(Domingos Dutra e Manoel da Conceição - por Janine Moraes /Esp. CB/D.A Press)
O fenômeno é muito mais complexo do que uma mera capitulação do PT às oligarquias. A política do Governo Lula para o Nordeste, por exemplo, não é a mesma política de Sarney, muito embora ele estejam aliados. É diferente, por exemplo, do que FHC fez ao se aliar com ACM no plano parlamentar, pois naquela ocasião toda região nordestina lhe foi entregue como se fosse ela um vice-reinado ou coisa do tipo. O Maranhão mudou e foi favorecido pelos avanços do governo Lula no plano econômico-financeiro, ele não ficou alheio como um feudo total e completo, mas politicamente não se tocou, nem se pensou em tocar, no domínio dos Sarney, muito pelo contrário, a cabeça de Jackson Lago foi entregue placidamente ano passado, como bem sabemos.
A família Sarney procurou não confrontar Lula. Primeiro, porque restam mágoas imensas contra Serra e o PSDB pelo abortamente da carreira política de Roseana, isto é, das suas chances de chegar à Presidência, pois como é público e notório, o atual candidato do PSDB - e candidato em 2002 - usou a Polícia Federal para denunciar os esquemas nos quais estavam envolvidos ela e seu marido. Segundo, porque os programas de desenvolvimento econômico e de redistribuição de renda teriam um particular impacto no Nordeste, lutar contra isso seria o suficiente para ser linchado pela turba - pelo menos eleitoralmente - como foi ACM e seu establishment na Bahia. Em troca de apoiar Lula, o que lhe é muito cômodo, Sarney só exigiria, claro, alguns ministérios escolhidos a dedo por seus aliados e a manutenção do controle da máquina no Maranhão. Foi o que aconteceu e as partes cumpriram o acordo.
Essa ferida exposta porém ignorada pelo campo da esquerda ficou lá, mas é óbvio que vem à tona nos tempos de eleição. Primeiro porque o PT maranhense - como em boa parte do PT nordestino - foi construído na luta contra o coronelismo que sobreviveu a todas as tranformações sofridas no Brasil na segunda metade do século 20º. Quando você pega uma figura como Manoel da Conceição, falamos de um cidadão que construiu sua carreira política lutando contra uma ditadura que, por sua vez, exercia seu poder, no Nordeste, por meio dos coroneis como toda e qualquer tirania estabelecida no poder central desde nossa independência. Isso significa que luta dele como de todo o PT do Maranhão se estruturou no confronto direto com os Sarney. Ver a centralização do PT nacional no sentido de que o PT local deveria apoiar Roseana, mesmo depois do diretório estadual ter deliberado por apoiar a candidatura do deputado do PC do B Flávio Dino, sem dúvida, lhe foi com um tiro no peito - para ele e seu companheiro de partido no Maranhão Domingos Dutra.
Depois de uma rebelião inicial, quando algumas figuras da coordenação da campanha de Dilma foram levados para apagar o fogo - isto é, dizer que não tinha jeito e era aquela a ordem - veio a ordem final, o que levou Manoel e Domingos a entrarem em greve de fome, o que pôs o PT nacional em xeque. Manoel além de ter um histórico no nordeste é idoso e diabético, ao se negar a se alimentar e a não tomar seus remédios não aguentaria por muito tempo. E eles não estavam brincando. O fato foi que o PT nacional recuou e permitiu que o PT-MA apoiasse Dino. Como o acordo nacional entre a base governista estabelece que se existirem dois ou mais candidatos a governador que apóiem Dilma, ela terá de subir no palanque de ambos, a candidata petista, então, estará obrigada a subir no palanque de Dino também, o que representa uma derrota profunda para os Sarney.
Eu poderia usar da mesma argumentação de um José Genoíno de que os dois fizeram o jogo da oposição, mas não faço porque estaria faltando com a verdade. A oposição, claro, se utilizou disso como se utilizaria - e se utilizará - de qualquer coisa contra Dilma e a fragilidade lógica da estratégia de alianças do PT é um ponto a ser explorado - como em sentido contrário, também se utiliza o racha do PSDB entre Aécio e Serra como uma arma contra a candidatura presidencial do último. De uma perspectiva de análise da política-partidária brasileira, os rachas no PT - pela incongruência de suas alianças regionais - e o racha tucano - pela falta de legitimidade da forma como seus candidatos são escolhidos - apenas são mostras da crise do sistema partidário brasileiro. Ademais, partindo de uma análise da história do PT, encontramos o precedente de tudo isso na célebre intervenção do Diretório Nacional no PT-RJ, o que simplesmente matou qualquer possibildade de desenvolvimento do partido da estrela regionalmente naquele estado.
