domingo, 24 de outubro de 2010

Eleições 2010: A Última Semana, depois de Dossiês e Bolinhas de Papel

(Cruzadas -- a religião como pretexto para a violência e a dominação)

Esta é a última semana da campanha eleitoral mais longa da história do Brasil - e, ao mesmo tempo, da mais suja, obscurantista e preocupante campanha desde o fim da ditadura militar, ouso em dizer, pior do que a de 1989. Também, da eleição mais importante para os rumos do país nas próximas décadas. Sinceramente, me assustei com muitas coisas, dentre elas com o grau de irracionalidade do discurso da direita, algo que rompeu definitiva e irremediavelmente com o consenso de modernização conservadora - com o PSDB a frente, mas com o DEM junto - dos anos 90 para dar lugar a um discurso perigoso, violento e cínico - assentado sobre o discurso de uma mídia corporativa, que há muito deixou de informar para fazer política partidária, e alinhado a um extremismo religioso belicoso, para o horror de liberais como Cláudio Lembo.


Depois dos reiterados erros de campanha do PT em Setembro, deixando a peteca cair ao insistir  pela política do mínimo esforço - sem mover sua militância, convocar intelectuais e artistas ou pautar as diferenças entre os dois projetos (e seus respectivos efeitos) - enquanto o a campanha serrista radicalizava no discurso de desconstrução da figura pessoal de Dilma - o que, apesar de não resultar em transferência de votos para Serra, tirava votos de Dilma para Marina -, o que resultou no segundo turno.Tivemos, depois, uma primeira semana de natural crescimento de Serra, Dilma acertou na mosca no debate da Bandeirantes, onde ela reverteu o quadro, acabou com a falácia do aborto e passou a pautar a campanha. Estava claro que a semana passada era decisiva para a campanha. E Dilma se saiu enormemente melhor do que Serra, pautando a campanha, comparando governos e expondo as falhas do seu adversário em São Paulo. Mais do que isso, os atos do PT no Teatro Casa Grande no Rio ou no Tuca em São Paulo (que eu não pude ir e estou chutando minha canela até agora por conta disso) deram uma energia enorme para a campanha.


O cenário atual, no entanto, é pautado pelo episódio mais jocoso da história política nacional: Em passeata no Rio de Janeiro, realizada nas imediações do sindicato dos mata-mosquitos - aqueles mesmos que Serra demitiu quando era Ministro da Saúde porque, por óbvio, eles eram culpados pela epidemia de dengue que assolava o estado -, Serra se viu diante de uma intensa manifestação popular contra sua figura, enquanto caminhava protegido por um gigantesco aparato de segurança - que, no entanto, foi furado por uma bolinha de papel que acertou Serra. Eis que o candidato tucano seguiu a caminhada e depois de uma ligação "começou a se sentir mal" e foi para um hospital. Serra, como bem observou Paulo Nogueira - dos típicos intelectuais historicamente próximos ao PSDB que pularam do barco -, deve ser a primeira pessoa do mundo a fazer tomografia por conta de uma "fita crepe" - o que é até uma bondade do Nogueira, afinal, tratou-se de uma bolinha de papel mesmo.


Como se não bastasse, a mídia - Folha a frente - voltou a requentar a história do dossiê contra Serra e a liga-lo a  equipe de campanha de Dilma. A Record, no entanto, contou a verdadeira história, coisa que o pessoal que frequenta este canto da blogosfera conhece bem: O dossiê foi montado pelo jornalista Amaury Jr. há um ano, sua ligação, portanto, nada tem a ver com Dilma ou o PT, mas sim com o fogo amigo dentro do PSDB, em um momento em que Serra e Aécio se degladiavam pela indicação à vaga de candidato à Presidência pelo referido partido. O tiro da midia saiu rapidamente pela culatra enquanto o fantasma da bolinha de papel colocava a campanha de Serra definitivamente no rol da total irracionalidade .


