domingo, 15 de janeiro de 2012

Um Ano de Alckmin e a Guinada Bandeirante

O governador paulista Geraldo Alckmin, completado o primeiro ano de seu terceiro mandato, está no olho do furacão de uma ofensiva silenciosa. A capital do seu estado encontra-se em uma verdadeira guerra urbana marcada por operações policiais ostensivas no Centro e em sua principal universidade, a USP. 


A primeira ação é liderada pelo prefeito paulistano Gilberto Kassab, seu ex-aliado e atual desafeto, enquanto a outra é fruto da vontade de um reitor produzido por seu adversário interno José Serra - Apesar disso, Alckmin não parece ter problemas para mobilizar a sua polícia militar na forma de convênios para executar o programa. 

Alckmin tem dois trunfos que é a chefia da poderosa máquina bandeirante além de, ainda, ser o principal cacique de um importante naco do partido - que equivale, por sua vez, à herança de Mário Covas e os setores da direita católica que foram agregados por ele. Mas nada disso é suficiente para que ele realmente dê as cartas, uma vez que no fundo, a máquina partidária não está nas suas mãos - inclusive por sua baixa penetração na capital do estado -, sua ação, portanto, vai a reboque de uma agenda conservadora com a qual no fundo ele concorda, mas  para a qual tem pouca capacidade de pautar. 

Sim, Alckmin é um político paradoxal, sua força é tão grande em São Paulo quanto é pequena no resto do Brasil, a despeito de sua boa votação no pleito presidencial de 2006 - o que, no entanto, se explica facilmente: ele é forte em São Paulo sobretudo porque encarna muito bem o provincianismo local, o que sempre limitará sua capacidade de liderança nacional, ao mesmo tempo em que nenhuma pretensa liderança nacional pode realmente prescindir dele (como se vê no caso de Serra ou Aécio).

Foi ele quem ousou disputar com Lula em 2006, quando nem a crise do governo petista foram incentivos suficientes para José Serra e Aécio Neves aceitarem correr riscos. Foi o  primeiro gesto ousado da carreira de Alckmin e ele acabou dando com os burros n'água: frente a um político de envergadura histórica como Lula, a estratégia do governador paulista - isto é, defender o gerencialismo como alternativa à política -, fracassou, a despeito do momento complicado que vivia o rival. 

Dali em diante, Alckmin travou uma guerra interna contra José Serra para se afirmar como nome nacional do PSDB. A candidatura a prefeito de São Paulo em 2008 teve muito disso: ele forçou uma candidatura sem muito apoio para frustrar o lance de Serra - reeleger seu aliado Kassab para planificar o caminho para sua candidatura presidencial em 2010. Longe de sua distante Pindamonhangaba, Alckmin viu-se perdido em uma cidade que desconhecia e onde sua legenda é apenas uma opção pelos orfãos conservadores locais - que no fim das contas confiaram mais no ex-malufista Kassab e na figura nacional de Serra como o anti-Lula do que nele, que sequer foi ao segundo turno.

Se a jogada errada parecia ter sepultado a carreira de Alckmin nas majoritárias, as pesquisas para o governo do estado no pré-2010 se mostravam desalentadoras para a ala serrista: sem quadros e com Serra disputando a Presidência, o único nome capaz de derrotar o PT era o de Alckmin, que terminou ressuscitado depois de ser enfraquecido pelas duas derrotas. Em uma campanha contra um candidato governista escolhido em cima da hora, Aloizio Mercadante, o que parecia uma vitória certa, quase resultou em segundo turno. 

O que faria Alckmin de volta ao poder? Primeiro, uma mudança de rumo dos projetos herdados pelo seu antecessor, José Serra, uma política de arrocho fiscal - que, para variar, acerta em cheio os servidores públicos - e uma retórica cada vez mais voltada para uma política de segurança pública linha-dura - o que é um misto de demagogia, à la sociedade do  espetáculo, com a resposta às demandas de setores bem organizados em relação ao controle da universidade e dos espaços urbanos.


Uma das mais visíveis mudanças do legado serrista foi a alteração do eixo da política de transportes públicos, deixando de lado a construção do metrô na capital para os trens interurbanos - embora isso caminhe a passos lentos e com poucas preocupações com os ferroviários que, não à toa, o fizeram enfrentar uma preocupante greve em seus primeiros meses de mandato em razão de mais de dois anos sem reajustes. 

Já no caso do policialismo, 2011 foi um ano marcado pela repressão aguda dos movimentos sociais e manifestações pacíficas no estado, como no caso da repressão violenta à Marcha da Maconha - que resultou na Marcha da Liberdade, em sua resposta -, na USP - e agora em 2012, no Centro. No primeiro caso, o governo estadual agiu articulado com o seu Tribunal de Justiça, o que resultou logo mais em uma derrota de ambos no STF diante da platitude de que é constitucional manifestar-se pacificamente por mudanças legais (!).


No caso uspiano, não resta dúvidas de que João Grandino Rodas, atual reitor da USP, é uma criação de José Serra, uma vez que sequer foi o mais votado no oligarquizado sistema eleitoral daquela universidade, tendo sido indicado na lista bisonha listra tríplice ainda existente - num gesto que até então tinha sido repetido pela última vez, pelo então governador Paulo Maluf, ainda na Ditadura. 


Nem por isso, Alckmin desencampa as políticas autoritárias de Rodas. Pior ainda, sustenta um controverso convênio que colocou a polícia militar dentro do campus do Butantã para fazer funções que cabiam à guarda universitária - o que resultou em diversos incidentes, como a da abordagem violentíssima contra um estudante negro. Essa política une um temor desmedido com as potencialidades do movimento estudantil local com a demagogia de Rodas que, usando o governo do estado, visa a busca de apoio interno na USP, coisa que ele não possui pela maneira obtusa que chegou ao poder.

