quarta-feira, 20 de outubro de 2010

Greve Geral na França

(Manifestantes em Paris -- AFP)

Temos tratado bastante sobre França aqui. E com muita preocupação. A proibição da burca e a expulsão dos ciganos como uma espécie de cortina de fumaça tétrica diante do esfacelamento das condições gerais que asseguravam a face humana do capitalismo local: Agora, enquanto cá nos vemos assombrados por uma campanha presidencial que parece durar décadas pela maneira sombria como se apresenta, por lá, na terra que pariu os conceitos gerais que moldam a forma como vemos a o mundo, a emergência da luta de classes se afirma, depois de uma certa dormência - causada por condições conjunturais internas e externas que resultavam numa teia de relações mascaradora, numa supressão de sintomas sem a cura do mal -, que ora se interrompe quando as fundações cenográficas caem por terra e a conta precisa ser paga por alguém.


A Greve Geral em curso tem o apoio de 71% da população francesa, enquanto seu Presidente, Nicolas Sarkozy, resta com uma desaprovação de 61%. Não existe possibilidade de candura na análise do que está em jogo. A retórica conservadora de parte da mídia francesa - e de quase a totalidade da brasileira que cobre tais acontecimentos - faz uso do argumento do "remédio amargo", o que se torna uma falácia cruel e grosseira quando não se investiga - ou quando se deixa de investigar - as causas próximas do fenômeno, pelo menos - ou, no máximo, assistimos à apresentação da falácia dos "dois lados" na qual o Governo Francês é mostrado como autor de uma reforma dura e a população entenda isso como "um risco" ao bem-estar social, como se uma greve aprovada por quase três quartos das pessoas pudesse nutrir algum tipo de simetria em relação ao achismo de um governo (e como está no link do Estadão acima inserido com suas devidas ressalvas).


Impossível não votar à análise dos últimos parágrafos do post sobre a expulsão dos ciganos aqui: Ora, diante do esfacelamento da estrutura precária da União Europeia - tragédia anunciada entre tragédias anunciadas nas conversas cotidianas de eurocéticos sérios - e de toda a Crise Mundial, o Estado Francês mantém a mesma postura autista de não bater de frente com a política econômica comum, continua incapaz de traçar novos rumos para a economia doméstica e agora repassa a conta para a sociedade civil. O grau de crise atual é grave e tende a se aprofundar nos próximos anos - até porque a atual greve geral é uma convulsão febril de um processo infeccioso que começa já nos primeiros momentos do Governo Chirac, ora agravado pelo lamentável Sarkozy, seu sucessor.


A França não padece dos problemas históricos que a Itália tem - e o que faz com que sua vizinha não consiga produzir uma saída efetiva para a erosão em que ela se encontra -, o que pode resultar em virada de vento enorme por ali, o ponto é que neste momento não existe uma vontade organizada efetiva na esquerda assim como a classe dominante ainda se alinha com a estrutura partidária do UMP e das instituições locais. Sem uma reforma profunda, entretanto, é difícil imaginar que a situação não degringole ao longo dos anos que se seguem. Mantenhamos o olho lá.

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