Por outro lado, os principais institutos de pesquisas finalmente começaram a concordar apontando 50% x 40% para Dilma no Datafolha, 51% x 40% no Ibope e 51% a 39% no Vox - o que daria uma média de 50,66% x 39,66% para a candidata petista, ou 56% a 44% no voto válido. Nenhuma dessas pesquisas, no entanto, captou o impacto da bolinha de papel sobre Serra, entretanto, o tracking interno do PT acusa crescimento de Dilma - o que deve ser visto com suas ressalvas como o próprio Rovai alerta, afinal trackings enxergam bem tendências, mas não são tão precisos assim (como o primeiro turno ensinou a todos). Isso passa ao largo de ser um já ganhou, mas sim que a campanha de Dilma entra bem melhor na volta final do que a de Serra, o que é fruto da mobilização dos eleitores e do partido, o que não deve ser interrompido agora. É fato também que a julgar por tudo que aconteceu, a campanha de Serra irá apelar como nunca nessa última semana e tudo - menos propostas ou críticas válidas - é possível.


P.S.: Achei um vídeo da saída de Dilma do TUCA depois daquele memorável debate do primeiro turno. Eu apareço por volta do 1:58 indo cumprimenta-la (A filmagem comprova a saída em fuga de Serra). 


Atualização: Vale a pena ler a reportagem da Istoé sobre a Guerra Religiosa de Serra (em duas partes, aqui e aqui).

8 comentários:

  1. Hugo,

    Essa da bolinha de papel vai entrar para a história. Não poderia haver prova maior do mal-caratísmo dos tucana e da imprensa que os apoia.
    Hoje, no blog do Nassif, assisti a um vídeo que sugere que um dos seguranças do Serra é que lhe teria atirado a tal bolinha de papel. Como tenho o candidato tucano na mais baixa conta, não duvido nada.

    Ontem me encontrei com alguns amigos numa pizzaria e dois deles, eleitores convictos do Serra,apesar de acreditarem que tudo não passou de armação, acham que foi uma armação válida para evitar a vitória do PT. O engraçado é que ontem recebi vários e-mails contra a Dilma, um deles de um irmão. Engraçado porque as mensagens tem o mesmo teor dos comentários na mesa da pizzaria. Sem ser ingênuas, passam a ideia de que vale tudo para garantir a vitória do Serra e que divulgar boatos seria um mal menor necessário para se evitar um mal maior.

    Outras armações devem vir por ai, mas sigo confiando na vitória de Dilma. Mas, mesmo que Serra perca esta eleição, a grande vencedora, na minha opinião, será a grande imprensa. Com todos as manipulações durante a campanha, ela mostrou que ainda está viva, que não pode ser menosprezada _ como foi por alguns setores da blogosfera _ e que não vai entregar os pontos assim, tão facilmente.

    Se ganhar, talvez Dilma tenha que conviver com uma imprensa ainda mais hostil que a enfrentada por Lula.

    Tentei avistar você no vídeo, mas com o perdão da brincadeira, a falsa fita crepe apareceu mais no outro vídeo que você neste. : )


    Abraço!

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  2. Eduardo,

    Grande parte da base de Serra entrou em pane com o evento da bolinha de papel. Mesmo que alguns não deixem de votar, houve quem deixasse e há quem vote, mas sem muita empolgação - o que os anula como potenciais cabos eleitorais -; mais do que isso, isso é elemento para reforçar a tendência dos indecisos votarem em Dilma.

    Agora, discordo da sua análise sobre a mídia tradicional. Com a provável vitória de Dilma, vai ser um grande vitória...do projeto de Lula e do PT do qual ela fez parte ativamente. É claro que isso deixará claro que é necessário democratizar a comunicação, mas fosse em outros tempos, Dilma perderia.