O problema, claro, é mais profundo. Um exemplo de sua profundidade é como os socialistas russos deixaram os socialistas chineses à própria sorte contra os nacionalistas nos anos 20 e 30 porque a realpolitik stalinista apontava que, de uma perspectiva da anti-imperialista convinha apoiar os nacionalistas e não enfraquecê-los, propondo inclusive uma aliança dos socialistas com eles, apesar de que a conjuntura política interna tornasse tal tática completamente desprovida de lógica interna, isto é, a relação da burguesia chinesa com os camponeses e trabalhadores urbanos era insustentável. É a contradição entre tática e estratégia no campo político, isto é, entre meios e fins: Tenho determinados fins que são estruturam diante de toda uma produção teórica, mas eu preciso concretiza-los, a dificuldade que se enuncia desde o primeiro momento é que a complexidade da realidade concreta obriga a qualquer um a desviar-se, recorrer a artimanhas e astúcias para contornar as tortuosidades do caminho, mas não raro, isso pode levar a um desvio de finalidade.
Trata-se, portanto, de uma profunda questão Ética. No Brasil, quando se fala de "Ética na Política" logo se pensa na ideia de que todos devem ser bonzinhos no trato com a coisa público que tudo dará certo, uma ideia ingênua, sem dúvida oriunda, da superstições católico-medievais que herdamos - daí, surgem aqueles que defendem intransigentemente o cumprimento dos princípios e os realistas d'antanho propondo seu total descumprimento. Evidentemente, não isso que tratamos aqui. A Ética é a arte de se comportar, isto é, adequar os meios aos fins e vice-versa para resultar numa ação efetiva, e a Política quando assume função de adjetivo é a esfera de convivência da coletividade. De tal forma, temos uma situação em que o PT tem de adequar astuciosamente seus meios à conjuntura sem, no entanto, desviar-se de seus fins. Do ponto de vista eleitoral e nacional é evidente que o caminho a ser seguido seria o de um apoio à candidatura Roseana, mas isso não é, de uma perspectiva interna maranhense, logicamente congruente. O fato do PT nacional ter deliberado ter se aliado ao PMDB num plano nacional deve ordenar as alianças no plano estadual também, mas não deve ser o único fator a ser levado em conta, pois em matéria de conhecimento da situação estadual interna, a esfera competente é, sem dúvida, o diretório estadual.
Sopesados todos os fatores, a tendência deve ser que o diretórios estaduais larguem mão das candidaturas estaduais mesmo - já que essa é a parte do acordo estabelecido -, mas isso não deve ser estanque - isso partindo do pressuposto da inevitabilidade do acordo, tese da qual eu discordo, pois penso que se do ponto de vista eleitoral-nacional, ela parece ser necessária, da perspectiva progamático-governista, ela não é boa, em suma, eu tendo a discordar dela porque muito provavelmente a alta popularidade de Lula e a ideologia governista do PMDB tornassem essa aliança desnecessária. Como já está feito, que o PT oriente seus diretórios estaduais a apoiarem candidatos aliados para os governos estaduais, mas o faça por uma lógica - intrínseca e extrínseca - e que se use como baliza limitadora aqui que o velho Manoel da Conceição disse em carta para Lula: “Companheiro, tudo precisa ter algum limite, e tal limite é nossa dignidade.”
Quando vi a notícia do Manuel, até pensei em mandar para alguma das listas do Movimento Estudantil da PUC-SP pensando que se eu não mandar ninguém da Puc vai ficar sabendo dessa notícia do PT já que todos parecem só ligar para LER-QI, PSTU e PSOL.
ResponderExcluir(Como se vê além de pretensioso e errado ainda por cima sou esquecido pois não mandei!)
Você além de ficar sabendo até fez uma análise. Muito bom, estou sem palavras.
Obrigado, Célio. Em muitos momentos os debates em nossas listas acabam limitando-se aos coletivos que o pessoal participa - e a relação entre eles - e acaba faltando mesmo algo mais...conjuntural. Acho isso uma coisa meio umbilicalista.
ResponderExcluirum abraço
Hugo
ResponderExcluirCumprimento-o por tão profunda e correta análise.
Acompanhei momento a momento essa crise do PT maranhense e por momentos cheguei a temer que a cegueira política da direção nacional petista fosse ocasionar uma tragédia de dimensões inimagináveis.
No seu artigo encontrei link para a biografia do Manoel da Conceição,que é a de um verdadeiro herói popular.Conhecia apenas alguns aspectos da luta política dele.Essa matéria indicada no seu texto dá a verdadeira dimensão da grandeza desse herói brasileiro.
Hoje, meio por acaso,descobri vários vídeos no You Tube com Manoel da Conceição, geniais.
