sendo suspensa aos poucos. Na época a Editora Abril e a Secretaria da Educação declararam que não se tratava de uma assinatura compulsória, mas de uma cortesia aos professores que poderiam aptar pela assinatura caso houvesse interesse.

    Eu não era professor efetivo, por isso fiquei de fora da cortesia.

    Todas as escolas estaduais recebem exemplares das revistas Veja, Superinteressante, Nova Escola, Ensino Médio e Guia do Estudante. A quantidade vairia de uma escola para outra. As revistas Galileu, da editora Globo, e Ciência Hoje, também são recebidas pelas escolas. A que leciono tembém recebe dois exemplares do Estadão e dois da Folha de São Paulo e, dizem, que a partir do ano que vem também receberemos exemplares do El Pais.

    Eu não vejo nada de errado na assinatura, pelo governo do estado, de publicações que tenham valores educacionais e informativos. Pelo contrário, acho até que o leque de opções deveria ser bem maior. E esse é o problema. Existem muitas publicações interessantes, de todas as áreas, e de mais editoras, que enriqueceriam muito as blibliotecas escolares, mas apenas algumas são comtempladas. Ou melhor, apenas alguns interesses são contemplados.

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  14. Entendo, Edu. Obrigado por compartilhar essas informações conosco. É aquilo que eu sempre digo lá pela PUC: O Estado provedor para mim e para meus amigos e o livre-mercado para os inimigos. Por essa e por outras que eu insisto na tese de que tucanos não são liberais, mas uma espécie bem peculiar da nossa fauna.

    um abraço

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