    Eu apareci rapidinho, mas quem me conhece pessoalmente me reconhece :-)

    abraços

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  3. Hugo,

    Disse isso porque nos primeiros dias da campanha, com o crescimento da candidata Dilma mas pesquisas, apesar da cobertura desfavorável na imprensa, muita gente dizia que a mídia havia perdido seu poder de influênciar a opinião pública. Veio a reação e a imprensa _ claro que houve outros elementos, mas a imprensa soube aproveita-los muito bem _ conseguiu levar a decisão para o 2o turno. Exatamente como em 2006.

    A grande imprensa pode até não conseguir evitar a eleição de Dilma, como também não conseguiu evitar, por duas vezes, a eleição de lula, mas mostrou que ainda tem força suficiente para atrapalhar bastante.

    Outra coisa: Não sou especialista em imprensa _ ea bem da verdade não sou especialista em coisa nenhuma _, mas acho que a partir de agora o público mais conservador ganhará importãncia ainda maior que anteriormente para os meios de comunicação. A sobrevida do modelo atual dependerá desse seguimento da sociedade, e ele vai ser bem alimentado a partir de agora.

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  4. Edu,

    Sim, eu concordo que houve um exagero de alguns setores quanto a morte da mídia tradicional. Mas também houve um erro muito grave do PT. Se esta campanha de agora estivesse sendo feita no Primeiro Turno, mas especificamente em Setembro, as coisas teriam sido outras. Mas sim, a tendência é que o discurso fique extremo depois dos primeiros meses - a premissa da qual eles partirão é que Dilma não é Lula.

    abraços

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  5. Oi Hugo!
    Prá mim o grande erro foi o PT não ter se preparado para o segundo turno. Não ganhamos no primeiro e bateu aquele desespero. O debate da Band mostrou uma mudança na coordenação da campanha mas acredito que, principalmente, motivou a militância a tomá-la em suas mãos. Esse post do NPTO capta maravilhosamente essa atitude: http://napraticaateoriaeoutra.org/?p=7437

    Hoje fiz panfletagem no centro de Manaus. Muito legal. Quase todo mundo recebeu bem e muitos já diziam que é Dilma mesmo e pronto!

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  6. O episódio da bolinha de papel foi bizarro, medonho. Quase inacreditável. E a mídia, sabendo da cena, não foi ao hospital. Daí o candidato liga, bravo, chamando alguém...
    Virou piada internacional.
    Agora, pensando sobre a campanha, o que me espantou foi a retomada do discurso da extrema-direita. Isso sim merece atenção. É o discurso do preconceito e do individualismo. Marcado por moralidade arcaica e pueril. E factoides de quinta categoria.

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  7. Adriano,

    Eu creio que faltou ao PT mobilizar mais os variados setores da sociedade civil e marcar território com mais clareza no Primeiro Turno - nós fizemos isso, eles fizeram aquilo. Faltou essa gana e também em certos momentos subestimou-se o adversário e sua capacidade de descer a apelar. Mas é o que eu tenho dito para os meus amigos: Temos de fazer a diferença nas ruas mesmo. Nas ruas, indo a atos da campanha, conversando com vizinhos e amigos, mandando e-mails, desconstruindo mitos e mistificações. Bacana a sua panfletagem.

    abração

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  8. Exato, Anônimo. Depois do episódio da Ditabranda, eu tive a certeza não apenas de que a campanha presidencial 2010 já tinha sido iniciado mais de um ano antes do tempo como também ela seria bem suja - surpreendeu-me, no entanto, essa segunda rearticulação da direita, durante a campanha, usando dos idiotas úteis da esquerda e de uma estética de guerra. É o medo de ver o país mudar mesmo, com presidente mulher com maioria no Congresso, o dinheiro do pré-sal e a estabilidade social (e não mais apenas monetária). Isso tende a piorar enquanto a provável administração Dilma tenderá a obter êxitos bem grandes. Será um quadro interessante.

    abraços

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