Dentre todos seleciono um para você ter uma idéia de como vale a pena ver todos:
http://www.youtube.com/watch?v=IC4k08ne450
Penso que esses vídeos com o Manoel, bem como essa biografia que vc. linkou, deviam ser vistos e lidos por todos os brasileiros.
Igualmente esse seu artigo, Hugo.
Parabéns!
Maria Lucia
Olá, Maria Lúcia, muito obrigado. Confesso que descobri a figura de Manoel da Conceição apenas depois da crise no Maranhão. Sem dúvida, trata-se de uma dessas magníficas personagens regionais desses brasis de meu deus, normalmente ignoradas pela grande mídia e até mesmo pela academia e os setores progressistas dos grandes centros, mas que trazem consigo um histórico de luta e resistência precioso. A luta dele diante do equívoco do PT nacional é das mais relevantes - e ilustra como o problema do elitismo das regiões mais ricas do país, notadamente São Paulo, se manifesta até mesmo em espaço que deveriam ser contra-hegemônicos. Tivéssemos mais cem manés desse e a história do PT seria outra. Tivéssemos a compreensão de que tão importante quanto criticar a direita é criticarmos a nós mesmo, a história do país seria outra.
ResponderExcluirbeijos
Enfim ainda há luz
ResponderExcluirxicobarreto,
ResponderExcluirAs poucas luzes que vimos na política brasileira dos últimos trinta anos se ligam, via de regra, a pessoas como o seu Mané, a figura do fundador do PT ligado a esquerda católica, aquele tipo que dorme tarde e acorda cedo para fazer política junto às bases - podendo ser acusada de tudo, menos de ser mal-intencionada.
Essa gente está idosa. Quem comprou essa briga tem setenta e cinco anos de idade. É o século 20º, ou pelo menos parte do projeto humanista, o mais potente jamais visto, que impediu a extinção da humanidade - ou sua redução a objetos - frente à irracionalidade. Pouco a pouco, esses velhinhos no deixam e a questão é que essa briga fica conosco, mas a minha geração precisa melhorar muito para escapar da encruzilhada atual. Saber que um homem septuagenário fez um sacrifício desses enquanto moleques de vinte e trinta anos estão iludidos pelos clichês fáceis pró ou anti-PT, é duro. Ainda há luz no fim do túnel, só esperemos que não seja um trem vindo.
um abraço
Hugo
ResponderExcluirCheguei até aqui por ter visto uma indicação desse seu artigo em um comentário no Azenha.
Achei excelente e vou divulgá-lo entre os colegas no meio universitário aqui no Rio de Janeiro,onde curso o segundo ano de Medicina.
Andamos debatendo sobre o quadro maranhense na semana passada.
Também considero líderes políticos como Manoel da Conceição da maior importância para podermos seguir em frente em nossas lutas.A biografia dele que vc linkou é interessantíssima. Ponto altíssimo quando ele analisa a China e os conselhos de Mao Tse Tung. Seo Manoel formula e teoriza com lúcida clareza, não é mesmo? Oxalá nossos "telectuais" bebessem da mesma fonte com a mesma simplicidade e precisão.
Penso que para nós universitários a educação política deve começar por conhecermos a vida e as lutas desses nossos heróis, pela prática política do movimento estudantil e daí vamos para a teoria.E tome dialética!
Vi os vídeos do "seo" Manoel que a Maria Lucia indicou acima. É um excelente material para ensejar debates.
Aqui segue a url de uma carta dele ao Lula, antes da greve de fome, que achei super maneira:
https://ieonline.microsoft.com/#ieslice
Parabéns pelo seu artigo e por todo o blog.
O modo como vc. escreve sobre futebol até me anima a conhecer melhor o esporte.
Saudações universitárias!
Venceremos!
Aline
Olá, Aline, obrigado pelas palavras e pelo incentivo. Nós sentimos e por isso pensamos, não existem acesses espirituais - muito embora continuemos a chamar isso de teoria -, apenas a ação humana em contato com a natureza da qual podemos deduzir o pensar do fazer. Claro, o papel do conhecer e do pensar seguido da devida prudência no agir evidentemente tem sua importância. Também faço parte do Movimento Estudantil na Faculdade onde eu estudo e muitas vezes cometemos erros por falta de reflexão - normal, isso acontece, todos querem resolver tudo da melhor forma e o mais rápido possível, mas é questão de subverter isso com o tempo.
ResponderExcluirUm beijo e boa sorte na Faculdade de Medicina
Ótimo texto. Ótimo blog,Hugo.
ResponderExcluirMais Seo Manoel,num sério blog sobre Nuestra América:
http://pedroayres.blogspot.com/2010/06/memoria-brasileira-manoel-conceicao.html
Estarei atento ao seu blog.
Abraço,
Ramiro Tavares
Obrigado, Ramiro, seja bem-vindo!
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