quarta-feira, 13 de abril de 2011

A Fantástica Máquina Partidária Soviética: Suslov

Mikhail Suslov, ideólogo soviético
Sempre quando falamos sobre a antiga União Soviética, as imagens de Lenin e Trotsky - revolucionários e heróis, o último até mártir e profeta - ou de Stalin - déspota e assassino - surgem diante dos nossos olhos quase que de imediato. No entanto, o que interessa verdadeiramente nas grandes histórias não é o que é narrado, mas o que deixa de sê-lo ou, mais até do que isso, aquilo que se põe para fora do narrável por sua própria astúcia, deixando, apenas, uma sombra sinistra como rastro. A figura de Mikhail Suslov é uma dessas entidades. E nessa afirmação não reside nenhuma perspectiva histórica romântica, ao contrário, a figura (im)pessoal de Suslov é chave para que possamos compreender uma parte relevante da engrenagem - formidavelmente totalitária - que sustentou a política soviética como um todo - e não nos esqueçamos; a própria vida adulta de Suslov praticamente se confunde praticamente com a própria vida soviética. 

Antes de mais nada, esqueça dos weberianismos que nos sufocam; uma máquina partidária - essa peculiar máquina "organizadora" de vontade - não está condicionada necessariamente a uma liderança carismática ou a uma liderança racional-burocrática (ou, ainda, a uma dominação tradicional): essa disjunção, na prática, não existe; partidos dependem de faces políticas e carismáticas orientadas pelos profetas da propaganda,  alicerçados sobre o trabalho intelectual de seus administradores - que fazem, como Suslov fazia bem, os relógios marcarem meio-dia todos ao mesmo tempo. Racionalidade administrativa, messianismo e  carisma, na prática, se confundem e isso é uma constante entre as grandes máquinas partidárias, sejam os partidos únicos de regimes autoritários ou mesmo os vários partidos que rivalizam entre si nas democracias.

E Suslov esteve em todos os grandes momentos da história soviética: seja atuando diretamente nos serviços de repressão nos anos 30 - nos anos anos mais duros da perseguição política -, na deportação de minorias nos anos 40 ou mudando de lado na desestalinização dos anos 50 para voltar para onde estava quando da derrubada de Khrushchov nos anos e encampar em o reformismo demagógico e pró-burocracia de Brezhnev - além de, por fim, ter alimentando a ala de Andropov - que tinha entre seus quadros o jovem Mikhail Gorbatchiov. Suslov, mais do que administrador chefe do sistema era seu guardião, um velho taumaturgo a espreitar maquiavelicamente; sua história é o próprio fio da meada da nebulosa história soviética; sua atuação, símbolo da derrocada de qualquer proposta transformadora que ponha a Grande Causa na frente da Liberdade. 

Quando tratamos da crise política brasileira, por exemplo, existem pontos interessantes na história soviética que tangenciam o nosso caso: um deles, a saber, é como a mesmificação partidária tem a ver com o modo pelo qual a propaganda partidária foi terceirizada - hoje, um sistema de propaganda que está descolado dos partidos ou mesmo de qualquer  espectro político, mas é compartilhado por todos os grandes partidos e serve como seu grande fio conector; o outro ponto relevante, é como a extrema-esquerda que se apresenta como contraponto ao consenso em formação não passa, por seu turno, de um emaranhado de movimentos suslovistas tardios, todos dispostos a sacrificarem tudo - a vida, inclusive - em prol da Causa, esmagando o sujeito em seus obstinados sistemas de moer carne humana - dirigidos por seus pequenos líderes que não aparecem e por decisões que parecem surgir do nada quase como se fosse obra divina.


A imensa sombra causada pela luz cegante do Iluminismo se estende para (muito) além das saídas fáceis - e absurdas - que o binarismo político dos séculos 19º e 20º postulou. O contraponto para isso não é uma questão de saber distinguir o "verdadeiro" do "falso", mas de encarar o rotundo fracasso das linhas gerais da organização política contemporânea - sobretudo, dos próprios movimentos de libertação.


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