No que toca à Operação Sufoco, o grotesco plano de "revitalização" da zona central da capital via ação ostensiva da polícia, nada muito diferente: uma tragédia anunciada, em um projeto elaborado pela Prefeitura, em articulação com os interesses do setor imobiliário no Centro, igualmente conveniada com a PM. A presente operação vai na mesma toada da Operação Delegada, que até bem pouco se dedicava à reprimir artistas de rua pela cidade - num misto jocoso da paranoia do direito autoral junto com a gestão autoritária dos espaços públicos, enquanto a Operação Sufoco mistura ao segundo item a lógica da guerra às drogas, o que deve, ainda se prolongar por meses segundo ameaça o próprio Alckmin.


Não fosse suficiente, a ocupação de quase todas as subprefeituras paulistanas por oficiais da polícia ocorre sob a vista grossa do governo do estado - a onipresença policial só não é maior do que os assustadores relatórios que provam o inacreditável número de mortes causadas pela polícia paulista, superior a todas as polícias americanas juntas. Mesmo que a existência de uma política militarizada com poder sobre civis seja, inegavelmente, uma herança da Ditadura  Militar na carta democrática de 1988, nem por isso a elefantíase do seu uso está autorizada - o que se constrói na prática com a retórica da segurança nacional dando lugar a da segurança pública.


É de se notar que as tragédias acontecidas em plena "normalidade democrática"pelas mãos da polícia, seja em ações específicas - como o massacre da Candelária ou em Eldorado dos Carajás -  ou na sua atuação quotidiana, se referem a constante da dinâmica da exploração do poder contra a vida que se levanta, se negando a morrer, mas é claro que isso toma uma forma própria em cada estado. O que vemos em São Paulo são o resultado de um choque imenso da chegada do pós-industrialismo em lugar que se industrializou pesada porém tardiamente, processo em face do qual as administrações tucanas se posicionaram com uma tentativa de articular tudo por dentro do mercado.


Se o mercado, enquanto paródia que é do espaço público - como diria Giuseppe Cocco -, é incapaz de regular as relações sociais - e além de não dar conta dos problemas existentes ainda aprofunda ou cria outros tanto -, o cacetete e o velho poder disciplinar reaparecem para deter a resistência que se insurge. O quadro atual de São Paulo, portanto, alude a uma crise crônica da tentativa de totalizar o mercado, por meio de uma atitude gerencial dos últimos governos estaduais, como forma de adequá-lo à nova ordem. 


Nesse sentido, a recente articulação das ações do governo estadual com a conhecida - e crescente - atitude repressiva do seu Tribunal preocupa. Não custa lembrar dos enormes problemas em relação ao gerenciamento da enorme população carcerária do estado - como no caso da crise do PCC, acontecido no primeiro governo Alckmin -, constituída, em grande parte, pela overdose de medidas cautelares durante o curso do processo contra meros acusados - em geral negros e pobres - ou mesmo por aqueles que, já em cumprimento de pena, têm seu direito à benefícios de progressão negados, até pela falta de acesso à justiça. 


O último item foi, inclusive, objeto do recente mutirão do Conselho Nacional de Justiça que analisou inúmeros processos de presos condenados - além das investigações em relação a desembargadores do Tribunal de São Paulo que, em último caso, foi o estopim da recente guerra contra aquele colegiado fiscalizador. Também causa estupor, em matéria de justiça, os planos, encaminhados via Alesp, de esvaziar a ainda incipiente Defensoria Pública Estadual, passando a defesa gratuita de réus pobres para a OAB ao mesmo tempo em que propõe retirar a autonomia funcional daquele órgão, submetendo-o à Secretaria de Justiça - o que dificulta mais ainda o acesso à Justiça da população pobre.


Enquanto projetos não aparecem nas áreas de Saúde ou Educação, somado à manutenção  da estagnação de rendimentos dos servidores da área, o governo estadual anunciou, na contramão do Governo Federal, aumento dos tributos conjugado com a continuação do arrocho fiscal, implementado desde o ano passado. 


Paralelamente, Alckmin esforça-se para, ao contrário de Aécio e Serra, garantir o lançamento de uma candidatura própria do PSDB para a Prefeitura de São Paulo, com o intuito de fortalecer sua posição dentro do partido - mas o que pende sobre uma linha tênue, pois não só o eventual bônus dessa manobra seria capitalizado pelo atual governador, mas todo seu ônus também (sobretudo, em caso de derrota).


Com um cenário relativamente confortável na Assembleia Legislativa, e as incertezas do PT local - o que resulta na debilidade da oposição parlamentar -, o governador bandeirante segue em um cenário onde sua alta margem de manobra é precisamente a sua maior ameaça, sobretudo quando isso lhe autoriza a ousar. Nesse sentido, sua luta para esvaziar a influência do PT em muitos dos grandes municípios paulistas em 2012 faz algum sentido. 


Seja como for, os próximos três anos já tem uma tônica mais ou menos desenhada no estado, com acirramento das tensões urbanas nas grandes cidades, sobretudo São Paulo, e a hipertrofia do policialismo como saída, enquanto demandas específicas por serviços de educação e saúde tendem a continuar aumentando. Os contornos das políticas para a Justiça parecem mais preocupantes, mas dificilmente irão melhorar, o mesmo vale para a política universitária. Tudo isso com o seu governador como o mero gestor de um programa delineado. 



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